sábado, 8 de agosto de 2009

Verdades individuais

REVISTA CARTA CAPITAL



Eduardo Coutinho parece brincar com as possibilidades de se fazer documentário. A cada filme, reinventa-se e intriga o espectador. Consegue manter características pessoais, como o uso delicado da oralidade e da metalinguagem, ao mesmo tempo que busca apresentar cada projeto de diferentes formas. Moscou, seu último trabalho, estreia na sexta-feira 7 e tem a habilidade de confundir aquele que o assiste. Mais uma vez, como em Jogo de Cena (2007), o diretor traça uma linha fina entre a ficção e a realidade e faz o público perguntar-se até que ponto isto é viável. Mas Coutinho conhece sua plateia, sabe de que maneira pode cutucá-la e deixa claro que não faz cinema para atingir as massas. “Não quero ser exibido em shopping centers”, disse em entrevista à CartaCapital. O ponto de partida de Jogo de Cena foi um anúncio no jornal que incentivava mulheres a contar suas histórias de vida. Ao mesmo tempo, atrizes como Andréa Beltrão e Marília Pêra também foram convidadas a recontar estas e outras histórias. Até que ponto um depoimento é considerado real quando se mescla tão profundamente com a encenação? Coutinho não quer saber de dizer a verdade, mas sim de captá-la. “Em todos os meus trabalhos, o que importa é o momento em que a história é contada. Não posso confirmar o relato de cada entrevistado, mas posso acreditar naquela memória”, diz, citando uma de suas personagens de Edifício Master (2002). “Uma das senhoras me contou que ficou dez anos casada com um estrangeiro. Se ele era argentino ou alemão ou se foram três ou vinte anos, não tenho como saber nem vou pesquisar. Cada pessoa cria sua própria memória.” Moscou, apesar de usar artifícios semelhantes aos de Jogo de Cena, consegue ir além. Mistura não só depoimentos e emoções, mas debate sobre a separação entre ator e personagem ou o que é cena e o que é real. Num período de três semanas, o diretor registrou os ensaios do grupo mineiro de teatro Galpão. A proposta era pouco convencional, mas foi aceita sem demora. Acostumado a fazer espetáculos de rua, o grupo se reuniria para ensaiar As Três Irmãs, do dramaturgo russo Anton Tchecov. A peça jamais chegará aos palcos. Suas três semanas de vida foram concebidas especialmente para as filmagens de Moscou. No enredo, as irmãs Olga, Masha e Irina têm de deixar a capital russa para acompanhar o pai, oficial do exército, a uma cidade do interior. Moram com o irmão Andrey, mas, após a morte do pai, não veem mais sentido no vilarejo. Sonham e vivem em razão de uma volta a Moscou. No começo do filme, atores ouvem atentos a proposta de Coutinho e as instruções do diretor Enrique Diaz. A partir daí, o espectador acompanha um misto de ensaio, preparação e resultados. É impossível montar Tchecov em apenas três semanas, mas não é disso que trata Moscou. O que está em foco ali é a criatividade de um processo de concepção. Como e quando surgem ideias e quais são seus efeitos. “A intenção não é contar a peça ao espectador, mas registrar essas três semanas de trabalho. O que tenho e entendo do processo é suficiente para mim”, diz. Nos primeiros minutos de filme, um homem segura uma foto. Diz que era uma lembrança de Moscou, cidade em que passou férias e onde viu, ainda criança, um cinema pegar fogo. “Chorei mais do que quando vi minha própria casa queimar”, diz a personagem. Ou diz o ator que a interpreta? A cada intérprete foi pedido para que trouxesse fotos de infância ou imagens que recordassem o passado. “Vemos claramente que aquela fotografia não é de Moscou. Deve ser uma cidadezinha do interior de Minas Gerais. Todas as pessoas têm uma Moscou na lembrança”, diz o diretor. Em meio aos ensaios, acompanhamos não só a leitura e encenação do texto, mas exercícios, improvisações e revelações pessoais dos atores, que acabam por intrigar o espectador. Aqui também lidamos com ficção? A cena preferida de Coutinho aconteceu durante a encenação do último ato da peça. As três irmãs conversam, quando uma delas começa a chorar. Não pelo texto, mas por motivos pessoais, garante o diretor. O trio, então, continua a encenar, misturando memórias dos personagens de Tchecov às suas próprias. Detalhes que podem passar despercebidos aos espectadores menos atentos. Em outros momentos, o público acompanha a interação do grupo em meio aos ensaios para depois ver a cena repetida, desta vez pronta. Em uma sala de lanche, atores parecem fazer um intervalo. Enquanto comem, ensaiam uma cena em que um oficial do exército se declara a uma das irmãs. A cena é perceptivelmente crua, os textos não estão decorados, pouco se ouve a voz da atriz. O diretor do grupo, Enrique Diaz, ou Kike, como o chama Coutinho, dá algumas instruções, mas não o enxergamos em cena. Ao espectador resta não entender muito bem o que se passa naquela sala. Alguns minutos depois, porém, estão de volta. Em novo cenário, falas devidamente decoradas apresentam uma nova experiência. Brincam com as possibilidades de atuação. Acostumado a aparecer diante das câmeras, desta vez, o diretor opta pela discrição. “O diretor ali é o Kike. Meu trabalho foi posicionar a câmera e observar o processo.” É interessante ver como Diaz dirige o grupo, mesmo que poucas dessas cenas sejam mostradas. “Tinha muito material desta direção, mas quando se tem tantas opções é sempre difícil decidir o que cortar.” Coutinho tem uma maneira particular de fazer documentário. Moscou trata, sobretudo, de memórias. Elas vêm de personagens que almejam a esperança, e de atores que mesclam sentimentos e lembranças uns dos outros. Em uma das cenas de preparação do elenco, Diaz sugere a cada um que exponha uma lembrança. A seguir, num exercício de conhecimento, cada ator repete a lembrança de um colega ou a mescla com a sua própria. O espectador não consegue, então, distinguir sua origem e fica a dúvida a quem pertence a história verdadeira. “O documentário pode não lidar com a ficção, mas provoca. São pessoas reais, criando situações”, diz Coutinho. Aos 76 anos e onze longas-metragens, o diretor aprendeu a conhecer seu público, quase sabe o que esperar de sua reação. “Não é todo mundo que assiste a documentário. Quem faz esse estilo, no mundo inteiro, já faz sabendo que se trata de um produto marginal.” O diretor, modestamente, resume Moscou como uma viagem para o espectador. “Uns vão embarcar, outros não.”

Para refletir:

Para viver, sinta, sonhe e ame.
Não deseje apenas coisas materiais.
Deseje o bem e multiplique as boas ações.
Sorria, sim. Mas ame mais.

Ame a si, aos outros, a quem está próximo e distante.
Ame quem errou e quem acertou.
Não diferencie.

O amor não julga. O amor não pune. O amor aceita.
Pense nisso e aceite a vida.

Vamos brincar com as palavras?



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