Najar Tubino
Ocidentalização do mundo
Traçar um modelo de consumidor mundial é um dos objetivos deste texto, embasado em informações dos jornais de economia dos últimos dois anos. A versão é global porque as marcas são globais. Toda segunda-feira, Bob Macdonald, executivo-chefe da Procter & Gamble, formado na Academia Militar de West Point, se reúne com membros da sua equipe, na frente de um mapa mundi digital. Capaz de identificar a situação dos 250 principais produtos da corporação nos 50 maiores mercados disputados por eles.
Marcas que estão no avião do Faustão, na promoção da Rede Globo: fraldas Pampers, Gillet, Ariel, Pantene. São marcas bilionárias, puxadas pelas fraldas que vende US$8,8 bilhões no Planeta. O xampu divulgado por Gisele Bunchen (Pantene), rende US$3,1 bilhões. A P&G como é reconhecida fatura US$79 bilhões e tem 4,2 bilhões de clientes. Aumentou de tamanho em 2007 com a compra da Gillete por US$56 bilhões, representa 10% do seu faturamento
Até 2015 espera atingir 5 bilhões de clientes. Aposta nos emergentes. Quer os indianos consumindo Mach 3 (lâmina de barbear), ao invés de fazer a barba na rua, um costume tradicional na Índia. Os africanos devem usar produtos de higiene ocidentais. Os brasileiros mais pasta de dente, e os americanos mais branqueadores para os dentes. Em termos de faturamento, a rede de supermercados Walmart é a maior com 4,6 mil lojas espalhadas por vários continentes e US$420 bilhões em vendas. O último lance foi a compra de uma rede de supermercados na África do Sul.
As lanchonetes Mcdonald’s são 32 mil no mundo, sendo 1.300 na China e mais de 200 na Índia, que inclui cidades pequenas no interior, onde o aluguel é mais barato, e eles vendem o Mc Aloo Tikki, com ervilhas e purê de batata. Tudo pela ocidentalização global, como destaca o economista francês Daniel Cohen no livro, “A Prosperidade do Vício”.
- A elite mundial busca apenas um objetivo: tornar o modelo único, incluir costumes culturais, comida e bens duráveis.
É claro que o momento é de balanço no capitalismo desregulado, compensado pelo crescimento nos países que também procuram um lugar ao sol. Serão responsáveis pelo crescimento nos próximos anos. Um outro economista, também já foi chefe do FMI, Joseph Stiglitz, em seu livro, “O Mundo em Queda Livre”, onde aborda a crise de 2008, quando a banca internacional quase despencou precipício abaixo, traz uma informação importante. A renda dos americanos médios tem caído desde o ano 2000, em torno de 4% (está em torno de 38 mil dólares). O modelo implantado nos “30 gloriosos” de compras ilimitadas, baseada no crédito imobiliário, ou seja, minha casa vale tanto, posso pegar outro tanto emprestado. Furou, naufragou.
- Os americanos, diz ele, não podem mais viver neste modelo no século XXI. O consumo terá que ser reduzido em 10%, pelo menos.
Ou seja, a economia dos Estados Unidos vai continuar patinando por muito tempo, e nunca mais será a mesma. O problema como acentua o cronista do jornal The New York Times, Thomas Friedman, no livro “Quente, Plano e Lotado...” "é que surgiram muitos outros americanos e o Planeta não tem recursos suficientes para sustentar o modelo".
Vinho francês com gelo
Friedman na verdade não está somente preocupado com o mundo, mas com a perda da liderança dos Estados Unidos que deveriam “liderar a revolução verde”. Mas esse ainda é um detalhe. Afinal, todos têm direito ao crescimento e, por conseqüência, ao resto do pacote, que inclui modelos de todos os tipos: roupas, sapatos, malas, perfumes, carros, relógios, iates, vinhos, uísque, apartamentos (que agora estão com os preços reduzidos na Europa e nos EUA). As empresas globais mudam de foco. Os lucros não crescem no território de origem, então vamos onde ele está. As griffes famosas, Louis Vuitton, do conglomerado LVMH, do bilionário francês Bernard Arnaut (4 na lista da Forbes com 40 bilhões de dólares de patrimônio líquido, também é acionista do Carrefour), Gucci, do outro conglomerado francês PPR, e montadoras como a Mercedez Bens, a maior em vendas de carros de luxo, já se instalaram na China. A Mercedez transferiu o centro de criação do Japão para Pequim. O luxo é um mercado de US$238 bilhões, em termos globais.
Os chineses gastaram US$114 milhões em vinhos da região de Bordeaux, em 2010. Um banqueiro brasileiro jura que já viu chineses em Xangai tomando vinho francês caríssimo com gelo e emborcando uma taça, como se fosse “baijuu”, a cachaça nativa feita de arroz ou sorgo. Simples questão de adaptação. Afinal de contas, quem pagou US$232 mil em Hong Kong num leilão da Sotheby’s em 2010, por uma garrafa do Chateau Lafite, safra 1869, não está nem aí para parâmetros de preços ou convenções ocidentais Por sinal, os chineses milionários, onde já foi criada a categoria dos “princelings” (princepezinhos nascidos na era atual), acostumados a gastar US$1 mil numa garrafa de uísque escocês, também são apaixonados por relógios. Mantém a média de 4 Cartier por proprietário.
Um joalheiro privado de São Paulo, da Griftin, não atende ao público, tem uma definição psicológica para o caso:
- O desejo das pessoas é algo muito interessante. O desejo de comprar era irresistível para o dono desse relógio, que custa duas centenas de milhar de dólares, explica ele ao repórter do jornal Valor (ainda estava com a proteção na pulseira). Depois de satisfeito esse desejo, o objeto quase que perdeu totalmente o valor para ele”.
Pré-histórico do turboconsumidor
As compras podem ser impulsivas, principalmente depois que o império da publicidade se instalou no Planeta. Assim como o luxo se tornou um mercado bilionário, a publicidade abocanhou US$447 bilhões em 2010, 39,2% para a televisão, segundo os dados do Grupo Publicis, o terceiro maior do mundo que acabou de comprar a agência de publicidade DPZ, de São Paulo. O filósofo, Gilles Lipovetsky, diz que a publicidade nasceu em 1880, nos Estados Unidos – em 1882 a Coca-cola gastou 11 mil dólares para divulgar seu produto. Em 1929 foram quase US$4 milhões. As mercadorias, até então, eram vendidas anonimamente e a granel, na maioria dos casos. Sem embalagem, sem marca, em mercados localizados. Somente a partir de 1930 surgiram os supermercados. Embora ainda no final do século XIX, na França, surgissem os grandes magazines, como Le Bon Marché (1865).
Eram templos deslumbrantes, de luzes e cores, onde a mercadoria estava disponível diretamente aos consumidores, sem intermediários. A sensação de comprar e gastar já se tornava estimulante, sensual e gratificante. Segundo Gilles, o consumidor moderno começou o “shopping”, a olhar vitrines, nesta época. Nasceu o pré-histórico do turboconsumidor dos tempos atuais. Marca, embalagem, distribuição, mais a publicidade instauraram o que desde 1920 se decidiu chamar de “sociedade do consumo”, hoje, extrapolada ao máximo. A publicidade não vende mais uma mercadoria, vende uma visão do mundo, uma necessidade psicológica, uma vontade de viver ou de quase sucumbir, no caso daqueles que não tem a disponibilidade financeira para comprar, de fato, grande parte da população do mundo. Onde 1 bilhão moram em favelas, segundo a ONU, e 2 bilhões não tem acesso a água.
No caso do Brasil temos mais 35 milhões na classe média, mas 8 milhões não tem banheiro, e 40 milhões não tem água tratada em casa, conforme o IBGE. Sem contar os 14 milhões de analfabetos.
600 fábricas terceirizadasEntretanto, o modelo de consumismo está implantado e só cresce. A Coca-cola tem como objetivo em 2020 vender 30 bilhões de litros na China, onde detém 15% do mercado, é a líder no segmento dos refrigerantes. Os chineses tomam apenas 34 garrafas pequenas por ano, muito longe do líder, os mexicanos, que consomem 674. O Brasil é o quarto com 229 garrafas. A Nike, por exemplo, com suas 600 fábricas terceirizadas, em 48 países, montou seus centros de treinamento no Vietnã e Sry Lanka, depois de sucessivas denúncias de exploração de mão de obra infantil. Continuará sua expansão no modelo aprimorado de marca globalizada sem dispor de uma única fábrica própria, mas tendo 800 mil trabalhadores na confecção dos seus cobiçados tênis. Foram alvo das revoltas na Grã-Bretanha, recentemente.
Também pode ser o mercado de diamantes, que já movimentou US$65 bilhões, mas registrou queda depois da crise financeira, quando mais de mil joalherias fecharam as portas nos Estados Unidos – 40% do mercado, onde os noivos obrigatoriamente compram anéis de diamantes na consumação do compromisso. Voltou a crescer em 2010, porém as marcas globais que dominam o mercado, como a Tiffanys tiveram que entrar no negócio da mineração. A empresa abriu uma lapidadora de diamantes em Botsuana para diminuir os custos.
Quem está preocupado com a redução do faturamento (US$720 bilhões no mundo) são os executivos da indústria farmacêutica, não pela redução no número de doenças, pela quebra de patentes e venda de genéricos. Um Planeta degradado enfrenta cada vez mais o aumento de doenças, seja pelo crescimento da obesidade, já atinge 1,6 bilhão de pessoas no mundo, conforme dados da Organização Mundial de Saúde, sendo 400milhões de obesos, seja pelos efeitos da mudança climática, secas e inundações, que desorganizam os sistemas vivo.
PIB mundial vezes 6
Daniel Cohen fez uma conta futura sobre o crescimento do Planeta em 2050. Se a expansão dos emergentes continuar, e a renda per capita atingir os quase 38 mil dólares dos norteamericanos (dados de 2005), o PIB global teria que sair dos US$70 trilhões para o patamar de US$420 trilhões. O custo para o mundo seria multiplicado por seis, com todas as conseqüências imagináveis. Por exemplo, a Siemens, multinacional alemã, especializada em energia e saúde, faturamento de US$70 bilhões prevê para 2025 cerca de 29 megacidades com mais de 10 milhões de habitantes – atualmente são 21. Como definiu o presidente da empresa, Peter Loscher “serão imensas manchas humanas, com muitos problemas para resolver. As cidades no Planeta ocupam apenas l% da área e consomem 80% da energia.
Na contramão, o Relatório Repensando a Pobreza, divulgado pela ONU, no ano passado, apontava:
- Mais de 80% da população mundial vive em países onde os diferenciais de renda estão se ampliando. Os 40% mais pobres na população mundial reponde por apenas 5% da renda mundial, enquanto os 20% mais ricos representam 75%. Para os pobres do mundo, o lema negócios como sempre jamais foi uma opção aceitável”.
Ao mesmo tempo, em Dubai, o xeque Al Maktoum pretendia criar uma opção de investimento para ricos globais, lançou centenas de projetos imobiliários (mais de 400 cancelados no pós crise), mas um, mundialmente conhecido: o Burj Khalifa, o edifício mais alto com 834 metros. É preciso esclarecer que o nome oficial do prédio era Burj Dubai. Mas surgiu uma conta urgente do emirado para pagar no valor de US$10 bilhões, e o Khalifa de Abhu Dabi pagou e trocaram o nome do prédio, afinal o patrocinador pagou a conta. Símbolo do poder global envolve 1.044 apartamentos, 160 para um hotel com quartos projetados por Georgio Armani, piscinas, uma mesquita, a mais alta do mundo, em seus 200 andares de opulência.
Não por muito tempo. Na Arábia Saudita, a construtora da família Bin Laden e o príncipe Al Waleed, considerado o árabe mais rico (US$20 bilhões de patrimônio líquido), tem 7% da News Corp., de Rupert Murdoch é um grande acionista do Citigroup, quer construir um novo edifício, que será o maior do maior do mundo, com um quilômetro de altura. O recorde anterior estava em Taipei, na Ásia, um predinho de menos de 500 metros.
(*) Najar Tubino é jornalista com mais de 30 anos de carreira. Nos últimos anos tem se dedicado à temática ambiental. É autor do livro O Equilíbrio, publicado em 2005. E-mail: najartubino@yahoo.com.br