São compreensíveis as manifestações de patriotismo dos estadunidenses depois que dois patifes explodiram bombas de fabricação caseira na maratona de Boston. Ao fim e ao cabo destes dias trágicos, os irmãos deixaram um rastro de dor e destruição: 4 mortos e quase 200 feridos.
A capa da revista direitista Época, das Organizações Globo, demonstra que o lobby para que o Brasil compre serviços de segurança dos Estados Unidos para “proteger” a Copa será intenso — e, provavelmente, bem sucedido.
Teremos todos aqueles escudos, armas que dão choques elétricos e lançadores de gases que couberem em nosso complexo de inferioridade.
Na Segunda Guerra Mundial, quando os soldados brasileiros chegaram à Itália no inverno, os pracinhas vestiam roupas de verão, me contou em uma entrevista em Bonn, então capital da Alemanha, o embaixador dos Estados Unidos Vernon Walters.
Walters, um homem de inteligência, durante a guerra fez a ponte entre militares brasileiros e estadunidenses estacionados na Itália. Mais tarde, nos anos 60, como adido militar no Brasil, ajudou a planejar o golpe de 1964. Entre outros que Walters conheceu na Itália estava Castelo Branco, que viria a ser mais tarde o primeiro ditador do ciclo militar.
A maior dificuldade dele com os pracinhas, segundo Walters, foi encontrar botas de inverno quer servissem no pé dos mirrados mas valorosos combatentes brasileiros.
Espera-se que, em 2014, ao menos nos sejam vendidos trajes que sirvam nos policiais brasileiros.
Os fatos, no entanto, indicam que o Brasil pode comprar gato por lebre.
Os atentados do 11 de setembro de 2001 deixaram evidente, entre outras coisas, um tremendo fracasso da inteligência dos Estados Unidos, nas quais o país sempre investiu uma fortuna, quantia mais que triplicada depois da tragédia.
De Kurt Einchenweald, no New York Times: “Em 6 de agosto de 2001, o presidente George W. Bush recebeu um relatório secreto das ameaças representadas por Osama bin Laden e sua rede terrorista, a Al Qaeda. O ‘relatório diário presidencial’ daquela manhã — o documento altamente secreto preparado pelas agências de inteligência dos Estados Unidos — tinha o agora infame título: Bin Laden determinado a atacar nos Estados Unidos. Algumas semanas depois, em 11 de setembro, a Al Qaeda atingiu aquele objetivo”.
Várias pistas sobre a presença dos terroristas sauditas em solo estadunidense foram simplesmente desprezadas ou pelo menos não levadas suficientemente a sério.
Nos dias seguintes aos atentados, o governo Bush permitiu que parentes de bin Laden e outros sauditas deixassem os Estados Unidos às pressas e, meses depois, começou a planejar a invasão do Iraque.
Entenderam os grifos? Os terroristas de 11 de setembro eram sauditas e, provavelmente, ligados a uma das vertentes mais fundamentalistas do islã, o wahabismo da Arábia Saudita, cujo dinheiro financia madrassas e universidades islâmicas em todo o mundo, inclusive a universidade de Darul Uloom, em Deoband, na Índia, que tive o prazer de visitar com o cinegrafista Sherman Costa nos anos 2000, para uma reportagem.
O movimento deobandi formou muitos dos professores/religiosos/militantes que deram cimento ideológico ao talibã no Afeganistão. Hoje, os deobandi têm grande influência na população pashtun que vive na região fronteiriça entre o Paquistão e o Afeganistão.
Meu ponto é que terroristas sauditas foram os responsáveis pelo 11 de setembro mas os Estados Unidos invadiram… o Iraque (no caso, com inteligência forjada, como em “armas de destruição em massa”).
Em Boston, desde já é óbvio que houve novo fracasso de inteligência.
Em janeiro de 2011, agentes do FBI entrevistaram Tamerlan, o irmão mais velho dos dois acusados de plantar as bombas de fabricação caseira na maratona de Boston.
A checagem foi feita a pedido do governo russo.
Numa entrevista na Rússia, a mãe de Tamerlan, Zubeidat, afirmou que os agentes disseram a ela que o filho era “um menino excelente”, mas que ao mesmo tempo ele estava se informando “através de sites realmente extremistas e que tinham medo dele”, de acordo com o New York Times, que reproduziu informações da agência estatal russa RIA Novosti.
Ao Russia Today, ela disse: “Eles [agentes do FBI] vinham até minha casa, conversavam comigo… eles me diziam que ele [Tamerlan] era um líder extremista e que tinham medo dele. Eles me diziam que toda informação que Tamerlan recebia era através de sites extremistas… eles o controlavam, controlavam cada passo dele… e agora dizem que isso é um ato terrorista! De jeito nenhum isso é verdade, meus filhos são inocentes!”
Reproduzindo entrevista do Wall Street Journal com o pai dos dois acusados, o diário britânico Independent publicou:
“O pai disse que estava presente [durante visita do FBI], mas não se preocupou: “Eles diziam ‘sabemos os sites que você frequenta, sabemos para quem você liga, sabemos tudo sobre você. Tudo’. Eles disseram ‘estamos checando e de olho’– foi isso o que disseram”.
Ou seja, pela descrição dos pais a vigilância sobre a família foi mais extensa e profunda do que revelou o próprio FBI, que em nota oficial disse nada ter encontrado contra Tamerlan.
Depois do interrogatório, o irmão mais velho viajou para a Rússia, onde passou seis meses no Daguestão. Ao voltar, aparentemente criou uma página no You Tube e incorporou vários vídeos jihadistas, conforme descrição do New York Times.
A essa altura, onde andava o FBI, que abertamente acompanhava a navegação de Tamerlan na internet?
Isso me parece mais surreal que o irmão mais novo, Dzhokhar, escapar a pé de um cerco policial, com ferimentos no pescoço e na perna.
Mais surreal que o dono da casa, desarmado, ter encontrado Dzhokhar escondido no barco que ficava no quintal, sem que houvesse reação; chamou a polícia, que chegou… atirando.
Mais surreal que o New York Times ter escondido o pedido da Rússia para que Tamerlan fosse investigado pelo FBI… no meio do texto.
Mais surreal que os Estados Unidos venderem “inteligência” ao Brasil na Copa de 2014.