Segundo o dicionário Aulete, manifestar
tem o sentido daquilo que se mostra evidente. Já quando analisa a palavra
manifestação, o mesmo dicionário a associa ao termo expressão, de surgimento de
algo que não estava aparente, como uma opinião ou sentimento. Ou seja,
manifestar significa basicamente expressar.
O
homem expressa seus sentimentos e opiniões desde os primórdios e nem sempre
foram necessárias palavras para isso. Muitas vezes gestos brutos evidenciavam o
que os primeiros seres humanos pensavam ou sentiam a respeito de uma
determinada situação. Basta lembrarmos do que se denomina de mito da figura de
um homem das cavernas puxando “sua” mulher pelos cabelos para termos certeza de
que as primeiras manifestações humanas não teriam sido nada doces. Ao contrário,
revelaram uma aspereza comportamental e de percepção do outro. Daí evoluímos
para as pinturas rupestres, um tanto artísticas, até chegarmos na manifestação
de opinião pela palavra, primeiramente falada, e depois escrita.
E
com as manifestações dos sentimentos, em palavras e atitudes, tornou-se
possível o convívio em sociedade e daí naturalmente adveio a política muito
parecida como a que vemos hoje.
Com
essas manifestações de sentimentos e ideias, onde se inserem as opiniões, foi
possível ao homem conviver em grupos, sociedade e progredir em todos os campos
da ciência e cultura.
Não
é por outro motivo que os regimes ditatoriais abominam a crítica e vedam a
arte, a cultura e qualquer liberdade de expressão. A nossa história mundial
está repleta de narrativas de queimas de livros, de censura, de proibição de
reuniões e de manifestações de pensamentos. Ao longo da civilização, os
poderosos sentiam como verdadeira ameaça o povo pensar e ousar manifestar o
inconformismo com uma dada realidade.
Após
a dramática Segunda Guerra Mundial, adveio a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, que previu em seus artigos XIX e XX que qualquer pessoa tem o direito
de reunião e à liberdade de opinião e de expressão, podendo fazê-lo por
quaisquer meios.
Já
o posterior Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, adotado pelo
Brasil através do Decreto 592/1992, expressou em seu artigo 19 que “ninguém
poderá ser molestado por suas opiniões”; que “toda pessoa terá direito à
liberdade de expressão”; e que qualquer restrição ao exercício desse direito
deve ser fundamentada e constar expressamente em lei.
Por
fim, a nossa Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso IV, garantiu o
direito à manifestação (expressão) do pensamento. E o mesmo artigo 5º, em seu
parágrafo primeiro, expressa que essas normas que definem garantias
fundamentais independem de qualquer lei, tendo aplicação imediata. Os
parágrafos segundo e terceiro, por fim, expressam a recepção pela Constituição,
como se norma Constitucional fosse, de quaisquer direitos e garantias previstos
em tratados e convenções internacionais do qual o Brasil faça parte.
E
o nosso Supremo Tribunal Federal, em julgamento de ação de Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF 187, que tratava da chamada
“marcha da maconha”, entendeu, ainda no ano de 2011, que os direitos
constitucionais de reunião e de livre expressão do pensamento garantem
amplamente a realização de manifestações. Segundo muitos dos Ministros, as
manifestações somente podem ser proibidas quando forem dirigidas a incitar ou
provocar ações ilegais ou iminentes.
De
forma mais contundente, o Ministro Marco Aurélio assim afirmou: “Concluo que a
liberdade de expressão não pode ser tida apenas como um direito a falar aquilo
que as pessoas querem ouvir, ou ao menos aquilo que lhes é indiferente.
Definitivamente, não. Liberdade de expressão existe precisamente para proteger
as manifestações que incomodam os agentes públicos e privados, que são capazes
de gerar reflexões e modificar opiniões. Impedir o livre trânsito de ideias é,
portanto, ir de encontro ao conteúdo básico da liberdade de expressão”.
Hoje,
portanto, o direito à liberdade de manifestação é um direito humano amplamente
assegurado pelas normas legais vigentes no Brasil e pela jurisprudência da mais
Alta Corte do Judiciário. Em vários países também é assegurado o direito à
manifestação do pensamento, ao menos teoricamente. Em outros, não há garantias
legais para isso.
Há
diversas formas de expressão, que não podem ser delimitadas. A manifestação
humana pode ser individual ou coletiva, artística, escrita, virtual, dentre
outras.
O
que se constata hoje em dia é que a expressão humana vem sofrendo repressão em
todo o globo, inclusive nos países ditos democráticos.
A
repressão pode se dar por retaliação de parte da população ou por ações do próprio
Estado.
Na
Europa há uma grave repressão estatal à expressão comportamental das mulheres
muçulmanas, quando essas utilizam sua vestimenta característica nas escolas,
ruas e praias.
Na
Síria invadida pelo Daesh, conhecido no ocidente como Estado Islâmico, há uma
forte opressão pelos terroristas a quaisquer manifestações individuais dos
muçulmanos mais liberais e das minorias étnicas, religiosas e sexuais. Contra o
rigor imposto, há as penas de multa, escravização e morte, amplamente aplicada.
Nos
Estados Unidos há o relato de vários casos de agressão individual a hispânicos
pelo simples fato desses se expressarem em sua língua natal.
Os
casos de intolerância e opressão não param aí, e o Brasil não é exceção a esse
retrocesso global.
Especificamente
no Brasil, vou abordar a questão das manifestações populares nas ruas, que vem
ocorrendo com maior intensidade desde o ano de 2013, quando a reivindicação
contra o aumento das passagens de ônibus, metrô e trens dominou o cenário
paulista e nacional.
Segundo
as notícias veiculadas pela mídia, as polícias militares e civis de vários
Estados têm agido ora protegendo os manifestantes, cumprindo desta forma o
dever do Estado, ora agindo com agressão contra esses mesmos manifestantes.
Há
ativistas políticos que asseguram que o viés da ação policial depende tão
somente da conotação política da manifestação, independentemente se é pacífica
ou não. Talvez o recente episódio de infiltração de um militar do serviço de
inteligência do exército em um grupo de jovens manifestantes, evidencie o
interesse em monitorar as manifestações da chamada “oposição”.
Vários
dos manifestantes que protestavam pacificamente, de acordo com o direito
assegurado Constitucionalmente de livre manifestação e expressão, foram
atingidos por policiais e se tornaram alvo de ridicularização por grupos
fascistas nas redes sociais da internet.
Por
mais absurdo que pareça, o fato é que a esses fascistas opressores quase sempre
é respeitado o direito de manifestar-se em público, livremente, agredindo não
apenas as vítimas físicas, mas o nosso ordenamento jurídico, a democracia e a
nossa própria sociedade, extrapolando qualquer limite da garantia
Constitucional. E não consta, sequer, que quaisquer desses indivíduos tenham
sido conduzidos a um distrito policial.
Passadas
centenas ou dezenas de milhares de anos da vivência do gesto mítico do homem
das cavernas puxando “sua” mulher pelos cabelos, a aspereza comportamental e de
percepção do outro ainda está presente nas atitudes de grande parte de nossa
sociedade e de agentes públicos e políticos do próprio Estado.
Ou
defendemos plenamente o direito de manifestação pacífica a todos ou sucumbiremos
frente à força dos fascistas, que odeiam manifestações e críticas que alertam a
humanidade e a fazem seguir rumo à evolução artística, cultural, científica e
humana. A reação desses obtusos não se dá através da contra-argumentação,
requinte moderno da expressão, mas através do uso da força física e das
palavras mais rudes. Como verdadeiros homens das cavernas modernos, cegos de
qualquer sentimento e apreço pela humanidade, abominam o elemento superior da
expressão, característica típica de nossa humanidade, e utilizam apenas as
manifestações mais primitivas de raiva e ódio para rasurar tudo o que foi
conquistado com a evolução humana, seja nas artes, na cultura, na diversidade
ou no próprio pensar.
Se, por um lado, o direito de expressão dos
humanos decorre dos iniciais gestos rudimentares dos homens primitivos nascidos
há milhares de anos em todos os cantos e recantos do globo, que aos poucos
aprenderam a dominar as cores e a arte das pinturas rupestres, e propiciaram o
progresso de toda a humanidade com a sua expressão individual e coletiva, por
outro, contra esse direito humano de se manifestar, questionar e evoluir há os
que reagem com a mais absoluta força bruta, com o sufocamento pela antítese da
expressão, a opressão.