quarta-feira, 22 de março de 2017

MISSÃO INVISÍVEL

             O direito mais confunde que explica, e se afugenta daqueles que deveria alcançar, que é a população. Disso poderia se extrair que os juristas são, em grande parte, sádicos, o que não parece ser uma mentira absurda, ainda mais se notarmos como os processos, judiciais e administrativos, criam monstros nas mentes dos jurisdicionados e dos próprios operadores do direito, devido à lentidão e complexidade incompreensíveis para a maioria.

A terminologia e as denominações utilizadas no mundo do Direito também criam embaraços e ainda dão verdadeiros nós até na cabeça de bacharéis em direito. O exemplo clássico é o do termo procurador. Procurador do Estado; Procurador do Município; Procurador da República; Procurador do Trabalho; Procurador de Justiça.

Sim, todos esses cargos são de procuradores, mas eles não integram a mesma carreira. Os três últimos, Procurador da República, Procurador do Trabalho e Procurador de Justiça, são membros do Ministério Público. O primeiro do MP Federal; o segundo do MP do Trabalho; e o último do MP dos Estados, em Segunda Instância. Mas, e os procuradores do Estado e do Município? Quem são eles e o que fazem?

Para quem não sabe, Procurador do Estado e Procurador do Município não são membros do Ministério Público. São advogados dos entes federados respectivos. Sorte que a União, pelo menos ela, utiliza uma terminologia de mais fácil compreensão: advocacia da União.

Bem, foi preciso expor tudo isso para chegar na denominação que realmente nos interessa para esse texto: Advocacia pública.

A advocacia pública está prevista na Constituição Federal nos seus artigos 131 e 132, que tratam da advocacia de Estado, tanto da União, quanto dos Estados e do Distrito Federal. Tais dispositivos estabelecem que o ingresso nas carreiras se dá mediante concurso público, cabendo aos profissionais a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas.

Como soa simples, sem polêmica ou novidade, os advogados públicos submetem-se aos comandos maiores dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, previstos no art. 37 da Constituição Federal.

Contudo, o advogado público deve atentar-se a também e principalmente a outros princípios maiores, como orientador do Poder Público ou em suas manifestações perante o Poder Judiciário.

Embora em 1988 o advogado público tenha sido inserido no rol de função essencial à Justiça e de corresponsável pelo fortalecimento da cidadania e da democracia, os entes federados, além de não terem reconhecido essa missão Constitucional, continuam a exigir dele atitude incompatível. E o pior, suas próprias instituições vedam uma atitude mais efetiva e coerente com a garantia da efetividade dos direitos humanos, apresentado pela inovadora Constituição de 1988. 

A Constituição Federal de 1988, carinhosamente chamada de Constituição Cidadã, apelido inicialmente dado por Ulysses Guimarães, político brasileiro que foi integrante da advocacia pública paulista, é vasta na proteção de alguns valores e direitos que julga mais relevantes à construção permanente da Democracia e da Cidadania.

Como dispõe a Constituição Federal, qualquer ação da Administração Pública, de todos os entes federativos, deve ter como fundamento, dentre outros, a dignidade da pessoa humana (art. 1º da Constituição Federal). Seria esse princípio, em especial, a própria razão de ser do ato administrativo, inclusive. Assim, não poderia o administrador fugir desse comando, não bastando fundamentar nos princípios menores da economicidade e do suposto interesse público, por exemplo, devendo harmonizar suas ações, propostas e atos administrativos com os próprios fundamentos da República, e logo no artigo 1º vem o principal deles, o compromisso com a dignidade da pessoa humana.

Contudo, como mencionado acima, essa atuação não é a regra e o advogado público vem agindo da mesma forma que vinha fazendo antes de 1988, há quase três décadas, baseando sua postura na área da consultoria ou judicial sem respeitar a dignidade da pessoa humana, ou seja, os direitos fundamentais, os quais, através de sua correta orientação, deveria visar assegurar.

Pode-se afirmar que o advogado público é, antes de tudo, advogado de princípios e dos princípios fundamentais. Não é um advogado privado, que tem como base a mera confiança outorgada pelo contratante. O seu cliente não é o partido governante ou o próprio mandatário, mas o Estado, representado pelo conjunto de valores trazidos pelo ordenamento jurídico pátrio, a começar pela Constituição Federal. E o princípio maior assegurado pela Constituição da República é a dignidade da pessoa humana, ou seja, os direitos humanos.

Dessa forma, o compromisso do denominado advogado público, como definido na Constituição Federal, é com o permanente fortalecimento da Democracia e da cidadania e do respeito aos direitos fundamentais, tendo como missão institucional o alcance dos propósitos trazidos pelas Constituições e não a vontade muitas vezes desvairada do governante de plantão.

O profissional da advocacia pública é uma peça de apoio ao fortalecimento da democracia e da cidadania, ao lado do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, mas cabe a esse profissional a missão mais difícil, a de alterar, intrinsecamente, a postura arredia e a cultura de desrespeito do Poder Executivo a direitos fundamentais dos cidadãos e a falta de interesse em investir esforços e recursos na promoção dos direitos humanos. A luta do advogado público é árdua, complicada e arriscada, pois tem que orientar a máquina pública muitas vezes de forma contrária aos interesses pessoais, nada públicos, do administrador e do próprio Chefe do Poder Executivo.

O Brasil e os entes federativos são contumazes violadores dos direitos humanos, desde a sua independência, e isso não mudou muito de lá para cá. Ainda há muitas execuções, tortura, desrespeito com as minorias, salário mínimo vil e tantas outras questões que afetam a todo instante, e em todos os lugares deste País, os direitos e a dignidade da pessoa humana.

O que não é refletido, mas entendo importante, é que a cultura de respeito aos direitos humanos nunca será assegurada se não advier inicialmente daquele que tem a missão de orientar o administrador, que é o advogado público.

Porém, muitos que comandam a advocacia pública e mesmo os próprios advogados públicos, de forma sádica ou não, não conseguem ou preferem não enxergar essa importante missão. Optam por esperar uma “possível” e natural iniciativa do próprio administrador, se esquecendo que a população aguarda por uma atitude decente do Executivo desde a independência, ou seja, há aproximadamente 200 anos.

É passada da hora, portanto, da advocacia pública repensar a sua forma de agir diante da sua missão Constitucional que está a completar quase três décadas. Sua omissão, além de caracterizar clara afronta à Constituição, vem permitindo a constante violação aos direitos humanos.

Ser advogado público é uma missão! Uma Missão Constitucional! E em razão disso a sua atividade é muito mais relevante do que julgava ser em relação à Constituição, à Administração, à própria população e à consolidação da cultura de respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana!

Se por um lado o advogado público é merecedor de todo o nosso respeito, por outro necessita adotar uma postura mais contundente e condizente com a sua missão de orientar o administrador, visando com isso garantir a implementação e a execução dos direitos fundamentais, que, passadas quase três décadas, não pode mais ser considerada uma missão invisível.

Num momento em que a política é passada a limpo e que as instituições são chamadas a cumprir o seu papel Constitucional, não pode a Advocacia Pública continuar a vergar-se sem enxergar o horizonte Constitucional.


Cyro Saadeh é advogado público.



Para refletir:

Para viver, sinta, sonhe e ame.
Não deseje apenas coisas materiais.
Deseje o bem e multiplique as boas ações.
Sorria, sim. Mas ame mais.

Ame a si, aos outros, a quem está próximo e distante.
Ame quem errou e quem acertou.
Não diferencie.

O amor não julga. O amor não pune. O amor aceita.
Pense nisso e aceite a vida.

Vamos brincar com as palavras?



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