A terminologia e as denominações
utilizadas no mundo do Direito também criam embaraços e ainda dão verdadeiros
nós até na cabeça de bacharéis em direito. O exemplo clássico é o do termo
procurador. Procurador do Estado; Procurador do Município; Procurador da
República; Procurador do Trabalho; Procurador de Justiça.
Sim, todos esses cargos são de
procuradores, mas eles não integram a mesma carreira. Os três últimos,
Procurador da República, Procurador do Trabalho e Procurador de Justiça, são
membros do Ministério Público. O primeiro do MP Federal; o segundo do MP do
Trabalho; e o último do MP dos Estados, em Segunda Instância. Mas, e os
procuradores do Estado e do Município? Quem são eles e o que fazem?
Para quem não sabe, Procurador do
Estado e Procurador do Município não são membros do Ministério Público. São
advogados dos entes federados respectivos. Sorte que a União, pelo menos ela,
utiliza uma terminologia de mais fácil compreensão: advocacia da União.
Bem, foi preciso expor tudo isso para
chegar na denominação que realmente nos interessa para esse texto: Advocacia
pública.
A advocacia pública está prevista na
Constituição Federal nos seus artigos 131 e 132, que tratam da advocacia de
Estado, tanto da União, quanto dos Estados e do Distrito Federal. Tais
dispositivos estabelecem que o ingresso nas carreiras se dá mediante concurso
público, cabendo aos profissionais a representação judicial e a consultoria
jurídica das respectivas unidades federadas.
Como soa simples, sem polêmica ou
novidade, os advogados públicos submetem-se aos comandos maiores dos princípios
da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, previstos
no art. 37 da Constituição Federal.
Contudo, o advogado público deve
atentar-se a também e principalmente a outros princípios maiores, como
orientador do Poder Público ou em suas manifestações perante o Poder
Judiciário.
Embora em 1988 o advogado público
tenha sido inserido no rol de função essencial à Justiça e de corresponsável
pelo fortalecimento da cidadania e da democracia, os entes federados, além de
não terem reconhecido essa missão Constitucional, continuam a exigir dele
atitude incompatível. E o pior, suas próprias instituições vedam uma atitude
mais efetiva e coerente com a garantia da efetividade dos direitos humanos,
apresentado pela inovadora Constituição de 1988.
A Constituição Federal de 1988,
carinhosamente chamada de Constituição Cidadã, apelido inicialmente dado por
Ulysses Guimarães, político brasileiro que foi integrante da advocacia pública
paulista, é vasta na proteção de alguns valores e direitos que julga mais
relevantes à construção permanente da Democracia e da Cidadania.
Como dispõe a Constituição Federal,
qualquer ação da Administração Pública, de todos os entes federativos, deve ter
como fundamento, dentre outros, a dignidade da pessoa humana (art. 1º da
Constituição Federal). Seria esse princípio, em especial, a própria razão de
ser do ato administrativo, inclusive. Assim, não poderia o administrador fugir
desse comando, não bastando fundamentar nos princípios menores da economicidade
e do suposto interesse público, por exemplo, devendo harmonizar suas ações,
propostas e atos administrativos com os próprios fundamentos da República, e
logo no artigo 1º vem o principal deles, o compromisso com a dignidade da
pessoa humana.
Contudo, como mencionado acima, essa
atuação não é a regra e o advogado público vem agindo da mesma forma que vinha
fazendo antes de 1988, há quase três décadas, baseando sua postura na área da
consultoria ou judicial sem respeitar a dignidade da pessoa humana, ou seja, os
direitos fundamentais, os quais, através de sua correta orientação, deveria
visar assegurar.
Pode-se afirmar que o advogado
público é, antes de tudo, advogado de princípios e dos princípios fundamentais.
Não é um advogado privado, que tem como base a mera confiança outorgada pelo
contratante. O seu cliente não é o partido governante ou o próprio mandatário,
mas o Estado, representado pelo conjunto de valores trazidos pelo ordenamento
jurídico pátrio, a começar pela Constituição Federal. E o princípio maior assegurado
pela Constituição da República é a dignidade da pessoa humana, ou seja, os
direitos humanos.
Dessa forma, o compromisso do
denominado advogado público, como definido na Constituição Federal, é com o
permanente fortalecimento da Democracia e da cidadania e do respeito aos
direitos fundamentais, tendo como missão institucional o alcance dos propósitos
trazidos pelas Constituições e não a vontade muitas vezes desvairada do
governante de plantão.
O profissional da advocacia pública é
uma peça de apoio ao fortalecimento da democracia e da cidadania, ao lado do
Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, mas cabe a
esse profissional a missão mais difícil, a de alterar, intrinsecamente, a
postura arredia e a cultura de desrespeito do Poder Executivo a direitos
fundamentais dos cidadãos e a falta de interesse em investir esforços e
recursos na promoção dos direitos humanos. A luta do advogado público é árdua,
complicada e arriscada, pois tem que orientar a máquina pública muitas vezes de
forma contrária aos interesses pessoais, nada públicos, do administrador e do
próprio Chefe do Poder Executivo.
O Brasil e os entes federativos são
contumazes violadores dos direitos humanos, desde a sua independência, e isso
não mudou muito de lá para cá. Ainda há muitas execuções, tortura, desrespeito
com as minorias, salário mínimo vil e tantas outras questões que afetam a todo
instante, e em todos os lugares deste País, os direitos e a dignidade da pessoa
humana.
O que não é refletido, mas entendo importante,
é que a cultura de respeito aos direitos humanos nunca será assegurada se não
advier inicialmente daquele que tem a missão de orientar o administrador, que é
o advogado público.
Porém, muitos que comandam a
advocacia pública e mesmo os próprios advogados públicos, de forma sádica ou
não, não conseguem ou preferem não enxergar essa importante missão. Optam por
esperar uma “possível” e natural iniciativa do próprio administrador, se
esquecendo que a população aguarda por uma atitude decente do Executivo desde a
independência, ou seja, há aproximadamente 200 anos.
É passada da hora, portanto, da
advocacia pública repensar a sua forma de agir diante da sua missão
Constitucional que está a completar quase três décadas. Sua omissão, além de
caracterizar clara afronta à Constituição, vem permitindo a constante violação
aos direitos humanos.
Ser advogado público é uma missão!
Uma Missão Constitucional! E em razão disso a sua atividade é muito mais
relevante do que julgava ser em relação à Constituição, à Administração, à
própria população e à consolidação da cultura de respeito aos direitos
fundamentais da pessoa humana!
Se por um lado o advogado público é
merecedor de todo o nosso respeito, por outro necessita adotar uma postura mais
contundente e condizente com a sua missão de orientar o administrador, visando
com isso garantir a implementação e a execução dos direitos fundamentais, que,
passadas quase três décadas, não pode mais ser considerada uma missão
invisível.
Num momento em que a política é
passada a limpo e que as instituições são chamadas a cumprir o seu papel
Constitucional, não pode a Advocacia Pública continuar a vergar-se sem enxergar
o horizonte Constitucional.
Cyro Saadeh é advogado público.