Se tenho feições do Oriente
Médio, sou chamado de terrorista. Se sou loiro e ando de cabelo raspado e
roupas justas, sou chamado de skinhead. Se sou negro, sou chamado de sexualmente
dotado. Se tenho ascendência japonesa, sou chamado de certinho. E isso sem ver
a essência, a individualidade de cada um. É... são tantas as definições. E elas
não param por aí.
Se um homem se sente atraído
apenas por mulheres, é heterossexual. Se se sente atraído por homens e mulheres,
é bissexual. Se se sente atraído apenas por homens, é homossexual. Se se sente
atraído por homens, mulheres e o que aparecer, é pansexual. Se um homem se
veste de mulher apenas por prazer, é crossdresser. Se um homem se traveste de
mulher e tem desejos por homem e faz uso da sua genitália, é chamado de
travesti. E o homem que se traveste de mulher e que tem desejos por pessoas do
mesmo sexo, mas não faz uso da genitália, é chamado de transexual. E as
definições sexuais não param por aí.
São
tantas as definições. E o homem continua sendo simplesmente uma pessoa. O que
muda com as definições? A compreensão das pessoas sobre aspectos particulares
de outro ser humano. Isso, por um lado, aproxima. Mas, por outro, repele,
difere. Serve para aproximar num mundo que já enfrentou e enfrenta a cada dia
novos holocaustos, racismos e preconceitos.
Radicais religiosos pregam com
cada vez mais ressonância que Deus não admite isso e aquilo. Será que Ele não
admite? Quem fala isso por Ele? Será que Ele não admite, na verdade, que um sem
noção diga o que Ele deixa fazer e o que não deixa? Afinal, ao homem quase tudo
é possível justamente porque Deus permitiu, possibilitou. As escolhas são
variadas e nisso reside o nosso livre arbítrio e as nossas descobertas
individuais. Há até a possibilidade da prática de crimes, atos que afrontam a
liberdade, vida ou propriedade de outrem. Ora, se pode praticar o mais, aquilo que
é verdadeiramente afrontoso e viola regras que nos foram apresentadas como
sendo de Deus nos Dez Mandamentos, porque o ser humano não pode decidir a
respeito dos próprios passos da sua existência, que é a forma de se conduzir?
A divisão por línguas, por países
e por etnias, além de religiões, por um lado serve para o ser humano se situar,
ainda mais em um mundo homogêneo e pasteurizado, cada vez mais sem graça. Mas,
por outro, serve para evidenciar e possibilitar definições e, com isso,
propiciar atos de racismo e até terrorismo por grupos de radicais contrários à
diversidade.
Quando um Europeu resolver abrir
um comércio em um outro país, é bem recebido, mas quando um estrangeiro, por
absoluto desespero, procura refúgio na Europa, é visto como oportunista, lixo e
até terrorista. Que o digam as crianças em busca de refúgio afogadas no
mediterrâneo.
A raça humana é uma só. O que
muda é a forma de vermos as pessoas. O que devemos fazer é aceitar a liberdade
do outro e respeitá-lo pelo o que é.
Em um mundo tão materialista e
globalizado, fica difícil a aceitação do diferente, que deixa de ser apenas exótico
para soar como estranho.
Vivemos
tempos de tristeza, onde até a lágrima é seletiva. Choramos mais pelas dezenas
de brancos que morrem do que pelos milhões de negros que são assassinados todos
os anos. Nos comovemos mais pelo atentado ocorrido em Paris do que aqueles praticados
no Líbano, na Síria e no Iraque quase que diariamente.
Escolhemos as vítimas por empatia,
por serem parecidos conosco. E nisso reside o mal das definições que o homem
sempre visou.
Compreender, entender e aceitar
não se confunde com o mero definir. É possível que compreendamos as dores
próprias de um povo, de uma etnia, de uma raça, de uma religião, de um gênero
sem pertencermos a ele. Com as definições, conforme elas forem tratadas, isso
serve tão somente para distanciar. A base da compreensão, entendimento e
aceitação é a boa educação, fundada na tolerância e no respeito, na prática do
cotidiano e no exemplo que nos é dado. Havendo isso, poder-se-á definir para
melhor conhecer a história e as dores alheias.
Não havendo educação humanista, a
sociedade não será inclusiva. Apenas definirá, e com isso relegará os
diferentes do padrão dominante a uma classe diferenciada. E daí advém o
racismo, o preconceito e os crimes mais bárbaros de segregação.
Seria bom definir se houvesse uma
cultura prévia, uma educação sólida que nos permitisse assimilar noções básicas
de solidariedade, tolerância e respeito. Sem esse passo prévio, alguns
intolerantes podem utilizar as definições para extravasar ódios, ressentimentos
e delírios contra os apontados como diferentes. E cada vez mais caminhamos para
a intolerância religiosa, sexual e étnica.
Com tudo isso o ser humano vive
épocas de indefinições. O seu rumo neste planeta está indefinido, em perigo.
O iluminismo ficou para trás.
Hoje, o que importa é o consumo, o ter e o assumir comportamentos assemelhados
àqueles que ditam o modismo comportamental. À diferença restou o lixo da
importância.
Ser socialista ou comunista, hoje,
não é elogio, pelo contrário. Ser verdadeiramente intelectual, com visão
humanista, hoje, é visto como algo decadente. Para os imbecis dominados pelo
consumismo, ser fraterno significa ser carente. E o entendimento dos que
consomem matéria, mas são ausentes de espírito de tolerância, o homem se limita
ao igual, esquecendo-se a ampla diversidade da raça humana, da natureza do
planeta e do infinito de cores, formas e possibilidades do Universo.
Jesus Cristo, com suas mensagens
de fraternidade, amor e compreensão, se nascesse nos tempos modernos, como
seria enquadrado?
Repensemos. Definir pode ser bom
para compreender. Mas para a sociedade que vivemos isso não importa necessariamente
em tolerância e fraternidade. Precisamos apenas de duas coisas prévias:
educação humanista de qualidade e uma visão menos centrada na matéria e no
consumo.