Era uma tarde chuvosa. Com ela, as altas
ondas deixavam o Mar Mediterrâneo revolto. Além da forte chuva, uma neblina
impedia a visibilidade.
Nesse ambiente repleto de insegurança, estava
para acontecer um pequeno milagre. E sempre que se trata de preservação ou
surgimento de uma vida, há algo forte e inexplicável a que denominamos de
milagre.
Naquele cenário cinzento, um condutor
de um barco de pesca italiano conseguiu avistar, em pleno oceano de água, uma
mão esticada, e conseguiu socorrer a tempo um homem adulto, o único das 300
pessoas que lotavam um pequeno bote e que conseguiu sobreviver ao naufrágio
ocorrido a centenas de metros do local.
Os mortos eram todos solicitantes de
refúgio. Fugiam de guerras, de massacres e de desastres naturais. Eram oriundos
da África subsaariana e de países islâmicos do Oriente Médio e da Ásia.
Só com aquele naufrágio, três centenas
de mulheres, crianças e idosos submergiram no mar distante de suas casas para nunca
mais serem vistos por seus parentes ou amigos. Ao longo do ano foram milhares
de mortos. Ao longo da história, então, imagina-se que aquele mar contabilize
milhões ou dezenas de milhões de seres humanos afogados quando buscavam a
chance de uma nova vida.
Não seria essa a primeira vez que
imigrantes morrem em um naufrágio no mar tão famoso e tão repleto de histórias
de navegações por sobrevivência, conquistas e confrontos, o que acompanha a
humanidade por toda a sua história.
Não se sabe ao certo quando o primeiro
homem se afogou no Mediterrâneo em busca de um lugar melhor para viver. A história nos relata histórias de
muito tempo atrás, milenares, em que muitos povos fugiam de regiões áridas para
outras menos cruéis. Talvez desde o surgimento da humanidade o ser humano já
estivesse em busca de um local distante que pudesse servir de abrigo. Daí, como
atestam descobertas científicas não tão recentes, surgiram as primeiras rotas
migratórias da humanidade. E ao longo desses caminhos, o homem povoou a Terra e
fez com que a sua própria história se confundisse com o que mais recentemente
passou a se denominar de instituto do refúgio. Disso decorre a sua importância vital
para a sobrevivência da humanidade e do próprio homem.
Segundo o velho testamento, os judeus
fugiram do Egito em direção a uma terra que teria sido prometida àquele povo.
De acordo com o novo testamento, a família do pequeno Jesus fugiu da Palestina e
se refugiou no Egito para escapar do massacre de crianças. Embora a Bíblia assim
não denomine, as duas hipóteses tratam da busca por refúgio.
A história é rica em refúgios em massa,
decorrentes de massacres, guerras, perseguições, catástrofes climáticas e ainda
há hoje os que chamam os refugiados de meros imigrantes.
Mais que os imigrantes, que deveriam
ter o pleno direito de circulação e de locomoção, e cuja motivação normalmente
é econômica, os refugiados buscam sobreviver, largando sua vida, família,
amigos e história para trás.
Nesse mundo turbulento, onde cresce dia
a dia a necessidade de refúgio, seja por guerras, perseguições ou por
catástrofes climáticas, cresce o preconceito aos refugiados e os crimes de
sangue praticados contra esses seres.
A falta de sensibilidade e de
conhecimento da história cria um exército insano, disposto a não estender a mão
e a ver aquele que pede ajuda como um inimigo a ser combatido.
E o direito ao refúgio talvez seja o
direito humano mais antigo, ainda que assim não fosse chamado. Com ele o ser
humano busca salvaguardar a sua própria vida, a única coisa que tenta carregar
nesse mar de desumanidades criado pelo próprio homem.