A guerra de Gaza, a guerra da Ucrânia, as guerras na África, as guerras localizadas e temporárias (breves) na Ásia e as guerras tarifárias têm algo em comum?
Antes de responder, vamos ver quais são os atores indiretos ou de profundo destaque de cada uma dessas guerra.
A guerra de Gaza, que envolve Hamas e Israel, também revela a participação de diversos países, dos quais os mais relevantes são Estados Unidos e Irã.
Passemos a outra guerra, a da Ucrânia e Rússia. Os agentes que se destacam são a OTAN e a própria Rússia.
As guerras da África evidenciam as potências europeias, a Rússia e novas potências regionais, como o Egito e a Turquia.
As guerras pontuais na Ásia evidenciam a ação das inteligências britânica e estadunidense e ações discretas da China e da Rússia e Irã.
As guerras tarifárias nos revelam muito sobre os Estados Unidos e a sua decadência econômica, o fracasso do neoliberalismo vigente há 40 anos e a importância das indústrias de peso, como as existentes na China.
Ao contrário do que muitos pensam, a geopolítica não é linear e muitos atores ora pendem para um lado, ora para outro, como o Egito, a Turquia, a Arábia Saudita e tantos outros.
Como dizem, em geopolítica não há países amigos, mas interesses - momentâneos ou não - em comum.
O que tais guerras nos revelam:
A) UCRANIA: fracasso da antes poderosa OTAN em enfraquecer e repartir em diversas repúblicas a Rússia; o início de uma crise econômica trágica para a Europa, o fortalecimento da indústria militar russa e uma ação discreta e pontual, como sempre, da China;
B) GAZA: o interesse dos Estados Unidos em criar tensões contínuas na região dos grandes países produtores de petróleo e gás e de aniquilar ou afastar da órbita da China países parceiros daquela,.com destaque ao Irã.
C) PAQUISTAO: tirando a questão dos países produtores de gás e petróleo, podemos repetir o que foi dito a respeito de Gaza, com o acréscimo da ação pontual e sempre discreta da China.
D) AZERBAIJÃO: ação direta dos serviços de inteligência estadunidense, britânico e israelense, a intenção do ocidente de criar zona de tensão no Cáucaso, a fim de facilitar o ingresso de terroristas no Irã e na Rússia.
E) IRÃ: a capacidade desse país de, mesmo sob severas sanções, ser capaz de desenvolver uma importante indústria bélica e também tecnológica, com satélites próprios, alguns dos melhores e mais eficientes mísseis do mundo e reinventando a arte da guerra, onde os componentes principais não são mais produtos caríssimos e altamente tecnológicos, com dificuldade de produção e reposição, mas itens de tecnologia barata, de fácil produção e reposição - em diversas e distantes plataformas - e alto volume de ação militar.
F) ÁFRICA: a decadência geopolítica e militar da Europa, com destaque à França, a atuação da Rússia, o ressurgimento do nacionalismo na África, o que explica um alinhamento cada vez maior à Rússia e China, além de uma tentativa de interferência do Egito e da Turquia sobre os países de maioria islâmica, seja no norte da África ou na subsaariana. E também, por óbvio, o afastamento (não total, mas relevante) dos Estados Unidos na região.
G) GUERRAS TARIFÁRIAS: que os Estados Unidos não são amigos de nenhum país, exceto Israel, que a economia estadunidense não anda nada bem, que os Estados Unidos se desindustrializaram e abandonaram a política da boa vizinhança e que o alvo principal - em razão do volume tarifário - são os países do BRICS, com destaque à China.
Qual a conclusão a que podemos chegar? Os Estados Unidos estão cada vez mais decadentes, mas mais beligerantes, ainda que por ações econômica e de sua inteligência. Que a África e Irã, além do sudeste asiático, prometem ser, cada vez mais, atores importantes nos próximos anos. Que a China não dá para ser combatida militarmente de forma direta, devendo haver movimentos para bloqueio de fornecimento de alimentos, petróleo, gás e minério para ela, bem como o afastamento, ou enfraquecimento, de paises alinhados a ela. O elo se fortalece entre a Rússia, a China e o Irã, este como agente importante geopolítico, seja pela localização, seja por suas ações estratégicas, seja pela produção de petróleo e gás, seja pela sua produção bélica de ponta. E a China, que se fortalece militarmente muito rapidamente, também passa a atuar cada vez mais fora de seu território, graças a uma diplomacia eficiente, aos movimentos econômicos de atração e às decisões estratégicas absolutamente discretas.
A Terra gira e os Estados Unidos e Europa não estão mais na parte superior do globo geopolítico. O Sul Global ganha relevância, com destaque à China, Rússia, Irã, Índia, demais países do BRICS, África e sudeste asiático.