Vivemos uma onda de atitudes
irracionais e conservadoras que desde sempre devastam o planeta e os pequenos
avanços obtidos.
Qual de nós não lembra da
história de Jesus Cristo, crucificado para saciar a sede de vingança de uma massa
manobrada pelos grupos conservadores que detinham o poder daquela época?
Foi esse mesmo conservadorismo
que, sob uma pretensa legalidade, elegeu Hitler e que pregou e efetivou a
matança de judeus, de homossexuais, de ciganos, de pessoas portadoras de
deficiência, de esquerdistas e comunistas e de tantos outros no Século passado.
Foi essa onda conservadora que
permitiu à África do Sul conviver com o horrendo apartheid, política de segregação,
tortura, matança e de exclusão dos negros até pouco tempo atrás, em um território
em que estes sempre foram a amplíssima maioria, quando não a plena totalidade
da população.
Mais recentemente, o conservadorismo
do grupo autoproclamado Estado Islâmico e da Arábia Saudita passaram a dominar as
manchetes dos jornais no mundo todo. Enquanto mulheres são proibidas de dirigir
veículos e até mesmo de andar de bicicleta no wahabita reino saudita, elas são
escravizadas, prostituídas e até induzidas a casar-se com apenas 9 anos de
idade no temido território ocupado pelos integrantes do radical Estado
Islâmico.
Já no nosso Brasil, essa política
conservadora, com o apoio dos Estados Unidos, levou a cabo o golpe de 1964,
ocasionando uma crise cujos efeitos na industrialização nacional, na educação, na
cultura e na intelectualidade, sem falar nas inúmeras rupturas de laços familiares,
perduram até hoje no nosso País. E isso com o absoluto desrespeito da ordem
legal então vigente.
Tornou-se público há poucos dias que
o ex presidente Lula foi conduzido coercitivamente pela Polícia Federal para o
Aeroporto de Congonhas. Já a Revista digital Carta Maior revelou que, graças à
pronta ação de uma centena de militares da Aeronáutica, a Polícia Federal foi
impedida de embarcar o ex presidente em avião que se destinava a Curitiba, medida
inesperada que teria levado o juiz Sérgio Moro, então, a determinar que Lula
fosse ouvido no próprio Aeroporto de Congonhas. Em um País em que os agentes militares
asseguram a obediência à ordem legal, enquanto alguns Juízes e agentes da lei cerceiam
a liberdade individual que deveriam assegurar e proteger, há algo muito anormal
acontecendo e que merece atenção especial.
Independentemente da questão da investigação
de corrupção de diversos agentes políticos integrantes do Partido dos
Trabalhadores, o fato é que a condução coercitiva de qualquer pessoa não acusada
de crime (seja eu, seja você, seja o ex presidente) é medida excepcional, que
depende de anterior recusa em cumprir a determinação judicial. É o que dispõe o
artigo 218 do Código de Processo Penal. No caso em estudo não houve recusa de
Lula e o juiz federal teria se utilizado do argumento de que a condução coercitiva
serviria de medida protetiva ao próprio declarante.
Como ser conduzido à força a
Curitiba ou a um aeroporto pode ser medida de proteção se o ex presidente
jamais solicitou tal apoio e se tal providência extrema retirou do indivíduo
que iria prestar declarações o direito de locomover-se livremente e de ter a
necessária liberdade de escolha?
Essa medida extrema adotada por
um integrante do Poder Judiciário, tão criticada por alguns integrantes do ex
governo Fernando Henrique Cardoso e pelo Ministro Marco Aurélio Mello, do
Supremo Tribunal Federal, bem caracteriza uma ação conservadora que visa restringir
os direitos individuais. É o que o citado Ministro chamou de o pior tipo de
ditadura, a do Judiciário. E essa decisão não é uma ação isolada no Poder Judiciário,
infelizmente.
Lembre-se que recentemente o
Supremo Tribunal Federal, com apoio de alguns Ministros Constitucionalistas,
modificou seu entendimento para, de forma mais conservadora, passar a autorizar
a prisão sem o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, bastando sua
confirmação por uma instância superior. Disso resulta a absurda situação de
prisão de muitas pessoas que posteriormente poderão ser declaradas inocentes. Não
bastasse o horror de ser injustamente preso, tal decisão implicará na
responsabilização do Estado, a quem caberá indenizar cada uma das pessoas nesta
situação. Indiretamente, caberá a cada um de nós, portanto, através dos
impostos quase sempre mal direcionados, pagar por isso. Por isso, com o devido
respeito à mais alta Corte de Justiça, penso que a decisão recentemente tomada caracteriza
um retrocesso sem sentido em um país com um sistema penitenciário superlotado há
décadas e temido em todo o planeta.
E ainda na semana passada, no Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo, foi determinada a abertura de um Processo
Administrativo Disciplinar em face de uma Desembargadora que, ao constatar a
prisão ilegal de alguns réus, determinava a sua pronta liberação, com base no
art. 654, § 2º, do Código de Processo Penal. Parece absurdo, mas por ser zelosa
e cumprir celeremente uma determinação expressa da lei, evitando tanto a
superlotação carcerária quanto a violação a um direito individual, a magistrada
passou a ser investigada e ainda poderá ser punida.
Como se pode perceber, as medidas
conservadoras agora já não se restringem às ações políticas e às posturas de
camadas da sociedade. Elas estão a impregnar as instituições e os Poderes que
deveriam assegurar os Direitos Elementares, também chamados de Humanos, de cada
indivíduo e coletividade.
O que mais podemos esperar no
nosso País? Crise econômica, crise política, Instituições e Poderes que se
perdem em meio à vontade dos agentes políticos e da onda conservadora
avassaladora. Um caos e um péssimo presságio às minorias e às maiorias
desrespeitadas.
Não serão essas medidas extremas que
assegurarão o fim da corrupção e dos corruptos. Elas não têm o condão de mudar
a cultura de corrupção com que o Brasil convive desde o período colonial.
Só para recordar, foi na época da
chamada ditadura militar, cujas medidas duras e conservadoras afrontavam
permanente os direitos civis e humanos, que as empreiteiras iniciaram a
corrupção dos agentes políticos. Ora, se conservadorismo fosse sinal de ética,
tal sistema perverso, que hoje o País enxerga com maior clareza, não teria tido
início naquele período de linha dura.
Há que se destacar com veemência
que o que mudará a cultura de corrupção enraizada em nossa sociedade não são
medidas que visam atender ao clamor popular, mas sim a seriedade com que os
agentes públicos, as instituições e os Poderes tratarão as questões locais, nacionais
e principalmente Constitucionais.
Lembro que a seriedade na conduta
dos agentes públicos e das instituições e Poderes Estatais não se relaciona ao
desrespeito de direitos da população, ao contrário. O desrespeito aos “pequenos
direitos” e também à boa educação e à boa saúde o sistema corrupto já
proporciona de forma silenciosa e prolongada há muito tempo.
As medidas conservadoras adotadas
pelo Judiciário, talvez para atender aos anseios das massas, servirão apenas
para fragilizar os direitos civis e humanos, de todos nós. A cultura de respeito
às leis, a todas elas, e também aos direitos humanos, ou seja, à boa saúde, à
boa educação, ao salário mínimo digno, ao respeito de cada um, com suas
especificidades, como ser humano, e a garantia de exercício de tais direitos pelo
Poder Judiciário é que possibilitará a mudança de mentalidade, a participação
popular, a necessária democratização do Estado e a responsabilização dos
agentes públicos, que deverão nortear-se pelos princípios legais e não pela
vontade dos agentes políticos. Disso resultará menor margem para a corrupção e,
consequentemente, maior facilitação para a responsabilização de todos os tipos
de corruptores e de corruptos (numa acepção mais ampla do termo).
Enquanto perdurar a irracionalidade
conservadora que busca a demagógica “Justiça” a qualquer preço, sem equilíbrio
e à base de um sentimento de vingança que suprime a racionalidade e a própria
ordem legal vigente, a humanidade, em que está inserido cada um de nós,
continuará a correr perigo. Enquanto os prejudicados serão os mesmos de sempre,
de uma forma ainda mais cruel, o sistema corrupto e desumano permanecerá em
movimento sempre crescente, ainda que temporariamente de forma mais discreta. O
tempo revelará.