quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Desconfiança entre Brasil e EUA sempre impediu parcerias de longo prazo

Matias Spektor/OPERA MUNDI


Em livro recém-lançado, o historiador Matias Spektor repassa a trajetória das relações entre os dois países, mostrando que sempre viveram de desconfianças recíprocas

Henry Kissinger é um dos mais importantes e controversos diplomatas americanos. Na década de 1970, durante o regime militar, inaugurou canais secretos de comunicação com Brasília, com o objetivo de fazer do Brasil um parceiro dos Estados Unidos na Guerra Fria. A tentativa fracassou, como relata o historiador Matias Spektor em seu recém-lançado "Kissinger e o Brasil" (Jorge Zahar, 2009).
Coordenador do departamento Relações Internacionais do CPDOC (Centro de Pesquisa e Documentação) da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro, Spektor mostra que este capítulo das relações entre o Brasil e os EUA foi a principal tentativa de aproximação num ambiente marcado pela desconfiança. No livro, o historiador argumenta que o Brasil quer construir seu caminho no sistema internacional, procurando impor seus próprios termos às relações com os outros países, e especialmente aos EUA. Em entrevista concedida ao Opera Mundi, ele considera que os dois países estão conhecendo o momento de maior intimidade, mas que o nível de engajamento diminuiu muito.
Qual é a percepção do Brasil em relação aos EUA, e vice-versa?
Acho que cada um dos países tem uma visão do outro que é fundamentalmente estranha para si. No caso norte-americano, a percepção básica das elites políticas é que o Brasil, como país latino-americano e como nação ocidental, somente tem a ganhar se abraçar as normas dominantes da ordem internacional liberal. Paralelamente, esta concepção reconhece que o Brasil, à medida que vai ganhando força e projeção, tem interesse em negociar com Washington em uma posição de maior força. Mas de modo geral, deveria ajudar a manter e a operar este sistema internacional liberal. Do lado brasileiro, a leitura é muito diferente: esta ordem internacional proposta pelos EUA não é nem flexível, nem aberta a novos entrantes.
Aliás, essas normas são pouco liberais na realidade: servem para projetar o poder dos EUA e do ocidente industrializado. Na leitura brasileira, parte do que ajudou o Brasil a se transformar de uma sociedade rural na década de 1940 em uma sociedade urbana 20 anos depois, de passar de uma economia mínima a ser a décima maior economia do planeta, foi justamente a resistência as estas normas e instituições. Com o nacional-desenvolvimentismo e a resistência a todas as tentativas de intrusão do ocidente na agenda local, foi criado um sistema fechado onde o Brasil pôde desenvolver a nação, buscando autonomia em relação a esta sociedade liberal.

É uma ideia que atravessou todos os governos brasileiros, inclusive a ditadura e a época neoliberal?
Não existe no Brasil contemporâneo o argumento de que o melhor futuro para o Brasil é um futuro de associação com os EUA. Ao contrário: a elite quer distancia. Não é bom estar no radar dos EUA. O corolário é que os EUA mantêm, frente a isso, uma indiferença benigna em relação ao Brasil. Não é visto como um país muito confiável do ponto de vista de uma parceria. É muito autonomista, faz jogo próprio. Além disso, não tem interdependência social grande.

Este distanciamento nunca foi questionado por tentativas de alinhamento com EUA?
Na verdade, sim. Teve duas épocas de alinhamento maior. Primeiro, entre 1942 e o fim da Segunda Guerra Mundial, quando o Brasil fez o cálculo de que a aproximação com os EUA poderia resultar em benefícios. Mas isso morreu logo depois, na segunda metade da década de 1940. O Brasil esperava uma cooperação, uma transferência de tecnologia e investimentos que não chegaram. Embora os EUA tenham investido bastante no Brasil e ajudado a modernizar e industrializar a economia brasileira com técnicos e economistas, este esforço nunca chegou à altura da expectativa brasileira. Nunca houve um “Plano Marshall” para o Brasil.
A outra razão é institucional: quando acabou a guerra, Roosevelt acenou com a possibilidade de o Brasil ter um lugar permanente no Conselho de Segurança da ONU, e Churchill recusou. Washington não insistiu, o que provocou muita irritação no Brasil.

E no pós-guerra?
O outro período de adesão aos EUA é aquele que vai de 1964, com o golpe, até 1967, ou seja, até o final do governo Castello Branco e o começo do governo Costa e Silva. Nesse curto período, o então embaixador brasileiro em Washington, Juracy Magalhães, chegou a dizer que “o que for bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”. Ele tinha outra frase ainda mais eloquente: “sempre que as pessoas falarem ‘Yankees, go home’, elas terão de dizer ‘Brazil, go home’”. Naquela época, os EUA apoiaram o golpe de 1964, e os militares brasileiros eram firmemente anticomunistas num contexto em que a oposição ao comunismo era os EUA. Mas o período morre em 1967.

Por que esta aproximação não emplacou, já que em 1967, o anticomunismo ainda era muito virulento?
A tentativa fracassou porque ficou evidente que a agenda de interesses produzia muitos conflitos entre ambos os países. Primeiro, surgiu o tema do acesso muito difícil ao mercado norte-americano para os produtos brasileiros. Depois, o Brasil decidiu ampliar seu mar territorial para 200 milhas náuticas, e os EUA se opuseram. Isso foi seguido pela negociação do tratado de não-proliferação nuclear. O Brasil acabou sendo um dos principais adversários ao texto que era defendido pelos EUA. Esta ideia de que “quem já tem arma nuclear pode ter; quem não tem nunca poderá” foi percebida como um escândalo aqui. O Brasil se ofendeu tanto com este tratado que decidiu não se candidatar mais para cadeiras rotativas no Conselho de Segurança. E passou 20 anos fora: voltou somente em 1988. Agora, é um dos que mais participam.
Apesar dos atritos, ambos os países conseguiram trabalhar juntos dentro do contexto da Guerra Fria?
Foi outra fonte de problemas. Os EUA, sobretudo a partir da chegada de Nixon, queriam o Brasil como aliado e, particularmente, que a ditadura brasileira ajudasse na Guerra Fria na América do Sul. Segundo eles, haveria certa divisão do trabalho entre os dois países para manter a ordem anticomunista na região. Entretanto, na hora de implementar isso, eles não concordavam sobre o que fazer. Embora o Brasil tivesse uma política anticomunista muito ativa na América do Sul, não há evidência de coordenação com os EUA.

Por que o Brasil não concordou em atuar nessa coordenação?
Primeiro, o Brasil temia muito uma presença forte dos EUA na América do Sul porque achava que ameaçava sua integridade territorial. Segundo, o governo militar não confiava na capacidade dos EUA de ter uma política a longo prazo, já que a história mostrara que a capacidade de qualquer governo norte-americano de manter preocupação com a América do Sul era muito reduzida. Foi também um momento de desencontros históricos. Lembre-se de que o golpe de Estado de Augusto Pinochet no Chile aconteceu em setembro de 1973, com o apoio dos EUA. Mas, nessa época, o Brasil decidiu fazer abertura política. Em março de 1974, quando o general Ernesto Geisel assumiu o poder no Brasil, a última coisa que queria era que Pinochet participasse de sua posse. Segundo ele, esta participação seria interpretada pelos militares dentro do Brasil como um sinal de linha-dura, quando ele queria abrir o jogo político. Então ele se vestiu de civil e tentou não receber Pinochet. Mas o general chileno veio, e não havia como dizer não.

E, nos anos 1970, qual foi o papel de Henry Kissinger?
Ele é a pessoa que representa a verdadeira tentativa de montar uma parceria entre EUA e Brasil. Teve um análogo no governo brasileiro, o ministro das relações exteriores Azeredo da Silveira, que também comprou essa ideia. A principal de Kissinger era delegar uma série de responsabilidades a grandes atores regionais. Para isso, ele abriu espaço para que países como Brasil, China, Indonésia e África do Sul ganhassem peso relativo nas relações com os EUA. O objetivo era livrar Washington do estigma de imperialismo colonialista e criar um espírito de afinidade que legitimasse a atuação global do país. Juntos, Kissinger e Azeredo da Silveira e fracassaram. Meu livro conta esta história: por que e como tentaram, e por que fracassaram. Foi uma tentativa que durou muito pouco – o tempo em que eles estavam no poder, mais ou menos de 1974 a 1977. Quando saíram, acabou.

As relações pessoais entre presidentes brasileiros e norte-americanos foram muitas vezes bastante boas. Isso não foi suficiente?
É verdade que Fernando Henrique Cardoso tinha uma excelente relação com Clinton. E, apesar das diferenças ideológicas, foi também o caso entre Lula e Bush. Aliás, acho que foi o momento de maior intimidade entre ambos os países. Mesmo assim, é muito distante. Ao longo da década de 2000, o Brasil tem votado na ONU menos vezes com os EUA do que qualquer outros dos Brics, e também menos do que a França.

O senhor acha que os EUA estão mais interessados no Brasil hoje?
Sem dúvida. O Brasil desta década é muito mais importante porque tem mais peso nos grandes temas da agenda internacional. Primeiro, no sistema financeiro internacional: se o Brasil quebrar, pode carregar consigo o sistema. É a mesma situação no comércio: apesar de o Brasil representar apenas 1,5% do comércio internacional, é um dos atores sem os quais não se consegue fechar nenhum acordo. Em temas ambientais também. E, na política, é incontornável: hoje em dia não tem mais comunismo na América Latina, mas existe uma preocupação sistemática com o Chávez, e a expectativa norte-americana é de que o Brasil possa funcionar como uma força de moderação. É uma região cheia de complicações, para a qual os EUA têm pouco ou nenhum tempo e atenção – e, nesse contexto, o que importa é o Brasil. Algo similar aconteceu na época de Kissinger, mas o Brasil era muito mais fraco.

A relação, porém, ficou muito tensa, após vários atritos: a instalação de bases militares norte-americanas na Colômbia, a volta da Quarta Frota, o golpe em Honduras...
A relação nunca foi tão íntima no sentido de preocupação e interesse dos EUA em desenvolver uma parceria agora. Mas a desconfiança norte-americana com o Brasil é permanente, e a do Brasil em relação aos EUA também. São dois países que têm um enorme potencial de fazer coisas juntos, mas fazem poucas; têm uma agenda de atritos relativamente pequenos, que não atrapalham a relação. Mas a desconfiança mútua é brutal e impede que eles avancem na parceria.

Os norte-americanos não esperavam uma reação tão clara do Brasil sobre o tema das bases militares?
De maneira nenhuma, porque, para eles, não era tão importante. Foi uma decisão tomada por pessoas de um escalão baixo, em um contexto de progressiva queda do investimento norte-americano na Colômbia – que, na concepção deles, não tem como objetivo de dominar a Amazônia, nem sequer controlar o Chávez. A visão brasileira deu proporções muito mais importantes ao evento do que ele tem.
Porque o rearranjo das bases não denota maior participação nem presença americana na região. Ao contrário, denota menos: os EUA estão saindo, começando o processo lento de reconhecer que o Plano Colômbia é um fracasso. Para os EUA, é bom que o Brasil tome conta da área. Quem mais saudou a criação da Unasul e do conselho sul-americano de defesa foram os norte-americanos, porque é do interesse deles.

E no caso da reativação da Quarta Frota da marinha dos Estados Unidos na América do Sul e Caribe?
Também. Não foi uma decisão estratégica tomada pela Casa Branca. É uma decisão do Comando Sul, em um processo que tem pouco ou nada a ver com a situação geopolítica na América do Sul. O anúncio foi interpretado aqui de maneira exagerada, da mesma maneira que os norte-americanos interpretaram a visita do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, de uma maneira completamente errônea. O Brasil não é a favor da proliferação nuclear, nem tem interesse em impedir ou complicar a renegociação do tratado de não-proliferação que começa agora em abril. E foi o mesmo com Honduras: a percepção norte-americana foi de falta de cooperação e de entendimento brasileiro. Mas sou historiador, não gosto muito de falar dos fatos em andamento, acho arriscado demais. Prefiro ter as fontes e saber o que se falou realmente.
Durante a 5ª Cúpula das Américas, realizada em Trinidad e Tobago em abril do ano passado, o presidente Obama chegou com um discurso conciliador, que prometia grandes mudanças em relação à América Latina. Agora, muitos dos presidentes da região se dizem decepcionados.
De fato, não teve nenhuma mudança. Mas não acho que o Brasil tinha grandes esperanças. O governo sempre foi relutante em relação a Obama, desde o começo. Esta desconfiança vai contaminar as relações, que, por um lado, são cada vez mais importantes, e por outro, denotam um baixíssimo nível de engajamento. E, sempre que surgir uma fonte de tensão, seja Honduras, seja Ahmadinejad, haverá gritaria dos dois lados – a meu ver, despropositada.

O senhor acha que esta desconfiança pesa na preferência pelo fornecedor francês para a compra de 36 aviões caças, manifestada pelo governo, contra a opção norte-americana, mais barata?
É claro. O discurso do governo é privilegiar a soberania e a utilização totalmente autônoma dos equipamentos adquiridos. O Brasil quer evitar o problema vivido por vários clientes dos Estados Unidos, que foram impedidos de desenvolver seu material militar. Também quer aproveitar a compra para uma importante transferência de tecnologia, que nunca foi o ponto forte dos norte-americanos. Mas a advertência do historiador é a seguinte: olhe para o acordo nuclear com a Alemanha. Nós tínhamos um acordo com os EUA que fracassou, fizemos um com a Alemanha porque iriam transferir tecnologia. Mas, no final, eles também não cumpriram.

Para refletir:

Para viver, sinta, sonhe e ame.
Não deseje apenas coisas materiais.
Deseje o bem e multiplique as boas ações.
Sorria, sim. Mas ame mais.

Ame a si, aos outros, a quem está próximo e distante.
Ame quem errou e quem acertou.
Não diferencie.

O amor não julga. O amor não pune. O amor aceita.
Pense nisso e aceite a vida.

Vamos brincar com as palavras?



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