Texto e fotos: Chico Sant'Anna
Visto de perto, sem as mediações da grande mídia internacional, o Irã não parece nem de perto com o que vemos rotineiramente na televisão. O texto que segue é fruto de uma viagem de dez dias, a convite do Ministério do Turismo do Irã, ao país considerado o centro do “Eixo do Mal” pelos Estados Unidos. A leitura do texto que segue desmonta esta versão.
2h30 da manhã, 30 de favardin de 1390. Estamos no Irã. Aqui prevalece o calendário solar, também denominado Persa. Os meses são definidos pelos movimentos solares através do zodíaco. O primeiro dia do ano, 1º de favardin, equivale ao nosso dia 20 ou 21 de março, dependendo da ocorrência do equinócio. Depois de mais de um dia de viagem, saindo de Brasília, chegamos à “última parada” ou ao “fim da linha”. Não se trata de juízo de valor, mas sim o significado em farsi da palavra Teerã, quando era uma pequena aldeia no fim de uma rota de caravanas.
Sob o olhar severo de um grande pôster do Aiatolá Khomeini, encontro-me na fila da migração para estrangeiros. Confesso que, diante do oficial de polícia que fitava minha face, cutucava o computador e xeretava meu passaporte cheio de carimbos, inclusive de entrada nos EUA, não estava tranqüilo.
50 Km separam o aeroporto Aiatolá Khomeini do centro da cidade. Começam as surpresas: uma autopista bem cuidada faz a conexão. As ruas são limpíssimas, não se vê favelas, nem barracos ao longo da rodovia. Enfim, chegamos ao Laleh International Hotel, um cinco estrelas que em 1979, com a revolução islâmica, deixou de ser Intercontinental.
Teerã é uma metrópole de 9 milhões de habitantes aos pés das montanhas Alborz. Coberta de neve ela dá um toque úmido ao clima. Com a região metropolitana, a população sobe a 14 milhões, dos 60 milhões de iranianos. Ela concentra mais da metade da indústria nacional. Fábricas de eletro-eletrônicos, armamentos, têxteis, açúcar, cimento, químicos, refinaria de petróleo e automóveis. São produzidos mais de um milhão de veículos por ano. Destaque para o carro de tecnologia nacional: Samana (cavalo, em Farsi) .
Aos poucos, percebe-se que várias imagens transmitidas pela mídia internacional são inverídicas. O Estado se faz presente, mas o Irã está longe de ser um país socialista. O capital privado é visível e o que não falta são bancos. O comércio e a construção civil são intensos a olho nu. Estamos longe de vivenciarmos um país destruído pela guerra e pelas sanções econômicas imposta pela ONU a pedido das grandes potências. O Irã contorna as dificuldades infligidas pelo bloqueio. Desde 2002, cresce a uma média de 6% ao ano, possuiu uma indústria de defesa avançada, produz seus próprios submarinos e se prepara para enviar o primeiro iraniano ao espaço.
Teerã conta com metrô e linhas expressas de ônibus articulados, mas nada alivia o trânsito, intenso e indisciplinado. Motoboys com suas motos encapotadas deixam a irreverência dos colegas brasileiros no chinelo. Faltou espaço nas avenidas, a calçada dos pedestres vira um bom atalho. Faixa contínua e “gelo baiano” não são impedimentos para cruzar-se, de um lado ao outro, as grandes avenidas (por sinal retorno e balões são mecanismos inexistentes em Teerã). O melhor é que ninguém buzina, nem mesmo xinga os barbeiros e não se vê acidentes.
6h30 da manhã. Um canto choroso corta os ruídos da metrópole. Um mulá, de seu minarete, convida os muçulmanos a rezar. Nos cada quartos dos hotéis há uma seta apontando a correta direção para Meca e nas gavetas da mesa de cabeceira, o Alcorão, em inglês e farsi e um pequeno tapete para que os fiéis orem.
O som dos minaretes também significa hora de acordar e de sair às ruas para conhecer o tão temido país do “eixo do mal”. Antes, o café da manhã. Uma espécie de coalhada síria que pode ser misturada com mel ou com compota de morangos nos espera. O taftun, pão persa, feito de farinha integral de trigo é imperdível. Fininho, ele acompanha todas as refeições. Pode ser apreciado quente com uma espécie de ricota sobre ele espalhada. Pepinos e tomates frescos também fazem parte da primeira refeição dos iranianos.
Texto legenda- A produção do taftun se dá em fornos de barro, do tipo de assar pizza, recheados de bolinhas de argila expandida. A massa é jogada sobre as bolinhas e lá fica até assar. Eles são pendurados e os consumidores – num estilo meio francês – os levam sem qualquer embalagem. Algumas bicicletas e motonetas possuem uma cestinha apropriada para a iguaria.
Falando em coalhada, o Irã é o maior mercado de iogurtes do mundo. Lá, é chamado de Cost e são vários os tipos de iogurtes. Podem ser consumidos acompanhando as refeições, como antepasto misturado a vegetais como pepino ou alho, como molho para saladas, como sobremesa e até como bebida. O Dough ou Dugh é mais ralo que o iogurte brasileiro, pode ser batido com hortelã ou espinafre e tem um gosto agre. Tem quem goste.
Nas manchetes do dia – em inglês, é claro - os avanços econômicos do país. O Tehran Times, que circula em inglês há 33 anos, registra o volume recorde de negociações da Bolsa de Valores: 12,5 bilhões de dólares, o maior em 44 anos. Ainda em destaque, as negociações para a criação do bloco de integração regional reunindo Irã, Turquia e Azerbaijão e a intenção do Irã celebrar acordos com os BRICs. A questão nuclear não fica de fora. O domínio da tecnologia das centrifugas de 3ª geração é a manchete principal. Por sua vez, o Irã News proclama que as reservas de ouro da mina de Tabak estão em quatro milhões de tonelada e poderão proporcionar 10 anos de segurança econômica.
Finalmente saio às ruas. O povo iraniano é parecido com o brasileiro. Não apenas em termos físicos. É alegre, acolhedor, bastante comunicativo e solidário. Passeiam até altas horas pelas alamedas floridas, hidratadas por fontes de água. As principais cidades iranianas possuem um tipo de rede de umidificadores. Canaletas ao lado das vias são freqüentemente inundadas para atenuar o calor e a secura. A técnica data do Império Persa e seria uma boa dica para a seca de Brasília.
Com minha máquina fotográfica, sinto-me, nas avenidas de Teerã, como se fora um caçador de aves no meio do Pantanal: a cada mulher de hijab, véu, que passa na rua miro a objetiva para tentar capturar a imagem. São tantas, que fico assim meio perdido, virando de um lado ao outro. Logo se percebe outra imagem caricata que poderia ser incluída no rol das lendas internacionais. É certo que todas as mulheres usam o véu, mas portá-lo está longe de representar subjulgação feminina.
Elas estão por todas as partes e possuem uma atuação forte na vida política e econômica nacional. Representam 17% da mão-de-obra contratada, com maior concentração nos setores industrial e agrícola, 26%. Nas altas funções parlamentares e de governo, ocupam 16% das vagas, segundo o Centro de Defesa da Mulher e da Família – CDMF, órgão vinculado à presidência do Irã. Para facilitar a entrada no mercado de trabalho, programas de capacitação profissional de mulheres estão sendo realizados.
“Até na guerra contra o Iraque as mulheres lutaram com hijab. Após a revolução, as mulheres passaram a ter um papel mais importante focado na produção do pensamento. Isto permitiu que entrassem em áreas importantes. Hoje as mulheres estão informadas de tudo que acontece no país. Temos mulheres no Parlamento, nas ciências, medicina, empresárias e até no esporte. Mesmo com a roupa islâmica, temos ganhado várias medalhas.” – salienta Maryam Mojatahedzadeh, presidente do CDMF.
A assalariada tem direito a salário igual aos homens, contam com estabilidade no emprego para a gestante, licença gravidez de seis meses e de aleitamento por dois anos. Nas universidades, desde 1979, houve um crescimento de 70% e hoje representam 65% dos 3,5 milhões de universitários iranianos. São inverídicas as versões de que só podem sair acompanhadas pelos homens. Ao celular, ao volante, nas escolas, estão em todas as partes e primam pela elegância. Embora a cor preta seja uma distinção religiosa, nos mercados e bazares é possível notar que os coloridos das brilhantes sedas atraem o desejo feminino.
Não há burcas no Irã, elas são típicas do Afeganistão, e são vários os tipos de véus e várias as cores e que elas possuem uma simbologia (leia quadro nesta reportagem). Tive a oportunidade de conversar jornalisticamente com algumas mulheres de idades e percepções diferentes quanto ao véu.
Neguin – que em farsi significa brilhante – é tecnóloga em indústrias gráficas. Encontrei-a com outras amigas, lanchando num parque, outrora residência de verão do Xá Reza Pahlavi. As residências do ex-monarca do Irã se transformaram em museus e parques. A entrada custa entre US$ 1,50 e US$ 3,00 e maiores de 60 anos não pagam. Vaidosa, unhas pintadas com adereços em alto relevo, bastante maquiada, conversa fluentemente em inglês. Não reclama do uso do véu – que por sinal lhe cai muito bem -, mas ressalta que aos 22 anos gostaria de ter mais opções de lazer. Acha a vida em Teerã “chata”. “Não há vida noturna, nem boates.” Para se divertir, restaurantes, cinema e cafés, onde também é possível fumar o narguilé - um tipo de cachimbo em louça ou vidro utilizado para fumar. Os jovens costumam fumar o narguilé em praças e parques públicos. Como o chimarão, é uma forma de socialização de grupos de amigos.
Neguin reclama ter de trabalhar muito com direito a poucas férias (no Irã a cada 4 meses, o empregado tem direito a uma semana de folga). Diz que não pode namorar livremente, pois seu pai a vigia. Indagada se pensa em se casar, acena negativamente com a cabeça e ressalta que por enquanto não pensa nisso. Antes gostaria de viajar e conhecer a Espanha, Austrália, Estados Unidos e, risonha, o Brasil
No sítio arqueológico de Persepolis, antiga capital do Império Persa, situada a 70 km de Shiraz, encontrei duas amigas: Massi e Bahar. Ambas com 25 anos. Uma é contabilista, outra aeroviária. Pediram-me para tirar uma foto. As duas portavam véus. Minutos depois, em um canto mais isolado, reencontro-as e me pedem nova foto. No momento do clik, retiram seus véus. Minha sensação é que fora um ato de rebeldia, de audácia, como quem faz um topless em uma praia proibida. Puxo a conversa e me dizem que gostam de ir a shows, mas os espetáculos são organizados alternadamente para homens e mulheres. “isso é muito chato, não podemos paquerar”, afirma Massi.
Kimia, 15 anos, um inglês perfeito – a maioria dos jovens fala muito bem o inglês -, vem conversar na porta de outra ex-residência, a de inverno, de Pahlavi. Com seu uniforme escolar azulado, quer saber tanto de nós quanto nós dela. É ela quem sai à frente. Indaga se somos da Amerika (dos EUA) e o que fazíamos lá. Do Brezilia (pronúncia de Brasil) ela e suas amigas de colégio sabem muito pouco. Apenas uma delas sabia o nome de uma cidade brasileira: Rio de Janeiro. Ninguém conhecia Brasília e algumas achavam que Buenos Aires era a nossa capital.
Estudante de segundo grau, se considera feliz, mas que gostaria de “ser livre”. Pergunto o que significa ser livre, se deseja deixar o país. Responde-me negativamente. Diz que gosta do Irã, que até gostaria de fazer estudos de genética no Canadá, mas que voltaria a morar no Irã. Liberdade para Kimia era não ser obrigada a usar véu. No sistema escolar iraniano, o ensino até a faculdade não é misto. Há colégio para meninos e meninas. Os garotos, mesmo os pequenos, portam suas gravatinhas e paletós como uniforme escolar. Nas atividades externas, uma fila para os garotos, outra para as meninas.
Outras mulheres não sentem o uso obrigatório do véu como limitação. Ao contrário, consideram que lhes dá paz, proteção e que realça o valor da mulher enquanto ser humano. “Acabou-se com a perspectiva de que a mulher seja vista enquanto objeto. Não é uma limitação, mas um fator positivo. Ela aumenta a nossa auto-estima” – afirma Mojatahedzadeh .
Esta também é a visão de Mahdiyar Arab, . Pós-graduada em História, moradora de Yazd, em pleno deserto, não vê problema no uso do hijab. Considera-o elemento de proteção contra a concepção de mulher objeto. Indagada sobre sua ambição enquanto mulher, sua resposta, emocionada e com os olhos embargados de lágrima, é de cunho religioso. Os muçulmanos chamam Jesus de Isa e tratam-no como um grande profeta que retornará antes do Juízo Final ao lado do 12º Imam (uma espécie de apóstolo de Maomé), Mahdi, (O Guiado). De acordo com as tradições, os dois retornarão à Terra para livrar o mundo da injustiça e da tirania. O sonho de Mahdiyar é viver o suficiente para presenciar este dia.
Embora tenham assumido maior protagonismo no cotidiano iraniano, as mulheres ainda são vítimas de violência, principalmente nas camadas sociais mais desfavorecidas e na periferia das grandes cidades. Um dos calcanhares de Aquiles é a violência perpetrada por taxistas contra passageiras que viajam sozinhas. As tradições milenares ainda induzem a uma presença mais familiar da mulher. Em primeiro lugar os filhos e a família – comportamento que é incentivado pelo governo que considera a família a base da sociedade. Desta forma, muitas mulheres se dedicam às tarefas domésticas, ou ao trabalho artesanal familiar, como a tapeçaria, ou à agricultura, dado que muitos maridos não permitem que a mulher trabalhe num ambiente separado do núcleo familiar. Mudar esta realidade, ainda é um desafio do país.
Paulo Coelho
Decidi não voltar ao Brasil sem entrar em uma livraria. O fiz em Teerã. Não só achei cinco títulos diferentes de Paulo Coelho, como ouvi do livreiro que as obras eram bastante comercializadas, de venda fácil. Assim, este é mais um dos tópicos que poderiam entrar na relação de lendas internacionais criadas pela mídia. Como todos sabem, recentemente foi veiculada a informação no Brasil que suas obras estavam proibidas naquele país. A Ministra da Cultura, Ana Holanda, chegou a emitir protesto oficial em nome do governo brasileiro. A versão local para o falso boato de censura as obras de Coelho é que seu editor no Irã, Arash Hezaji, teria problemas judiciais e se encontraria foragido na Inglaterra e decidira aproveitar os ventos Roussef não tão simpáticos àquele país para apimentar mais as relações.
Mas se os livros de Coelho estão livres nas prateleiras, o mesmo não se pode dizer das redes sociais. As páginas do Twitter, YouTube e Facebook são bloqueadas. Quando se tenta acessar uma página se abre e não informa que o acesso é proibido, mas sugere uma série de outras opções ao internauta, inclusive uma versão iraniana do Youtube. O medo seria que estas redes fossem utilizadas de forma hostil, incentivando rebeliões como as registradas no Egito e na Síria. A ação governamental, no entanto, é contornada por um software passível de ser baixado na internet. Outras redes como Skype e MSN operam normalmente.
A liberdade de imprensa é prevista na legislação iraniana. No Irã são editados 4.500 jornais e revistas – sendo 2.500 diários. Meios de comunicação são explorados tanto pela iniciativa privada quanto pelo Estado. O maior jornal, Hamshahri, O cidadão, em português, tem tiragem de 900 mil exemplares e é de oposição ao governo. As televisões são essencialmente públicas. Canais internacionais como BBC, France 24, Al Jazeera, Deutsche Welle e o chinês CCTV News são captados no sistema de TV por assinatura. O Irã possui um canal internacional em inglês, a PressTV, e se prepara para uma versão em espanhol, a HispanicTV.
Diversidade Religiosa
Engana-se quem pensa que vai encontrar no Irã apenas cidadãos islâmicos. O país, ao longo de sua história, teve seu perfil étnico composto a partir dos persas, armênios cristãos ortodoxos, curdos e judeus. A pluralidade religiosa é assegurada pela Constituição iraniana. As minorias religiosas possuem, por lei, direito a representantes na Assembléia Legislativa Islâmica. Os fiéis dos diferentes credos podem participar igualmente na política, economia e assuntos sociais do país. A religião predominante é o islamismo, mas é comum encontrar sinagogas, igrejas católicas ortodoxas e, principalmente, templos zoroastras.
O zoroastrismo, considerada a primeira religião monoteísta da humanidade, constitui no Irã o segundo maior contingente religioso do país. Eles seguem os ensinamentos de Zaratustra materializados no Avesta, a bíblia zoroastra, e acreditam na força dos quatro elementos: fogo, terra, água e ar.
Box – Brasil, Irã e os Direitos Humanos
No governo Lula, a diplomacia brasileira investiu muito no Oriente Médio e a aproximação com países considerados pelos Estados Unidos como integrantes do Eixo do Mal não foram bem vistas aqui e lá fora. De 2001 a 2010, as exportações brasileiras mais do que dobraram. Pularam de US$ 968 milhões para pouco mais de US$ 2,1 bilhões. Nos primeiros quatro meses deste ano, R$ 488 milhões, 65% superior ao mesmo período de 2010. O Brasil exporta basicamente carnes, milho e torta de soja. De lá compra polietileno, passas de uva, couro e pistache. O superávit nacional alcançou quase US$ 2 bilhões no ano passado, quando uma missão composta por 86 empresários brasileiros, de 13 setores produtivos, foi enviada a Teerã para ampliar o comércio bilateral.
No campo político, demos passos fortes e de repercussão internacional. Para tentar evitar as sanções da ONU, o Brasil, ao lado da Turquia, tomou a iniciativa de construir o Tratado de o acordo sobre o programa nuclear do Irã mediado por Brasil e Turquia. Pela Declaração de Teerã, o urânio iraniano levemente enriquecido seria enviado aos turcos e, em troca, o país receberia o produto enriquecido a 20%. O acordo foi ignorado pelos EUA e outras potências, que impuseram nova rodada de sanções ao Irã.
O governo Dilma teve início marcado por uma declaração dela sobre a situação da iraniana Sakineh Ashtiani, condenada à morte sob a acusação de ter planejado a morte do marido, morto e esquartejado. Maryam Mojtahedzadeh, do CDMF, declara que há uma manipulação da mídia internacional. Segundo ela, esse é um processo que corre há cinco anos na Justiça. “Ela assassinou barbaramente o marido, no Irã há um código penal. O não cumprimento da lei causa outro problema, o desrespeito a uma legislação vigente. Seja como for, os opositores criaram um problema. Sempre há uma minoria que quer desestabilizar com falsidades.”
Para Behrooz Kamalvandi, chanceler adjunto do Irã, o tratamento que vem sendo dado pelos governos ocidentais ao caso da iraniana Sakineh mostra como há interesse das potências em passar uma “imagem distorcida” sobre os direitos humanos no País. “Esse é um assunto jurídico que já tem cinco anos e ainda não está terminado. É preciso lembrar que aqui também temos leis, temos justiça”, disse o vice-ministro
O Ocidente questiona a forma de aplicação da condenação: pena de morte por apedrejamento. A modalidade está prevista na legislação iraniana, mas Mojtahedzadeh salienta que em 32 anos de revolução não houve nenhum caso de apedrejamento. “São boatos de uma minoria. A mídia internacional em vez de divulgar a realidade, potencializa problemas menores.” De sua parte, o presidente Ahmedinejad salienta que o caso de Sakineh está no âmbito do Poder Judiciário e não do Executivo.
O tema Sakineh veio à tona quando perguntei à dirigente sobre o envio pela ONU de um observador da situação dos direitos humanos no Irã. Ela deixa claro que os países do chamado Ocidente querem fazer disso um caso político para desestabilizar o governo de seu País. Na imprensa iraniana, pelo menos na redigida em inglês, o caso de Sakineh não tem a difusão dada pelas mídias internacional e brasileira.
Behrooz Kamalvandi nega que possa haver problemas graves de direitos humanos em seu País, mas ressalva: “Tanto o Irã como o Brasil precisam se corrigir em matéria de direitos humanos. Há problemas nos dois países. Mas, quem mais precisa se corrigir são os EUA, os que mais agridem os direitos humanos no mundo”, disse ele.
Kamalvandi não esconde o desconforto iraniano em ver o Brasil apoiar no Conselho de Direitos Humanos da ONU o envio de um observador. “Quando nós olhamos para a Declaração de Teerã — o acordo sobre a questão nuclear assinado em maio passado, durante visita do então presidente Lula, mas rejeitado pelas potências — e essa postura adotada agora (no Conselho de Direitos Humanos), é muito difícil dizer que estão no mesmo sentido”, afirmou.
Com a discrição que o cargo exige, o diplomata deixa entender que o Brasil votou pressionado pelos Estados Unidos. “Existe muita pressão de Washington nos corredores de Genebra, mas a República Islâmica continua acreditando na boa vontade do Brasil sobre a relação bilateral.”
“Se o Brasil apóia, voluntariamente ou não, uma política dos Estados Unidos, isso os deixa felizes e claramente não nos agrada, nossos países precisam levar sempre em conta nossa relação bilateral. Quando somos amigos, temos mais expectativas. Como amigos, podemos criticar uns aos outros, mas não podemos dar espaço aos inimigos da nossa amizade, como são os Estados Unidos”, disse Kamalvandi.
Apesar do mal-estar, as diversas autoridades iranianas com quem tivemos a oportunidade de conversar nutrem boas expectativas nas relações bilaterais. A agência oficial de notícias, Irna, já programa abrir um escritório no Brasil. Mojtahedzadeh, que representou o Irã na posse de Dilma Roussef, crê na continuidade de um processo de integração com o Brasil, “apesar da existência de inimigos que não o querem. Mas nós queremos.”
Box O véu da discórdia.
Visto no mundo ocidental como ícone da opressão as mulheres, o hijab é uma tradição secular e universal. Nas diversas culturas ele se fez presente. Basta uma olhadela nas pinturas que retratam a monarquia européia e lá estará ele adornando as musas dos grandes pintores.
No catolicismo, os véus representam biblicamente um sinal da honra e da dignidade das mulheres (Gên. 24:65; Cant. 4:1). No mundo islâmico, o profeta Maomé instituiu, no século VI, o uso do véu para que as muçulmanas também gozassem da dignidade das demais seguidoras dos livros sagrados. O Alcorão determina que a mulher deve se vestir de forma a não atrair a atenção dos homens O uso simboliza a elevação espiritual da condição feminina, assim como o turbante concede aos homens a sacralização da cabeça.
No Irã, o uso obrigatório do véu foi decidido por meio de um plebiscito, no qual votaram homens e mulheres, que obteve a aprovação de 98%, informa Maryam Mojatahedzadeh do CDMF. Ele é considerado uma forma de proteção a mulher e de valorizá-la enquanto ser humano e não objeto sexual. Torna-se obrigatório a partir da primeira menstruação, mas há uma espécie de convenção de que a partir dos 9 anos as meninas já passam a portá-lo. Concomitantemente à adoção do véu, as iranianas puderam passar a usar maquiagem. Antes da revolução, mulheres maquiadas eram malvistas, tidas como prostitutas. Hoje, o Irã é um dos principais produtores e consumidores mundiais de produtos de beleza.
Os véus podem ser divididos, segundo a forma e tamanho, em quatro denominações:
Tchador: o mais longo, em cor preta, comumente apresentado pela grande mídia. Lembra os hábitos das freiras católicas, vai da cabeça à metade da canela e encobre todo o corpo.
Maqnae: semelhante a um turbante feminino, já montado, sem a necessidade de ter que enrolar o tecido. Basta enfiar na cabeça e ele irá até os ombros. Normalmente, em universidades e em situações mais formais as mulheres optam por ele.
Shal: mais simples e colorido, é na verdade um lenço comum, como que muitas mulheres ocidentais usavam até a década de 60.
Rousari: lenço em formato triangular.
A cor preta, principalmente para os turbantes masculinos, significa que o usuário tem uma relação direta com o profeta Maomé. Por isso os aiatolás usam turbantes nesta cor. Os estampados em variações de marrom significam que a usuária é zoroastra. Nas escolas, que não são mistas, o véu segue a cor do uniforme. Pode ser azul, rosa, roxo...
Em tese, o véu deve tampar todo o cabelo da usuária, mas a juventude em sua rebeldia tradicional não só passa a se valer de cores e formatos diversos, como também exibe cada vez mais os cabelos. Em alguns casos, fazem uma forma de coque para que o véu tenha sustentação apenas na parte posterior.