A escrita surge hoje como desabafo, como indireta, como desafio, como um retrato frio de intenções e de manipulações, mas nem sempre foi assim.
No início a escrita surgiu como uma grande descoberta. A cada sílaba, um som. A cada palavra um entoado quase cantado. E a humanidade conseguia, assim, como se fosse uma criança a descobrir as paisagens novas a cada novo passo, registrar a sua história.
Com a escrita vieram os mais fabulosos conhecimentos e a vontade e necessidade de descobrir o mundo ao redor. A poesia surgia como algo inevitável na história da humanidade. E a escrita, apoderando-se dos poemas e contos, fez-se arte!
As grandes civilizações prosperaram com a escrita, e a escrita as retratou para a eternidade.
Mas a escrita não foi capaz de revelar segredos ocultos, muitas vezes mistificados, ampliados, exagerados. E a escrita consolidou, também por ela, algumas lendas, alguns contos e muita fantasia.
O ser humano ardiloso passou a usar a escrita não mais para comover, ampliar horizontes e revelar a própria humanidade, mas para manipular, como se fosse arma. Fez isso com os jornais e faz isso com a nova mídia eletrônica, como o Facebook.
A escrita, hoje massiva, utilizada por bilhões de seres, não registra mais, de forma prioritária, fatos históricos, mas um dia a dia superficial, intenções muitas vezes expressas, outras não, de manipular através de ocultação parcial de verdades ou de utilização expressa de pequenas ou grandes mentiras. A escrita, antigamente de poucos, e ligada, sim, aos poderosos, hoje, embora acessível a bilhões de seres, é descaradamente utilizada em prol do poder.
A escrita que estava ligada à arte, à intensa liberdade, hoje é utilizada como meio reacionário. Através dela, grupos se manifestam massivamente clamando por uma limitação do ser humano, como se a humanidade pudesse ser compreendida como algo estanque e sem a necessidade de dar passos além, para conhecer o que jamais foi esclarecido, decodificar de outra forma o que já é conhecido e propiciar novos sentidos, como a arte, registrada pelas palavras escritas através de poemas e contos.
Querem, hoje, através da escrita, limitar a arte e demarcar espaços para a humanidade, impedindo aqueles pequenos e grandes passos necessários para a ampliação do nosso horizonte e do próprio conhecimento.
Querem a escrita não mais para libertar e, assim, propiciar novas visões de mundo, mas para nos aprisionar a conceitos já existentes e muitas vezes ultrapassados.
Em um mundo em que as palavras são utilizadas de forma breve, fria, sempre acelerada, prioritariamente para propagar a superficialidades de um cotidiano repleto de luxo, mas vazio de intensidade de alma, não soa estranho a escrita ser utilizada para cercear, ao invés de libertar.
A escrita, hoje, mais nos prende e menos nos permite alcançar a liberdade, que no passado.
Mas a escrita que reflete o sentir, o pensar e o amor pelo o que a natureza humana e o Universo proporcionam pode voltar a ser um grande instrumento de progresso da humanidade. Para isso, precisa transgredir e ser capaz de ser revolucionária. Necessita não de um amontoado de palavras ou de letras, não necessita ser excessiva, mas tão somente expressar emoção, a mesma que dominou a humanidade ao se fascinar pela sua então criação: a escrita.