Enquanto os problemas militares e políticos recebem grande parte da atenção na construção da paz na Líbia, a economia pós-conflito permanece como um assunto secundário pouco abordado nas análises e informações presentes na mídia. No entanto, são justamente as dimensões econômicas que se mostram cruciais durante o período de transição em que se espera o desarmamento e desmobilização dos beligerantes em troca da promessa de um futuro melhor em conseqüência da paz. Como o Ministro de Relações Exteriores francês, Alain Juppe, afirmou: “A operação na Líbia teve custos elevados; mas é também um investimento no futuro, pois uma Líbia democrática é um país que se desenvolverá e oferecerá estabilidade, segurança e desenvolvimento na região”.
Na perspicaz observação de Rachel Shabi (Al Jazeera 25/08/2011) à medida que a ditadura do coronel Kadafi chega ao seu final, as notícias sobre a Líbia vão progressivamente aparecendo nas páginas de Negócios e Empresas dos jornais ocidentais. Líderes empresariais europeus, com experiência em negócios na Líbia, já manifestam explicitamente sua cobiça. A Líbia é um dos países mais ricos da região: seu PIB per capta é de 14 mil dólares por pessoa, ultrapassando o de seus vizinhos Egito e Tunísia. A riqueza do país é conseqüência de suas reservas de petróleo que, apesar de representarem apenas 2% da reserva mundial, é de grande importância para potências européias, como Itália e França, e afeta diretamente os preços do petróleo.
Os investimentos diretos estrangeiros no país apresentaram um crescimento relevante na última década: em 2000, foram investidos US$451 milhões; em 2008, US$ 12 bilhões; em 2009, US$ 15,5 bilhões e em 2010, US$19,36 bilhões. Dias antes dos protestos atingirem as ruas da Líbia, o FMI publicou um informe parabenizando “o forte empenho da Líbia na economia e os avanços em reforçar o papel do setor privado e em apoiar o crescimento da economia não petrolífera”. Um dos líderes do Conselho Nacional de Transição (CNT), Mahmoud Jibril, foi um dos formuladores da política de liberalização da economia na Líbia que teve início em 2007. Apesar dessas mudanças, a economia da Líbia esteve sempre concentrada em Kadafi e seu círculo de poder, incluindo aí as empresas italianas, inglesas e francesas. No encontro em Paris, nesta última semana, que reuniu 42 países para discutir a reconstrução da Líbia, o Conselho afirmou, diversas vezes, a seus parceiros da OTAN e outros países presentes que a Líbia se tornará um país democrático, transparente e de mercado competitivo.
Mesmo antes do termino do conflito, a corrida por negócios na “nova” Líbia já havia se iniciado. Desde junho, indústrias petroleiras francesas, italianas e alemãs – todas apoiadas por membros de seus governos - visitaram a Líbia com objetivo de futuros negócios e acordos com o novo governo. Os investidores franceses, assim como os alemães, agendaram reuniões de negócios com os rebeldes em suas capitais, durante o mês de setembro e outubro, para estabelecer negócios e doações para a reconstrução da Líbia. Durante esta semana, o Ministro de Desenvolvimento Internacional inglês, Alan Duncan, sofreu acusações de ter estabelecido secretamente um contrato de 1 bilhão de dólares entre os rebeldes líbios e a multinacional suíça Vitol para exploração de petróleo na região.
Os interesses econômicos envolvidos na intervenção da Líbia não dizem respeito apenas aos contratos para extração de petróleo, mas também para a reconstrução do país após o conflito, sob o argumento da necessidade de modernizar sua infra-estrutura e regularizar seu comércio.
Em Paris, no encontro dos amigos do novo governo da Líbia, promovido pela França, o CNT pediu para a ONU liberar os fundos de Kadafi (US$ 150 bilhões), congelados por sanções ao seu regime. “Nós nos comprometemos a desbloquear fundos da Líbia do passado para financiar o desenvolvimento da Líbia do futuro”, afirmou Sarkozy. De acordo com um oficial norte-americano, os 61 bilhões de dólares contidos nos fundos poderão financiar toda a reconstrução do país. Mais do que uma conferência de doadores, o encontro tornou-se um momento de estabelecimento de contratos.
No mesmo dia do encontro, os EUA transferiram 300 milhões de dólares, dos fundos retidos em bancos norte-americanos, para a companhia multinacional Vitol pelo apoio prestado aos rebeldes. Uma semana antes, a França fechou um acordo com os rebeldes para que alimentos e gêneros de primeira necessidade fossem comprados apenas de empresas francesas com o dinheiro dos fundos bloqueados nos bancos franceses (US$ 7,5 bilhões), que acabará voltando para a economia francesa. Na semana passada, por exemplo, o CNT comprou 44 milhões de dólares em trigo francês.
Já em 1998, Larry Summers, então secretário das Finanças do governo norte-americano, sinalizava a importância econômica que o processo de reconstrução dos países adquiria dentro das chamadas intervenções humanitárias. Segundo seus cálculos, a cada dólar investido na reconstrução em um país, as corporações norte-americanas ganhavam, aproximadamente, 4 dólares. Assim aquilo que aparecia, inicialmente, como um grande fracasso da Otan agora passa a ser saudado como uma “boa guerra”. Segundo o influente analista internacional da CNN Zakariaa, trata-se de uma ação militar que não seguiu o padrão tradicional de intervenções lideradas pelos EUA e pode inaugurar “uma nova era na política externa dos EUA”.
A Otan entrou na guerra apenas no momento em que pode constatar a existência de um grupo local que estava disposto a lutar e morrer; a ação foi legitimada pela Liga Árabe e pela ONU, e o mais importante, conclui Zakaria, é uma grande melhoria em relação ao antigo modelo que acarretava custos humanos e financeiros muito grandes.
A partir de agora é que realmente tem inicio a verdadeira e mais difícil batalha que os revolucionários líbios deverão travar.