quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

O repórter está morto

por Claudio Julio Tognolli



O jornalismo investigativo está morto. Sobrevive, tão somente, em salas deaula. Apenas porque lá repórteres engravatados vão dar palestras. Diantedo silêncio maravilhado dos alunos, mostram o que é deter o júbilo de serum ungido pelos deuses pagãos do jornalismo. Mas esta farsa luminosa, lacunarmenteencenada, logo se dissipa como água na água: o aluno logo aprende que o jornalismoinvestigativo é um defunto tresnoitado. O que sobrou para os jornalistasinvestigativos, agora, é copiar grampos degravados por peritos policiaissonolentos. Ou copiar boletins de ocorrência. Tanto faz: o que era para serponto de partida (os dados oficiais), virou ponto de chegada.
O curativo arrepio de delícia, que percorre a espinha do repórter, sempreque pega um furo, passou a ter um preço. E este tem deixado diretores deredação numa rarefação de causar rodopios. Levantamento feito pelo jornalistaMárcio Chaer, do site Consultor Jurídico, mostra que há no Brasil quase 2,8mil jornalistas processados. Um recorde mundial. Os dados são de dois anosatrás. Tudo porque, mesmo defendendo publicamente a tão aclamada “transparência”,diretores de jornais sucumbiram, ano passado, à assoprada dada pela entidadepatronal que congrega os donos de jornal. A saber: não revelem novamenteos dados dos processos sofridos por jornalistas. Isso custa caro ao preçodas ações das empresas.
Sabe-se que esse número de processos contra jornalistas dobrou. Ninguém émais processado pela Lei de Imprensa. Desde a Constituição de 1988, advogadospreferem processar jornalistas pelo artigo quinto, inciso décimo, da CartaMagna, que prevê a inviolabilidade de imagem. Ações cíveis contra empresasde jornalismo viraram um bom investimento. Estima-se que, no Brasil, pelomenos RS$ 70 milhões estejam sendo postulados na Justiça contra jornalistas.
O número total de ordens judiciais de interceptação telefônica no país em2008 ultrapassou 400 mil, segundo levantamento feito pela Agência Nacionalde Telecomunicações (Anatel) junto às operadoras, entre 1º de janeiro e 5de dezembro do ano passado, da CPI e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).Segundo o relatório da Anatel, foram determinados 398.024 grampos em celularese 11.905 em telefones fixos, totalizando 409.929 pedidos de interceptações.
Numa sondagem feita com 8 repórteres investigativos, referiram-me que, detudo o que publicaram ano passado, em seus jornais e revistas, mais de 90%“veio pronto”. Ou seja: essa produção industrial de grampos acabou escoandonas páginas da mídia. Agora entendemos porque o jornalismo investigativodá sinais alusivos de agonia, e uma inervação indissolúvel toma conta dosadvogados contratados para escangalhar o couro de repórteres.
A filosofia que preside um inquérito, naturalmente, é aquela chamada, emlógica, de princípio do terceiro excluído, ou, em latim, “tertio non datur”.Ou lidamos com culpados, ou com inocentes. Ou com o bem, ou com o mal. Jamaisse pensaria em absurdidades logicamente possíveis, como, digamos “bondadeque mata”. O ministério público, titular da ação penal, está aí para isso.
A defesa dos acusados que se vire: a princípio todos são culpados. Esse mecanismoveio funcionando bem, com seus excessos, é claro, até que vieram os grampos.
E até que vieram as “bolachas” (CD’s) com todas as gravações e grampos eo escambal a quatro. Esse escarmento, levado aos repórteres, criou uma enxurradade “jornalistas investigativos”, cujo único papel tem sido reproduzir o quese recebeu da polícia ou das procuradorias.
Roda nas redações do Brasil, a boca pequena, um documento de onze páginas,sobre a chamada Operação Satiagraha, que levou Daniel Dantas à cadeia. Nelealguns jornalistas são citados como partícipes do movimento que teria levadoà privatização da Satiagraha, daí o afastamento do delegado Protógenes Queiróz.O documento tem servido como “mea culpa” para todo o repórter que o lê. Aconcorrência para dar o furo tem feito o repórter surfar os limites do impossível.
Tem nos aproximado do velho alpendre filosófico de Nietszche quando alertouque, toda vez que nos aproximamos por demais do monstro que queremos combater,corremos o risco de nos tornarmos iguais a ele. A indústria dos grampos,e a cobrança no esquema da concorrência pelo furo, deixou o repórter pairandono intermédio de ambos: hoje é juiz. Amanhã será carrasco. O populacho queconsome shows aplaude a transmutação. Os advogados de redações coçam os rubisdos anéis.

Cláudio Júlio Tognolli concluiu o doutorado em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo em 2002. É professor concursado da ECA e membro das UniFIAMFAAM. Publicou artigos em periódicos especializados. Possui capítulos de livros e 5 livros publicados. Representa o Brasil no International Consortium of Investigative Journalism (www.icij.org). É diretor-fundador da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (www.abraji.org.br) e repórter especial da Revista Consultor Jurídico (www.conjur.com.br). Escreve mensalmente para as revistas Joyce Pascowitch, Joyce Poder, Rolling Stone e Sax, entre outras. É co-roteirista do "Projeto Máfia", pela produtora 02, que leva às telas um de seus livros, sob a direção de Mauro Lima (Meu nome não é Johhny). Na ECA-USP é editor-responsável da Revista Babel. Recebeu os prêmios Jabuti (1997), Esso (2003) e do Depto. de Estado dos EUA (1996).

Para refletir:

Para viver, sinta, sonhe e ame.
Não deseje apenas coisas materiais.
Deseje o bem e multiplique as boas ações.
Sorria, sim. Mas ame mais.

Ame a si, aos outros, a quem está próximo e distante.
Ame quem errou e quem acertou.
Não diferencie.

O amor não julga. O amor não pune. O amor aceita.
Pense nisso e aceite a vida.

Vamos brincar com as palavras?



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