REDUÇÃO HIGIENISTA DA NOSSA INCOMPETÊNCIA
“Não importa se a redução da maioridade vai resolver o problema, o que importa é tirar estes moleques da rua”. Li esta frase emblemática e reveladora em um post de uma rede social. O autor desse escrito, não sei se intencionalmente ou por força de um ato falho, revelou e resumiu o pensamento, ainda que não assumido, da maioria daqueles que defendem a redução da maioridade penal.
Pensar que a redução da maioridade penal resolverá, com um passe de mágica, todo o problema da violência no Brasil é um engodo sem tamanho. Obviamente, políticos oportunistas apoiam-se nisto de maneira populista e demagógica, apresentando para a população uma receita milagrosa para o fim da prática de crimes no país e com isso aumentam suas possibilidades de ganho de votos para manterem-se no poder. Ora, a boa intenção política para a solução dos problemas da violência não é mágica, passa pela adoção de medidas que garantam a todas as nossas crianças, saúde, educação, moradia digna, enfim, passa pela efetiva criação, pelo Estado, de políticas públicas de inclusão social.
Entretanto, soluções a longo prazo, evidentemente, não rendem votos para a próxima eleição, daí a opção (sempre) por uma pseudo solução tão imediatista quanto irresponsável. A sociedade precisa entender que a “venda” da redução da maioridade penal por esses legisladores, nada mais é do que uma propaganda enganosa. Primeiro porque a partir dos 12 anos, os menores de idade já são punidos e cumprem suas “penas” em estabelecimentos adequados e separados dos adultos, portanto não há impunidade. Segundo que o produto anunciado (redução da violência) não tem garantia, nem poderia. Basta observarmos o constante aumento da criminalidade entre os adultos. Fosse a prisão, nos moldes como se apresenta em nosso sistema penitenciário, a solução, não teríamos altíssimos índices de reincidência entre os maiores de 18 anos.
Mas, voltando à frase que iniciou este texto, talvez quem defenda a redução da maioridade não esteja preocupado em “resolver o problema”, mas sim em retirar da sua frente os tais moleques que perambulam pelas ruas das cidades brasileiras e esfregam todos os dias em nossas caras o quanto somos incompetentes como cidadãos. Somos uma Nação que não sabe cuidar de nossas crianças, que não sabe cuidar do nosso futuro.
A ineficiência do Estado reflete a nossa ineficiência como eleitores e é responsabilidade de cada um de nós, de modo que a solução que resta, para alguns, é trancafiar nossas incompetências atrás dos muros dos presídios, retirá-las da frente de nossos olhos.
Até agora não li, nem ouvi nenhum defensor da proposta dizer que ela é boa para coibir delitos típicos de jovens de classes sociais mais privilegiadas, na qual realmente há uma impunidade efetiva. Não está no imaginário de ninguém a prisão do adolescente que apresentar documento de identidade falso para entrar na balada, ou daquele que constranger o colega de escola submetendo-o à violência psíquica ou física (bullying), ou do garoto que beijar à força uma menina no colégio. Diante disto, concluo que qualquer proposta de Emenda Constitucional para reduzir a maioridade penal pretende, como já se faz em todo sistema carcerário, a punição dos pobres, dos moradores de rua, dos sem nada, pretende-se a segregação daqueles que talvez já tenham idade para votar, mas que sequer sabem que são cidadãos. A seletividade é clara, afinal, o que realmente importa é tirar nossa incompetência da frente.
Como disse Maria Rita Kehl, na Folha de São Paulo de 14/06: “ Sabemos sem mencioná-lo publicamente que essa alteração na lei visa apenas os filhos dos “outros”. Estes outros são os mesmos há 500 anos. Os expulsos da terra e “incluídos” nas favelas”
Margarete Gonçalves Pedroso, Procuradora do Estado de São Paulo e colaboradora do Grupo Olhares Humanos