quarta-feira, 20 de julho de 2016

UM PAÍS NADA TUPINIQUIM

foto: internet
Dizem que no Brasil se utiliza o termo tupiniquim como sinônimo de brasileiro, mas não é bem assim. Ele somente é utilizado quando há um sentido pejorativo (“nação tupiniquim” etc.). E é exatamente dessa forma, com desvalor e desprezo, que o brasileiro trata o indígena.
Os Tupiniquins são pertencentes à Nação Tupi e habitavam os litorais sul da Bahia e de São Paulo. Foram os primeiros índios a entrarem em contato com os portugueses. Hoje, encontram-se reduzidos a menos de 1.500 indivíduos, falam apenas o português e foram deslocados para Aracruz, no norte do Espírito Santo. Foram dizimados e perderam vínculos importantes com a sua cultura e a sua língua, restando uma dívida histórica enorme a ser resgatada.
Portanto, chamar brasileiro de tupiniquim da forma que fazemos é uma piada de péssimo gosto e um sinal de desrespeito a esse sofrido povo indígena.
            E o nosso preconceito não para aí. Vai bem longe. Qual brasileiro nunca falou em “programa de índio” para se referir a algo chato e sem sentido? Pois é, essa fala “engraçadinha” esconde uma forte visão pejorativa do indígena que não percebemos no nosso dia a dia.

O preconceito está também nas atitudes que temos no dia a dia, ao julgar as suas habitações e as suas vestes. Mas o Estado brasileiro também é preconceituoso. Já vi diversos casos de crianças indígenas serem afastadas dos pais por estes estarem com os seus filhos em atitude que consideravam de mendicância. Os juízes, ao adotarem essa medida drástica, ainda que estivessem bem intencionados, tomavam como parâmetro a nossa cultura e não a indígena.

            Algumas pessoas mais velhas se lembrarão de que nos anos 1980 foi eleito o primeiro deputado federal indígena, o Juruna, pelo PDT de Brizola. Com um aparelho que utilizava para gravar o que os políticos prometiam, o deputado xavante conseguia chamar a atenção da mídia, mas era considerado exótico e os programas humorísticos da época retratavam-no de forma esdrúxula.

            Esse é o Brasil que gosta de ridicularizar o indígena e que se esquece de que muitas das palavras que utilizamos no dia a dia derivam das línguas tupi e guarani. Além disso, muitos dos hábitos saudáveis que temos, como o de comer muitas frutas e de tomar banho diariamente  devemos a eles, além do prazer de deitar em uma rede. Além disso, eles têm todo um conhecimento de medicina alternativa, baseada em ervas e raízes, que muitos de nós aprenderam a utilizar.

O mais engraçado desse país que trata os índios com desprezo é que boa parte da população tem sangue indígena, ainda que distante. Embora eu não tenha cara de indígena, descendo de uma trisavó índia, laçada pelo meu trisavô português no interior paulista. Sim, não só os índios homens eram tratados como objeto, as índias também, e no sentido sexual da coisa, principalmente.

            Ao contrário da Bolívia, Guatemala, Peru e México, que são os países latino americanos com maior proporção de população indígena, respectivamente com 62,2%, 41%, 24% e 15,1%, o Brasil é um dos países da região com menor percentual de população indígena em relação à população total. O Brasil tem menos de 900 mil índios, segundo dados do IBGE do ano de 2010, equivalendo a menos de 0,5% da população brasileira, embora tenha o maior número de etnias, 305, com 274 línguas diferentes e com 36,2% dos seus indígenas vivendo em área urbana e o restante na área rural.

Segundo um relatório da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe – CEPAL, órgão da ONU, divulgado em 2014, na América Latina vivem 45 milhões de indígenas em 826 comunidades, representando 8,3% da população total. Desses, 17 milhões vivem no México e outros 7 milhões no Peru.

A FUNAI – Fundação Nacional do Índio, criada em 1967 e vinculada ao Ministério da Justiça, aponta que 37,4% dos índios residem no norte do país e há 588 terras indígenas reconhecidas. Dessas; 545 são as tradicionalmente ocupadas; 6 são terras de propriedade adquirida pelos índios (dominiais); 6 possuem restrição de ingresso e trânsito de terceiros na área (interditadas); e 31 são reservas indígenas propriamente ditas.

Os Tikunas, com 6,8% do total da população indígena brasileira, formam a maior comunidade nativa,  segundo os dados do IBGE de 2010.

            E dos 900 mil índios brasileiros, apenas cerca de 42 mil vivem no Estado de São Paulo, representando menos de 0,1% da população de paulistas e, desse total, 38 mil vivem em cidades. Esses dados são do Censo 2010, do IBGE. Segundo a FUNAI, em São Paulo há 21 áreas indígenas declaradas, delimitadas ou regularizadas e outras 10 em estudo.

Se você pensa que os índios que moram em cidades vivem necessariamente em tribos, está enganado. Segundo o jornal Brasil de Fato, de 27/12/2010, só os pankararu, etnia originária de Pernambuco, somavam 1.600 pessoas na cidade de São Paulo, a maior parte residindo na favela Real Parque, no Morumbi. A história desse povo coincide com a do retirante nordestino que vinha para São Paulo nos anos 1950 em busca de oportunidades. Segundo o escritor Marcelo Rubens Paiva, em texto publicado no jornal Folha de São Paulo, sob o título “Elo Perdido”, os pankararus vieram para trabalhar na construção civil, inclusive na do Estádio do Morumbi, próximo ao Palácio dos Bandeirantes, que, por azar da coincidência, é o nome dos grupos paulistas que, à época do Brasil Colônia, saiam em expedição para, dentre outras coisas, caçar índios para torná-los escravos.

A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, CEPAL, ainda estima que existam 200 povos indígenas em isolamento voluntário na Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru e Venezuela. A FUNAI aponta 107 registros da presença de índios isolados em toda a Amazônia legal brasileira. Eles têm inúmeros motivos para permanecerem isolados, já que a convivência com o dito homem branco nunca foi harmoniosa.

O SPI – Serviço de Proteção ao Índio, órgão antecessor da FUNAI e que foi fundado em 1910, tinha por finalidade proteger os índios e implementar uma estratégia de ocupação territorial do Brasil. O SPI visou alterar a política adotada durante todo o período do Brasil Colônia e Império, bem como no início da República, de mera manutenção de aldeias indígenas e de catequese.

Mas a matança de índios continuou no início do Século passado, seja pela ocupação de suas terras pela expansão agrícola, seja pela expansão das estradas de ferro. E ainda perdura. Madeireiros, pecuaristas, latifundiários e mineradores são inimigos em potencial de muitos povos indígenas, utilizando o pretexto do progresso e da defesa nacional para entrar em terra originária de determinada etnia.

A Anistia Internacional aponta que as obras para os eventos Copa do Mundo e Olimpíadas no Brasil implicaram em remoções forçadas de muitos indígenas, da mesma forma que o fizeram muitas barragens. Segundo a referida organização, índios de Mato Grosso do Sul ainda sofrem intimidações e ameaças de morte com frequência pelos pistoleiros que cercam suas áreas. O mesmo ocorre no Norte e Nordeste, devido à expansão agrícola e de pecuária.

Ainda há muitas crianças indígenas assassinadas por disputa de terras. Um caso recente foi o da criança da etnia Awa-Guajá, de apenas oito anos, que foi queimada viva na área indígena em que morava, no Maranhão, por madeireiros.

E quem não se lembra do índio que foi queimado vivo por adolescentes de classe média alta em Brasília?

À época do “descobrimento”, estima-se que havia três milhões de índios espalhados pelo território nacional, segundo a FUNAI. É estimativa. Há pessoas que dizem que o número era maior, chegando a 5 milhões. O fato é que de lá para cá muitas etnias foram extintas e somente em 1991 o IBGE incluiu os indígenas no censo demográfico nacional.

O que não se tem dúvida é de que as diversas Nações Indígenas foram alvo de genocídio ao longo de nossa história. E ainda continuamos a permitir que se mate índio por disputa por terras. Não conseguimos perceber que com isso não estamos aniquilando apenas uma pessoa ou extinguindo um povo, mas sim matando a nossa nacionalidade, a nossa essência como País. Sem o elemento indígena, assim como o negro e o branco, perdemos a nossa brasilidade e nos tornamos um frankstein globalizado, sem rosto próprio que nos identifique.

Essa é a primeira parte do texto, de caráter geral e introdutório. Nas próximas, que pretendo escrever em breve, abordarei a questão indígena sob a ótica da legislação protetiva internacional e a dificuldade dos operadores do direito de conjugarem a legislação nacional com as tradições e a cultura próprias nos processos que envolvem crianças índias. Aguarde!

Para refletir:

Para viver, sinta, sonhe e ame.
Não deseje apenas coisas materiais.
Deseje o bem e multiplique as boas ações.
Sorria, sim. Mas ame mais.

Ame a si, aos outros, a quem está próximo e distante.
Ame quem errou e quem acertou.
Não diferencie.

O amor não julga. O amor não pune. O amor aceita.
Pense nisso e aceite a vida.

Vamos brincar com as palavras?



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