terça-feira, 17 de maio de 2011

Após decisão da OEA, familiares já recorrem ao MPF para investigar crimes da ditadura



BEATRIZ BULLA

Meses depois da decisão da CIDH (Corte Interamericana de Direitos Humanos) que condenou o Brasil pela não investigação dos crimes da guerrilha do Araguaia, familiares das vítimas da ditadura militar tentam fazer com que o MPF (Ministério Público Federal) comece as investigações para identificar os responsáveis pelos crimes da época. A cientitsta política Beatriz Affonso afirmou que as sentenças da CIDH são auto executáveis, mas tendo em vista a demora do Estado brasileiro em cumprí-la, os familiares das vítimas do Araguaia já estão fazendo representações aos MPF com cópia ao procurador-geral da República, para que as investigações se iniciem. Beatriz é uma das co-autoras do livro Crimes da Ditadura Militar e, com a ONG Cejil (Center for Justice and International Law) e outras organizações, peticionou o caso do Araguaia em nome das famílias junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

“O MPF vai receber as representações dos familiares de dos presos políticos que foram torturados. Essas representações vão funcionar como esgotamento interno, que é um dos requisitos para os casos irem ao Sistema Interamericano”. Segundo Beatriz Affonso, portanto, caso o Estado brasileiro de fato se exima da responsabilidade, abrirá caminho para que muitos outros casos cheguem ao Sistema Interamericano. “O Brasil tem de saber que o tema não se encerra com o caso Araguaia, o tema começa com o caso Araguaia”, alertou.

Durante a tarde de lançamento do livro Crimes da Ditadura Militar, organizado pelos professores Luiz Flávio Gomes e Valério de Oliveira Mazzuoli, uma jornada de debates com co-autores da obra discutiu as consequências da decisão da CIDH (Corte Interamericana de Direitos Humanos) que condenou o país e declarou a nossa Lei de Anistia sem efeito juridico. Sobraram críticas à decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) e suposições sobre o que pode acontecer caso os ministros decidam não repensar a decisão interna.

Em 2010, o STF decidiu manter a validade da Lei de Anistia, de 1979, para os torturadores que agiram em nome do Estado durante o regime militar. Posteriormente, a CIDH, vinculada à OEA (Organização dos Estados Americanos), declarou que a Lei de Anistia brasileira não pode ser um obstáculo para a investigação e punição de responsáveis por violações de direitos humanos durante a ditadura militar. Presente no encontro de especialistas em direitos humanos, Maria Laura Petit, que teve três irmãos toturados e desaparecidos durante a guerrilha do Araguaia, destacou o papel do Sistema Interamericano de Direitos Humanos – que é formado pela Comissão e pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, sediada em San José, na Costa Rica. “Pela primeira vez nós familiares fomos ouvidos como cidadãos. Uma corte de juízes nos deu toda a atenção que não tivemos no Brasil”, disse.

Em entrevista a Última Instância, o jurista Luiz Flávio Gomes já havia adiantado que acredita que o Brasil vai cumprir a sentença da CIDH, apesar de achar improvável que STF reveja a decisão. “O Supremo vai dizer ‘não’, mas quem tem de cumprir é o governo”, confirmou Luiz Flávio Gomes durante a jornada.

O procurador da República que atuou como perito na CIDH no caso do Araguaia Marlon Alberto Weichert se mostrou preocupado com a possível recusa dos ministros do STF em considerar a decisão internacional. “Eu tenho medo, pois se o STF disser que não vai rever a decisão, terá de dizer o valor jurídico da Convenção Americana de Direitos Humanos e declarar inconstitucional um artigo do texto. Com isso, o Brasil terá de denunciar a convenção, o que seria um retrocesso”, afirmou. Ele é também um dos co-autores do livro Crimes da Ditadura Militar.

Críticas ao STF

“Os ministros do STF devem ter consciência de que suas decisões podem ter consequências drásticas, precisam ter dimensão do que está em jogo. É preciso informar o STF que ele faz parte do Estado brasileiro”, afirmou Marlon Weichert.

"A Corte falou que o STF interpretou mal a jurisprudência internacional e o conceito de anistia”, acrescentou Cesar Augusto Baldi, também co-autor de Crimes da Ditadura Militar. Luiz Flávio Gomes ressaltou que todos os juízes da CIDH afirmaram que o STF errou, “porque não fez o controle da convencionalidade da lei, que é dever de todos os juízes. Todo juiz deve verificar se a lei é compatível aos tratados internacionais”. Para o jurista, os ministros Cezar Peluso e Marco Aurélio cometeram um erro crasso do ponto de vista jurídico quando afirmaram que a sentença da Corte Interamericana teria validade do ponto de vista moral, politico e filosófico, apenas.

Belisário dos Santos Jr., que também participou da jornada, criticou a interpretação feita pelos ministros do STF ao analisar a validade da Lei de Anistia: “O STF lê crimes conexos e interpreta como? Os ministros se utilizaram da interpretação histórica e se valeram de declarações de deputados da época para entender que eram anistiados os torturadores”. Ele elogiou o voto vencido do ministro Ayres Britto, quem disse em plenário que a interpretação histórica deveria ser a última a que os ministros deveriam recorrer.

Tarciso Dal Maso Jardim afirmou que a CIDH mandou o Brasil tipificar o crime de desaparecimento forçado de pessoas. O consultor legislativo do Senado Federal na área de relações exteriores e defesa nacional afirmou que já tramitam dois projetos de lei para tipificar o crime. Um deles, o PL 245/11, foi apresentado na última quarta-feira (11/5) no Senado e deriva do artigo de Dal Maso para o livro Crimes da Ditadura Militar.

“A sentença é bem ampla, não fala só de anistia. A sentença prevê, por exemplo, um pedido oficial de desculpas com representantes dos três poderes; a formação da comissão da verdade - que foi amplamente criticada por grupos conservadores, inclusive militares”, afirmou Cesar Augusto Baldi.

Crimes imprescritíveis

Foi consenso entre os participantes do evento, que aconteceu em São Paulo na última quinta-feira (12/5) que os crimes praticados por agentes do Estado que sequestraram e torturaram a população civil durante a ditadura militar são imprescritíveis. “Os crimes não são comuns, são imprescritíveis, pois são crimes contra a humanidade”, assegurou Belisário.

“Uma decisão da CIDH em 2007 sobre o Chile serviu como paradigma, pois a Corte decidiu que crimes dos regimes ditatoriais do Cone Sul eram crimes contra a humanidade”, afirmou Marlon Weichert. O procurador fez questão de explicar o conceito de crimes contra a humanidade para deixar claro a imprescritibilidade dos atos praticados pelos torturadores: “O que são crimes contra a humanidade? São crimes praticados ou apoiados pelo Estado, quando este persegue um setor da sociedade civil. Esses crimes são imprescritíveis e não admitem barreiras do direito interno que permitam a impunidade”.

Tarciso Dal Maso Jardim ressaltou que para o direito penal internacional, população civil é todo aquele que não está combatendo ou que deixou de combater - porque está preso ou detido, por exemplo. “Então, guerrilheiro também é população civil, também pode sofrer crime contra a humanidade”, concluiu.

Marlon Weichert afirmou que nestes casos não se aplica o princípio da anterioridade, pois os crimes, quando cometidos, já eram crimes imprescritíves e portanto não passíveis de anistia. “A comunidade internacional não admite impunidade em matéria penal em crimes contra a humanidade”, disse.

O advogado e professor Ivan Luís Marques, mestre em direito penal, afirmou que a “imprescritibilidade é excepcional”, estando presente nos crimes contra a humanidade. O co-autor também afirmou que o Brasil ainda é imaturo no plano internacional.

Consequências no Brasil de hoje

“Se a democracia vier com impunidade não enfrentada, cria bolsões autoritários”, disse Belisário. O procurador Marlon Weichert aproveitou para exemplificar um desses enclaves autoritários com os aparatos de segurança: Continuamos trabalhando nas Forças Armadas, por exemplo, com um estatuto da época da ditadura militar”.

“O Brasil piorou a violência policial e respeito à dignidade humana depois da ditadura militar. E nós não tivemos direito à memória e à verdade. Isso não é coincidência”, disse Weichert, para quem a violência policial dos dias de hoje está ligada à falta de punição aos torturadores do regime militar.

Sobre o direito às investigações e punições dos culpados, Belisário afirmou que “não é o direito da vítima apenas, mas um direito de todos nós. Nós temos o direito de saber o que aconteceu e analisar o que houve. Temos que fazer essa revisão, para que aquele momento não se repita mais”. Marlon Weichert concordou, alegando que se não houver vigilância permanente, o risco vai sempre bater à nossa porta.

“Todo o caminho desde 1988 é de afirmar e reafirmar os tratados internacionais. Passaram cinco meses e o Brasil nem publicou a sentença”, afirmou Weichert. O procurador afirmou que a CIDH chegou a dizer que o processo de perpetuar o sofrimento dos familiares chega a uma tortura moral.

Para refletir:

Para viver, sinta, sonhe e ame.
Não deseje apenas coisas materiais.
Deseje o bem e multiplique as boas ações.
Sorria, sim. Mas ame mais.

Ame a si, aos outros, a quem está próximo e distante.
Ame quem errou e quem acertou.
Não diferencie.

O amor não julga. O amor não pune. O amor aceita.
Pense nisso e aceite a vida.

Vamos brincar com as palavras?



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