quinta-feira, 25 de junho de 2009

Meninas na rota da prostituição

A Tribuna Digital - Baixada Santista - 21 de junho de 2009
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Enviada ao Vale do Ribeira
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Os mais desavisados passam e nem percebem. Em alta velocidade, carros, ônibus e caminhões as transformam apenas em vultos. No entanto, basta tirar o pé do acelerador para perceber que essas imagens, antes borradas, ganham vida e viram protagonistas de uma história que traz como enredo principal a degradação.
A exploração sexual infantojuvenil não dá tréguas e deixa suas tristes marcas pelas rodovias do País. Na Régis Bittencourt, A BR-116, que liga São Paulo ao Paraná, não é diferente. Por míseros trocados, crianças e adolescentes vendem o corpo. Ficam paradas nos postos, entre os caminhões, ou no acostamento.
Como estava Fernanda (nome fictício), próximo ao Km 372, altura do município de Miracatu. Ao ver um carro parado do outro lado da pista, atravessou correndo. "Cobro R$ 10,00". O olhar parado, quase perdido, denunciava que a menina estava sob efeito de drogas. "Tenho 17 anos". Não aparentava mais do que 15.
Fazia muito frio naquela noite de quarta-feira. Magrinha e baixinha, usava minissaia, camiseta, uma jaqueta fina e uma touca. Nos pés, chinelos. Fernanda é nova de idade mas experiente quando o assunto é estrada. "Estou aqui desde os 12". A inocência perdida no dia a dia de uma vida sem perspectivas fica clara quando a jovem explica ao que o cliente terá direito se topar o programa. "Uma chupetinha e uma transada".
Fernanda podia ser sua irmã caçula, sua sobrinha, sua filha. Fernanda deveria ter direito a uma vida de sonhos. Só que não. Por razões tão diversas quanto injustas, tornou-se vítima de um crime. Porque quem paga para fazer sexo com ela está sujeito a sofrer punições, como prevê o artigo 244A do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Pena de 4 a 10 anos de reclusão "a todo aquele que submeter a criança e o adolescente à prática sexual".
Um detalhe estarrecedor: Fernanda não se reconhece como vítima. "Não tem perigo, já estou acostumada".
Nesse universo repugnante ela está longe de ser a única. Mapeamento feito em 2007 pela Polícia Rodoviária Federal com a Organização Internacional do Trabalho (OIT) nas rodovias federais e publicado no ano passado mostra um número impressionante: 1.819 pontos de vulnerabilidade relacionados à exploração sexual infanto-juvenil. Só no Estado de São Paulo são mais de 400.
No Vale do Ribeira, justamente às margens da Régis Bittencourt, foram destacados 44. São bares, postos de combustíveis, motéis, restaurantes, boates que ficam em áreas urbanas ou rurais, seja na beira da estrada ou dentro das comunidades de cidades como Miracatu, Juquiá, Registro, Jacupiranga, Cajati.
PACTO DO SILÊNCIO
E foi em Jacupiranga, exata- mente num desses lugares apontados pelo levantamento, Km 479, que a equipe de A Tribuna flagrou, em dois momentos de um mesmo dia, ce- nas com indícios de comércio sexual infantil. Na primeira, à tarde, uma menina, ao ver três caminhões chegando, correu para o pátio. Depois de alguns minutos e uma rápida conversa, se encaminhou para a lanchonete com os motoristas. No início da madrugada, eram duas. Uma, parada em frente a um veículo. A outra, conversando com um caminhoneiro.
Ao contrário do que aconteceu com Fernanda, foi impossível qualquer tipo de aproximação com essas jovens. No posto de combustível desativado, existe um amplo espaço, que funciona como estacionamento para caminhões. Fica a uns 200 metros do restaurante, de uma farmácia e dos sanitários. Ao lado, existe uma espécie de oficina. Apesar disso, o movimento ali era fraco. De acordo com o balconista da farmácia, há pelo menos três anos o local deixou de vender combustível.
O fato de estarmos com um carro sem a identificação de imprensa não foi o suficiente para passarmos despercebidos nas duas vezes em que estivemos no posto.
Sob olhares desconfiados dos funcionários do tal restaurante e farmácia, era arriscado tocar no assunto com estranhos. Em muitas situações, como confirmouAnália Belisa Ribeiro, coordenadora do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas da Secretaria de Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo (Sejuc), o aliciador está por perto dessa adolescente. "O dinheiro que ela ganha é dividido, no mínimo, por três: para ela, família e aliciador".
Portanto, a máquina do repórter fotográfico Davi Ribeiro permaneceu dentro do veículo e, sem usar o flash, ele teve de recorrer à luz que saía do farol para capturar as imagens e contar com a habilidade do motorista Clineu Ferreira Júnior, que precisava ser rápido para não despertar (ainda) mais a atenção.
Ao longo de mais de mil quilômetros que rodamos durante o final de semana e numa quarta-feira à noite, pela Régis Bittencourt em diferentes horários, estivemos em diversos desses pontos marcados. Não é fácil encontrar alguém disposto a falar ou a comentar a questão da exploração sexual infantil. Sob o pacto do silêncio, poucos se dispõem a conversar. "Eu sei que aqui não tem", desconversa um frentista de um posto de marca famosa.
QUESTÃO DE ESTRUTURA
O que acontece, então, é que essas jovens em situação de risco vão para locais que podemos chamar, tranquilamente, de facilitadores para esse tipo de crime. São postos, estacionamentos e oficinas mecânicas que viram alvo da prostituição por conta do aspecto de abandono. Aquele mesmo funcionário desconfiado do ponto vulnerável da região da Jacupiranga fez uma espécie de radiografia. "Nos postos maiores os caminhões são cadastrados pelas empresas para que os motoristas possam passar a noite. Nos outros, estaciona quem quer". Isso fica evidente quando se observam as diferenças estruturais. Iluminados, com instalações para banhos, restaurantes melhores.
A presença de seguranças particulares também inibe a prática criminosa. Muitos profissionais acabam sendo atraídos por essa sensação de proteção transmitida por esses lugares, que ficam, realmente, lotados durante a madrugada. Bem diferente dosoutros cenários. "Prefiro os postos grandes, mas hoje cheguei tarde e tive que parar aqui. Fico de olho e longe dessas meninas", relata um caminhoneiro de Bagé, no Rio Grande do Sul. "Elas chegam e se oferecem", afirma ao lado do seu veículo, parado em um estacionamento escuro, sem qualquer infraestrutura.
De Carlos da Nóbrega, também no Rio Grande do Sul, outro motorista de carga fala: "Onde tem essas meninas tem ladrão, roubo de carga, assalto. Eu não paro".
Não bastassem vítimas, muitas delas são usadas como instrumentos para práticas criminosas. "Existe um associação muito grande com o tráfico de drogas e a questão do roubo de carga. E a própria família estimula a permanência dela para poder ter um resultado financeiro melhor", confirma Anália.
SONHO INTERROMPIDO
Não é fácil retomar uma vida cuja base está longe de ser sólida. Por isso, muitas meninas, mesmo quando retiradas da prostituição, acabam voltando. "Essa menina não vê horizonte. Qual é o seu sonho? Muitas não têm sonho. A visão é limitada com o dia de amanhã", lamenta Yuri Giuseppe Castiglione, promotor de Justiça da Infância e Juventude e integrante do grupo de enfrentamento ao tráfico de seres humanos e exploração sexual de crianças e adolescentes do Ministério Público do Estado de São Paulo.
Conselheiro tutelar em Miracatu, João Batista Tosta conhece bem essa realidade. Tanto que ao ser informado sobre o caso de Fernanda, a jovem do início dessa matéria, contou sua lamentável história. A menina quando foi abordada pela equipe de A Tribuna revelou seu nome verdadeiro já foi retirada da beira da estrada dez vezes (isso mesmo). Seu último recolhimento aconteceu no dia 30 de maio, sendo encaminhada para a promotoria da infância e juventude de Registro, seu município de origem. "Ela é usuária de drogas e já fugiu de uma clínica. Possui um histórico bem complicado, não tem família e tinha um senhor que a ajudava. De vez em quando, pede ajuda, comida, roupas, porque chega em um estado lastimável", informa o conselheiro tutelar.
João confirma sua idade: 15 anos. "Ela nos relatou fazer programas por R$ 1,00 para comprar drogas. Certa vez, foi jogada, com o caminhão em movimento, para a estrada. Ficou toda machucada e precisou ser internada".
No caso dessas jovens, especificamente, o fato de ser vítima acaba atrapalhando e dificultando que ela receba ajuda. "Ela não é autora de um ato infracional. Se fosse, o juiz poderia determinar sua internação em um estabelecimento adequado. Na verdade ela é a vítima, e a forma de abordagem, as medidas legais existentes para o tratamento da vítima são aplicação de medidas protetivas. Acompanhamento psicológico e da família para buscar conscientizar. A grande dificuldade é situação de miserabilidade".
A lista de apoios a que essa adolescente teria de contar para não interromper sua juventude é grande: família, políticas públicas, educação, emprego, cursos. Não é somente fora de casa que os acessos são limitados. No núcleo familiar, a adolescente encontra sua primeira barreira. "Muitas mães não estão nem aí". É uma situação bem difícil de lidar, relata Ligiane Santana, conselheira Municipal de Jacupiranga.
A coordenadora do Sejuc, Anália Belisa Ribeiro, acredita que a prevenção seja o grande vetor, a grande alavanca para mudança. Claro que aliada à assistência e ao monitoramento dessas vítimas e das famílias. "As famílias são vulneráveis também. Quando a gente fala de família tem que entender que família é essa, que não tem uma estrutura como a que conhecemos".

Para refletir:

Para viver, sinta, sonhe e ame.
Não deseje apenas coisas materiais.
Deseje o bem e multiplique as boas ações.
Sorria, sim. Mas ame mais.

Ame a si, aos outros, a quem está próximo e distante.
Ame quem errou e quem acertou.
Não diferencie.

O amor não julga. O amor não pune. O amor aceita.
Pense nisso e aceite a vida.

Vamos brincar com as palavras?



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