'O Filho do Outro', da diretora francesa Lorraine Levy, conta a história da troca de bebês na maternidade entre uma família palestina e outra judia. O problema só é descoberto anos depois, quando todos os personagens se vêem em permanente conflito sobre suas próprias identidades.
Luciana Garcia de Oliveira
Foi um exame de sangue, exigido para o ingresso no Exército de Israel, o mote do filme 'O Filho do Outro'. Nesse instante, a médica Orith verifica que o tipo sanguíneo de seu filho Joseph não condiz com seu histórico familiar.
Tudo isso propulsiona uma investigação no hospital Rothschild (em Haifa), até o momento em que é constatado uma troca de bebês na mesma data do nascimento de Joseph, ocasião em que o hospital encontrava-se sob bombardeio. Pior, a troca envolvia uma família palestina, o que enseja um conflito de identidades entre as famílias envolvidas.
Diante das angústias decorrentes de um engano envolvendo duas famílias, cujas identidades envolvem um conflito, um toque feminino é delicadamente ressaltado em meio à confusão: as mães são as primeiras a se entender e amenizar os dilemas dos seus filhos e maridos.
O maior prejuízo, no entanto, foi de Joseph, criado há 18 anos em Tel Aviv sob as tradições judaicas que, muito devidamente à angústia sofrida ao descobrir sobre a sua verdadeira origem palestina, foi imediatamente ao encontro de sua Sinagoga em busca de alento. Momento em que muito friamente o rabino titubeia acerca de sua origem judaica, mesmo diante de uma vida dedicada aos preceitos, tradições e costumes de sua religião. “Ele é mais judeu do que eu?”, indagou, desesperadamente.
Situação muito semelhante ao tema adotado na obra "A Invenção do Povo Judeu", de Shlomo Sand, sobretudo em seu prefácio intitulado 'Um aglomerado de Memórias'. Em um trecho sobre “duas estudantes (não) judias”, uma dessas jovens, Giselè, educada sob as leis e os ensinamentos judaicos herdados do pai, mesmo sabendo que a regra básica sobre o pertencimento à religião e ao povo judeu deveria ser estabelecida pela identidade da mãe, acreditou que esse detalhe não lhe faria diferença na viabilização de sua imigração à Israel.
Ao ser negada a sua entrada ao país, perguntou instintivamente ao funcionário da Agência Judaica se ele era crente. O homem respondeu que não. Muito revoltada, questionou: “Como um homem não religioso que se afirma judeu pode exigir do outro, igualmente não religioso, que ele se converta para ser reconhecido como parte do povo judeu em seu país?” (SAND, p. 29).
O drama vivido por Joseph fez com que ele recuse adentrar em uma cerimônia religiosa sobre os olhares desconfiados do mesmo rabino. O que em certa medida facilitou a sua aproximação com a sua família biológica da Cisjordânia e na amizade com o seu irmão Bilal, o qual, no início da trama, adotava um discurso de repúdio à ocupação israelense nas terras palestinas, à construção do Muro e às “barreiras de segurança”.
Tamanha dificuldade foi suavizada do lado do personagem Yacine. O jovem, nascido em meio à uma família da Cisjordânia (território ocupado), logo no início da história acabara de voltar de Paris, onde iniciaria um curso de medicina. Ele já estava bastante habituado a viver em um ambiente de cidade grande sem a escassez gerada por uma ocupação e uma guerra permanente.
Para Yacine, não houve dificuldade de adaptação à cidade de Tel Aviv e o seu discurso era muito diferente dos protestos acalorados de Bilal. Embora detivesse planos para a construção de um hospital na Cisjordânia, não demostrava rancor em suas palavras, mas uma resignação, sobretudo comparando-se aos sentimento de Bilal.
A maior dificuldade de aproximação e entendimento foi destinado às figuras masculinas, entre os pais, situação reproduzida em um encontro entre as famílias, no momento em que foi gerada uma discussão sobre o conflito, prontamente rebatido pelo pai palestino: “Não é uma guerra. É a destruição de um povo”.
Tensão com vias de poucas possibilidades para um real entendimento, também expressado na cena em que os dois sentam em um café no centro de Tel Aviv. O que seria aparentemente um convite para uma conversa, foi estabelecido como um cena de silêncio e apatia entre os dois personagens.
Embora problemas complexos sejam transformados em dramas domésticos relativamente pequenos diante de uma guerra, Lorraine Levy humaniza o conflito. Será esse o caminho para uma verdadeira paz?