terça-feira, 5 de maio de 2009

TORTURA E ASSASSINATOS NA DITADURA E A PRESCRIÇÃO

Há alguns fatores que implicam na impossibilidade de se reconhecer ter havido prescrição dos crimes de tortura e de assassinato praticados pelos agentes da ditadura. Vejamos abaixo.
por CYRO SAADEH

PELA ESCOLHA DA AÇÃO

Caso a reparação adote a propositura de ação civil pública, será imprescritível, consoante o entendimento já adotado pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça.

“A ação civil pública é imprescritível, porquanto inexiste disposição legal prevendo o seu prazo prescricional, não se aplicando a ela os ditames previstos na Lei nº 4.717/65, específica para a ação popular (STJ – 1ª T, REsp 586.248, rel. Min. Francisco Falcão, j. 6.4.06, negaram provimento, v.u., DJU 4.5.06, p 135)”.
(Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, Theotonio Negrão e José Roberto F. Gouvêa, 39ª edição, 2007, Saraiva, nota “2.a” ao artigo 1º da Lei nº 7.347/1985)

“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LITISCONSÓRCIO PASSIVO. DESNECESSIDADE. CABIMENTO DA AÇÃO. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. BENEFÍCIO CONCEDIDO DE FORMA IRREGULAR. DANO AO ERÁRIO PÚBLICO. PRAZO PRESCRICIONAL. OMISSÃO NA LEGISLAÇÃO DA AÇÃO CIVIL. PRAZO VINTENÁRIO.
I - Descabido o litisconsórcio passivo com o Prefeito e vereadores que, à época, teriam aprovado a Lei Municipal que culminou por conceder benefício de forma irregular à ré na ação civil movida pelo Ministério Público Estadual, por não se subsumir à hipótese do art. 47 do CPC, sendo partes somente a benefíciária e a Prefeitura.
II - É pacífico o entendimento desta Corte no sentido de ser o Ministério Público legítimo para propor ação civil pública na hipótese de dano ao erário, uma vez que se apresenta como defesa de um interesse público.
III - A ação de ressarcimento de danos ao erário não se submete a qualquer prazo prescricional, sendo, portanto, imprescritível.
IV - Recurso improvido. (REsp nº 810.785/SP, Rel. Min. FRANCISCO FALCÃO, DJ de 25.05.2006, p. 184).

“MÉRITO. IMPRESCRITIBILIDADE DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA RESSARCITÓRIA.
"A ação de ressarcimento de danos ao erário não se submete a qualquer prazo prescricional, sendo, portanto, imprescritível.
(REsp 705.715/SP, Rel. Min. Francisco Falcão, Primeira Turma, julgado em 2.10.2007, DJe 14.5.2008).
(REsp 810785/SP, Rel. MIn. FRANCISCO FALCÃO, DJ 25.05.2006 p. 184).

Também considera-se a ação declaratória como imprescritível (RJTJESP 103/185). E caso seja ela a escolhida, também não sofrerá os efeitos da prescrição.
O Tribunal Regional Federal da 3ª Região já se manifestou pela imprescritibilidade da ação declaratória em diversos julgados: Apelação Cível nº 342573- SP, 4ª Turma, relatora Desembargadora Federal Alda Basto; Apelação Cível nº 985499, 4ª Turma, rel. Desembargadora Federal Alda Basto; Apelação Cível: 96.03.072574-9, 5ª Turma, rel. Juíza Convocada Alda Caminha; Apelação Cível 94.03.050421-8, 1ª Turma, rel. Desembargador Federal Pedro Rotta; e Apelação Cível 94.03. 044161-5, 1ª Turma, rel. Desembargador Federal Pedro Rotta.
O mesmo entendimento vem sendo seguido pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça: 5ª Turma, Recurso Especial REsp 323381 / MG, 2001/0056948-3, rel. Min. José Arnaldo da Fonseca;

ADMINISTRATIVO. SERVIDORA ESTADUAL. ESTABILIDADE. AÇÃO DECLARATÓRIA. PRESCRIÇÃO. NÃO INCIDÊNCIA.
-A doutrina e a jurisprudência são unânimes em afirmar o entendimento de que a ação puramente declaratória é imprescritível.
- Objetivando a demanda a proclamação judicial da existência de um direito que foi mal interpretado pela Administração, qual seja o de que a autora detém tempo necessário de serviço para obtenção da estabilidade prevista na Carta Magna, caracteriza-se a atividade jurisdicional de efeito meramente declaratório.
- Recurso especial não conhecido.
(STJ, 6ª Turma, REsp 407005 / MG – Recurso Especial 2002/0008913-8, rel. Min. Vicente Leal)

O estudioso magistrado paulista Gustavo Santini Teodoro citou em sua histórica Sentença proferida na Ação Declaratória proposta pela família Almeida Teles em face de Carlos Alberto Brilhante Ustra (processo nº 583.00.2005.202853-5), importante julgado do Colendo Superior Tribunal de Justiça (1ª Turma, AR no REsp/MG nº 616.348, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, j. 14/12/04, v.u.):

“A doutrina processual clássica assentou o entendimento da imprescritibilidade da ação declaratória “baseada em que (a) a prescrição tem como pressuposto necessário a existência de um estado de fato contrário e lesivo ao direito e em que (b) tal pressuposto é inexistente e incompatível com a ação declaratória, cuja natureza é eminentemente preventiva. Entende-se, assim, que a ação declaratória (a) não está sujeita a prazo prescricional quando seu objeto for, simplesmente, juízo de certeza sobre a relação jurídica, quando ainda não transgredido o direito; todavia, (b) não há interesse jurídico em obter tutela declaratória quando, ocorrida a desconformidade entre estado de fato e estado de direito, já se encontra prescrita a ação destinada a obter a correspondente tutela reparatória.” Do corpo do v. acórdão, extraem-se estas lições: “Realmente, segundo Chiovenda (a quem se atribui a formulação da doutrina da imprescritibilidade), ‘o autor que requer uma sentença declaratória não pretende conseguir atualmente um bem da vida que lhe seja garantido por vontade da lei, seja que o bem consista numa prestação do obrigado, seja que consista na modificação do estado jurídico atual (...); pleiteia no processo a certeza jurídica e nada mais" (Instituições de Direito Processual Civil, Vol. 1, Bookseller Editora e Distribuidora, 1998, p. 260). Justamente por isso, a doutrina clássica acentua o caráter tipicamente preventivo das ações declaratórias. Não são lides de dano, mas de probabilidade de dano, dizia Carnellutti (Derecho Y Proceso, trad. Santiago Sentis Melendo, Ed. Jurídicas Europa-América, Buenos Aires, vol. I, p. 67). Nessas ações, ensinava Calamandrei, a declaração de certeza refere-se ao preceito primário, ‘ainda não transgredido, mas incerto’, e não ao mandado sancionatório, que supõe a ocorrência da lesão; é, portanto, ação destinada a ‘prevenir os atos ilegítimos’ e ‘dar às partes uma regra para sua conduta futura’ (Instituciones de Derecho Procesal Civil, trad. de Santiago Sentis Melendo, Ed. Bibliográfica Argentina, 1945, vol. I, p. 152/3 e 168). Assim, segundo os padrões tradicionais, nas lides que fazem surgir interesse de mera declaração fica caracterizado o caráter preventivo da correspondente tutela jurisdicional. Sua origem está, não no descumprimento da obrigação, mas sim na dúvida a respeito da existência da relação jurídica, ou do seu modo de ser ou, quem sabe, do conteúdo da prestação ou da sanção que, no futuro, poderá ser exigida. Ora, esclarecia Chiovenda, ‘de ordinario no hay prescripción donde no hay un estado de hecho, en sentido estricto, diverso de aquel que corresponde al derecho, a consolidar, o un estado jurídico imperfecto a sanar (...) Así se comprende también por qué las acciones de declaración de mera certeza son imprescriptibles’ (‘Ensayos de Derecho Procesal Civil’, vol I, Bosch y Cía. Editores, 1949, p. 32). O mesmo raciocínio veio em outro de seus textos: ‘Há, todavia, ações imprescritíveis. Assim, (...) em geral as ações de mera declaração, porquanto não se destinam a fazer cessar um estado de fato contrário, em sentido próprio, mas a declarar qual é o estado de fato conforme ao direito, fazendo cessar a propósito o estado de incerteza (...). No silêncio da lei deve reputar-se imprescritível, ou não, uma ação, consoante se proponha ou não fazer cessar um estado de fato contrário ao direito ou um estado jurídico viciado (por exemplo, por vício da vontade, de forma ou outro) (‘Instituições’, cit. p. 50). Foi nesse ambiente que a tese da imprescritibilidade da ação declaratória aportou em nosso sistema. Ilustrativa, no particular, a resenha de Agnelo Amorin Filho, em texto publicado em 1960, (‘Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis’, Revista dos Tribunais, vol. 300, out./1960, p. 7-37), segundo a qual ‘os vários autores que se dedicaram à análise do termo inicial da prescrição fixam esse termo, sem discrepância, no nascimento da ação (‘actio nata’), determinado, tal nascimento, pela violação de um direito. Savigny, por exemplo, no capítulo da sua monumental obra dedicada ao estudo das condições da prescrição inclui, em primeiro lugar, a ‘actio nata’, e acentua que esta se caracteriza por dois elementos: a) existência de um direito atual, suscetível de ser reclamado em juízo; e b) violação desse direito (...) Opinando no mesmo sentido, podem ser citados vários outros autores, todos mencionando aquelas duas circunstâncias, que devem ficar bem acentuadas (o nascimento da ação como termo inicial da prescrição, e a lesão ou violação de um direito como fato gerador da ação): De Ruggiero, 'Instituições de Direito Civil', vol. 1º, págs. 324 e 325; Carpenter, 'Da Prescrição', pág. 269 da 1ª ed.; Von Tuhr, 'Derecho Civil', vol. 3º, tomo 2º, pág. 202, da trad. cast.; Ennecerus-Kipp e Wolf, 'Tratado de Derecho Civil', tomo 1º, vol. 2º, pág. 510 da trad. cast.; Ebert Chamoun, 'Instituições de Direito Romano', pág. 68; Pontes de Miranda, 'Tratado de Direito Privado', vol. VI, pág. 114; Lehmann, 'Tratado de Derecho Civil', vol. 1º, pág. 510, da tradução castelhana " (p. 18/19). ‘Desse modo’, prossegue Agnelo Amorin Filho, ‘fixada a noção de que a violação do direito e o início do prazo prescricional são fatos correlatos, que se correspondem como causa e efeito, e articulando-se tal noção com aquela classificação dos direitos formulada por Chiovenda, concluir-se-á, fácil e irretorquivelmente, que só os direitos da primeira categoria (isto é, os 'direitos a uma prestação'), conduzem à prescrição, pois somente eles são suscetíveis de lesão ou de violação, conforme ficou amplamente demonstrado. (...) Por via de conseqüência, chegar-se-á, então, a uma segunda conclusão importante: só as ações condenatórias podem prescrever, pois são elas as únicas ações por meio das quais se protegem os direitos suscetíveis de lesão, isto é, os da primeira categoria da classificação de Chiovenda’ (p. 19/20). E conclui o mesmo autor, mais adiante: ‘Ora, as ações declaratórias nem são meio de proteção ou restauração de direitos lesados, nem são, tampouco, meio de exercício de quaisquer direitos (criação, modificação ou extinção de um estado jurídico) (...). Daí é fácil concluir que o conceito de ação declaratória é visceralmente inconciliável com os institutos da prescrição e da decadência: as ações desta espécie não estão, e nem podem estar, ligadas a prazos prescricionais ou decadenciais. Realmente, como já vimos, o objetivo da prescrição é liberar o sujeito passivo de uma prestação, e o da decadência, o de liberá-lo da possibilidade de sofrer uma sujeição. Ora, se as ações declaratórias não têm o efeito de realizar uma prestação, nem tampouco o de criar um estado de sujeição, como ligar essas ações a qualquer dos dois institutos em análise?’ (p. 25/26). Compreensível, portanto, à luz de tais padrões clássicos, a doutrina da imprescritibilidade da ação declaratória. Entretanto, é importante dar à tese os seus adequados limites, a fim de torná-la compatível com o atual sistema processual brasileiro. Como se sabe, o Código de 1973, no parágrafo único do art. 4º, traz dispositivo segundo o qual ‘é admissível a ação declaratória ainda que tenha ocorrido a violação do direito”. Ao assim estabelecer, dá ensejo a que a sentença, agora, possa fazer juízo, não apenas sobre o ‘mandado primário ainda não transgredido’, como restringia a doutrina clássica, mas também sobre o da ‘mandado sancionatório’ , permitindo juízo de definição inclusive a respeito da exigibilidade da prestação devida. Isso representa, sem dúvida, um comprometimento do padrão clássico de tutela puramente declaratória (especialmente com seu caráter de tutela tipicamente preventiva), circunstância que não pode ser desconsiderada pelo intérprete do Código. Quando isso ocorre (ou seja, quando a ação declaratória diz respeito a relação jurídica decorrente de lesão a direito, ou de descumprimento da obrigação ou de outro qualquer estado de fato desconforme ao direito), é insustentável a tese da imprescritibilidade. Ocorrida a lesão, desencadeia-se o curso de prazo prescricional da ação, qualquer que seja a natureza da pretensão que nela se formula. Nosso atual Código Civil traz esse enunciado de modo expresso, em seu artigo 189: ‘Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206’. Aliás, essa circunstância não passou desapercebida nem mesmo para a doutrina clássica, valendo repetir o que escreveu Chiovenda: ‘No silêncio da lei deve reputar-se imprescritível, ou não, uma ação, consoante se proponha ou não fazer cessar um estado de fato contrário ao direito ou um estado jurídico viciado (por exemplo, por vício da vontade, de forma ou outro)’ (‘Instituições’, cit. p. 50). Conforme referiu Agnelo Amorin Filho, levando em consideração a possibilidade de ação declaratória ter por objeto direitos ‘de uma das outras duas categorias de ações (condenatórias ou constitutivas) (...) acentuam Chiovenda ('Ensayos de derecho procesal civil', 1/129 da trad. cast.) e Ferrara ('A simulação dos negócios jurídicos', pág. 458 da trad. port.), que quando a ação condenatória está prescrita, não é razão para se considerar também prescrita a correspondente ação declaratória, e sim para se considerar que falta o interesse de ação para a declaração da certeza’ (op. cit., p. 26). Em suma, a tese da imprescritibilidade deve ser compreendida nos seguintes termos: a ação declaratória não está sujeita a prazo prescricional se o seu objeto for, simplesmente, juízo de certeza sobre a relação jurídica, quando ainda não transgredido o direito. Todavia, não há interesse jurídico em obter tutela declaratória quando, ocorrida a violação (= a desconformidade entre estado de fato e estado de direito), já se encontra prescrita a ação destinada a obter a correspondente tutela reparatória.”

O jurista Agnelo Amorim Filho, em seu artigo “Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis”, publicado na Revista dos Tribunais, São Paulo, nº 300, 1960, p. 25, espanca qualquer dúvida ao esclarecer que:

“O conceito de ação declaratória é visceralmente inconciliável com os institutos da prescrição e da decadência: as ações desta espécie não estão, e nem podem estar, ligadas a prazos prescricionais ou decadenciais.”


POR TRATAR-SE DE CRIME CONTRA A HUMANIDADE


Outro motivo de imprescritibilidade decorre do fato da tortura ou do assassinato por motivação política implicar na prática de crime contra a humanidade.

A Jurisprudência nacional tem acolhido o entendimento de que em tais hipóteses não incidirá o prazo prescricional.

“CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - PRISÃO E TORTURA DURANTE REGIME MILITAR - INOCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO QUANTO AO FUNDO DE DIREITO - PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - PRESCRIÇÃO - INOCORRÊNCIA. 1. Desnecessária a intimação dos "apelados" para contra-razões. O indeferimento da petição inicial, antes da formação da relação jurídica processual, com fundamento no artigo 295, IV do Código de Processo Civil, afasta o disposto no artigo 518 do mesmo diploma legal. 2. Inaplicável a prescrição prevista no Decreto nº 20.910/32 aos casos em se postula indenização por danos morais por vítima de prisão e tortura pelos agentes do Governo Militar. A referida norma se aplica tão-somente para as situações de normalidade quando não há violação aos direitos fundamentais protegidos pela Declaração Universal dos Direitos do Homem e pela Constituição Federal. 3. O Superior Tribunal de Justiça manifestou-se no sentido de que o artigo 14 da Lei nº 9.140/95 não restringiu seu alcance apenas aos desaparecidos políticos. Pelo contrário, ele abrangeu todas as ações indenizatórias decorrentes de atos arbitrários do regime militar, incluindo-se aí os que sofreram constrições à sua locomoção e sofreram torturas durante a ditadura militar. 4. O dano noticiado, caso seja provado, atinge o mais consagrado direito à cidadania: o de respeito pelo Estado à vida e de respeito à dignidade humana. O delito de tortura é hediondo. A imprescritibilidade deve ser a regra quando se busca indenização por danos morais conseqüentes de sua prática. 5. Não se há de confundir os danos morais (que são imprescritíveis) com os danos materiais e financeiros decorrentes da reparação, os quais encontram limites na incidência do Decreto nº 20.910/32. 6. Apelação provida para afastar a prescrição pronunciada de ofício e determinar a remessa dos autos à origem para processamento regular do feito”.
(TRF 3ª Região - 6ª Turma - Apelação Cível/SP 1266653 – proc 2006.61.00.026154-6 – SP – Relator: Juiz Convocado Miguel Di Pierro)

“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. INDENIZAÇÃO. REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. REGIME MILITAR. PERSEGUIÇÃO, PRISÃO E TORTURA POR MOTIVOS POLÍTICOS. IMPRESCRITIBILIDADE. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. INAPLICABILIDADE DO ART. 1.º DO DECRETO N.º 20.910/32.
1. A violação aos direitos humanos ou direitos fundamentais da pessoa humana, como sói ser a proteção da sua dignidade lesada pela tortura e prisão por delito de opinião durante o Regime Militar de exceção enseja ação de reparação ex delicto imprescritível, e ostenta amparo constitucional no art. 8.º, § 3.º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
2. A tortura e morte são os mais expressivos atentados à dignidade da pessoa humana, valor erigido como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil”.
(...)
“4. À luz das cláusulas pétreas constitucionais, é juridicamente sustentável assentar que a proteção da dignidade da pessoa humana perdura enquanto subsiste a República Federativa, posto seu fundamento.
5. Consectariamente, não há falar em prescrição da pretensão de se implementar um dos pilares da República, máxime porque a Constituição não estipulou lapso prescricional ao direito de agir, correspondente ao direito inalienável à dignidade.
6. Outrossim, a Lei n.º 9.140/95, que criou as ações correspondentes às violações à dignidade humana, perpetradas em período de supressão das liberdades públicas, previu a ação condenatória no art. 14, sem cominar prazo prescricional, por isso que a lex specialis convive com a lex generalis, sendo incabível qualquer aplicação analógica do Código Civil ou do Decreto n.º 20.910/95 no afã de superar a reparação de atentados aos direitos fundamentais da pessoa humana, como sói ser a dignidade retratada no respeito à integridade física do ser humano.
7. À lei interna, adjuntam-se as inúmeras convenções internacionais
firmadas pelo Brasil, como, v.g., Declaração Universal da ONU, Convenção contra a Tortura adotada pela Assembléia Geral da ONU, a Convenção Interamericana contra a Tortura, concluída em Cartagena, e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica).
8. A dignidade humana violentada, in casu, posto ter decorrido, consoante noticiado pelo autor da demanda em sua exordial, de perseguição política que lhe fora imposta, prisão e submissão a atos de tortura durante o Regime Militar de exceção, revelando-se referidos atos como flagrantes atentados aos mais elementares dos direitos humanos, que segundo os tratadistas, são inatos, universais, absolutos, inalienáveis e imprescritíveis.
9. A exigibillidade a qualquer tempo dos consectários às violações dos direitos humanos decorre do princípio de que o reconhecimento da dignidade humana é fundamento da liberdade, da justiça e da paz, razão por que a Declaração Universal inaugura seu regramento superior estabelecendo no art. 1.º que "todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos".
10. Deflui da Constituição Federal que a dignidade da pessoa humana é premissa inarredável de qualquer sistema de direito que afirme a existência, no seu corpo de normas, dos denominados direitos fundamentais e os efetive em nome da promessa da inafastabilidade da jurisdição, marcando a relação umbilical entre os direitos humanos e o direito processual.
11. O egrégio STJ, em oportunidades ímpar de criação jurisprudencial, vaticinou:
"ADMINISTRATIVO. ATIVIDADE POLÍTICA. PRISÃO E TORTURA. INDENIZAÇÃO.
LEI Nº 9.140/1995. INOCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO. REABERTURA DE PRAZO.
1. Ação de danos morais em virtude de prisão e tortura por motivos políticos, tendo a r. sentença extinguido o processo, sem julgamento do mérito, pela ocorrência da prescrição, nos termos do art. 1º, do Decreto nº 20.910/1932. O decisório recorrido entendeu não caracterizada a prescrição.
2. Em casos em que se postula a defesa de direitos fundamentais, indenização por danos morais decorrentes de atos de tortura por motivo político ou de qualquer outra espécie, não há que prevalecer a imposição qüinqüenal prescritiva.
3. O dano noticiado, caso seja provado, atinge o mais consagrado direito da cidadania: o de respeito pelo Estado à vida e de respeito à dignidade humana. O delito de tortura é hediondo. A imprescritibilidade deve ser a regra quando se busca indenização por danos morais conseqüentes da sua prática.
4. A imposição do Decreto nº 20.910/1932 é para situações de normalidade e quando não há violação a direitos fundamentais protegidos pela Declaração Universal dos Direitos do Homem e pela Constituição Federal.
5. O art. 14, da Lei nº 9.140/1995, reabriu os prazos prescricionais no que tange às indenizações postuladas por pessoas que, embora não desaparecidas, sustentem ter participado ou ter sido acusadas de participação em atividades políticas no período de 02 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979 e, em conseqüência, tenham sido detidas por agentes políticos.
6. Inocorrência da consumação da prescrição, em face dos ditames da Lei nº 9.140/1995. Este dispositivo legal visa a reparar danos causados pelo Estado a pessoas em época de exceção democrática. Há de se consagrar, portanto, a compreensão de que o direito tem no homem a sua preocupação maior, pelo que não permite interpretação restritiva em situação de atos de tortura que atingem diretamente a integridade moral, física e dignidade do ser humano.
7. Recurso não provido. Baixa dos autos ao Juízo de Primeiro Grau."
(REsp n.º 379.414/PR, Primeira Turma, Rel. Min. José Delgado, DJU de17/02/2003)
12. Recurso especial provido, para afastar in casu a aplicação da norma inserta no art. 1.º do Decreto n.º 20.910/32, determinando-se o retorno dos autos à instância de origem, para que se dê regular prosseguimento ao feito indenizatório”.
(STJ – 1ª Turma, REsp 816209 / RJ - RECURSO ESPECIAL 2006/0022932-1, Rel. Min. Luiz Fux)

“2. No que diz respeito à prescrição, já pontuou esta Corte que a prescrição qüinqüenal prevista no art. 1º do Decreto-Lei n. 20.910/32 não se aplica aos danos morais decorrentes de violação de direitos da personalidade, que são imprescritíveis, máxime quando se fala da época do Regime Militar, quando os jurisdicionados não podiam buscar a contento as suas pretensões.
3. Entende-se, assim, que a morte decorrida da tortura no Regime Militar é fato tão sério e que viola em tamanha magnitude os direitos da personalidade, que as pretensões que buscam indenização a títulos de danos morais são imprescritíveis, dada a dificuldade, ou a impossibilidade de serem validadas na época, sendo que apenas se aplica o lustro prescricional para as pretensões de indenização ou reparação de danos materiais.
4. A questão é controvertida na doutrina e, com ressalvas de meu posicionamento pessoal, ainda que não se abarcasse a tese da imprescritibilidade das pretensões que visam reparar/garantir a efetividade dos direitos fundamentais, baseada em um dos pilares da República, que é a dignidade humana, a pretensão da irmã do preso, torturado e morto pelo Regime Militar, no caso dos autos, também não estaria prescrita”.
(STJ – 2ª Turma, REsp 1002009/PE, RECURSO ESPECIAL 2007/0257873-9, Rel. Min. Humberto Martins)

“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. INDENIZAÇÃO. REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. REGIME MILITAR. DISSIDENTE POLÍTICO PRESO E PERSEGUIDO NA ÉPOCA DO REGIME MILITAR. NÃO-INCIDÊNCIA DA PRESCRIÇÃO QÜINQÜENAL. ART. 1º DO DECRETO 20.910/1932. IMPRESCRITIBILIDADE.
1. A jurisprudência do STJ é firme no sentido de que a prescrição qüinqüenal prevista no art. 1º do Decreto 20.910/1932 não se aplica aos danos decorrentes de violação de direitos da personalidade, que são imprescritíveis. Ofensa ocorrida na época do Regime Militar, quando os jurisdicionados não podiam deduzir a contento as suas pretensões”.
(STJ, 2ª Turma, REsp 1033367/RN, Recurso Especial 2008/0036624-2, Rel. Min. Herman Benjamin)

“São imprescritíveis as ações de reparação de dano ajuizadas em decorrência de perseguição, tortura e prisão, por motivos políticos, durante o Regime Militar, afastando, por conseguinte, a prescrição qüinqüenal prevista no art. 1º do Decreto 20.910/32. Isso, porque as referidas ações referem-se a período em que a ordem jurídica foi desconsiderada, com legislação de exceção, havendo, sem dúvida, incontáveis abusos e violações dos direitos fundamentais, mormente do direito à dignidade da pessoa humana.
(STJ, 1ª Turma, AgRg no Ag 970753 / MG, Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 2007/0258271-3, rel. Min. Denise Arruda).
“Em se tratando de direitos fundamentais, das duas uma, ou deve a ação ser tida como imprescritível ou, quando menos, ser observado o prazo comum prescricional do direito civil, a menos que se queira fazer tábula rasa do novo Estado de Direito inaugurado, notadamente, a partir da atual Constituição Federal.”
(...)
“Na lição de Alexandre de Moraes, os direitos humanos fundamentais são ‘o conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana’ (‘Direitos Humanos Fundamentais’, 4ª ed., Atlas, São Paulo, 2002, p. 39). Em se tratando de lesão à integridade física, que é um direito fundamental, ou se deve entender que esse direito é imprescritível, pois não há confundi-lo com seus efeitos patrimoniais reflexos e dependentes, ou a prescrição deve ser a mais ampla possível, que, na ocasião, nos termos do artigo 177 do Código Civil então vigente, era de vinte anos. (...) Como bem assevera José Afonso da Silva, ‘o exercício de boa parte dos direitos fundamentais ocorre só no fato de existirem reconhecidos na ordem jurídica. Em relação a eles não se verificam requisitos que importem em sua prescrição. Vale dizer, nunca deixam de ser exigíveis. (...) Se são sempre exercíveis e exercidos, não há intercorrência temporal de não exercício que fundamente a perda da exigibilidade pela prescrição’ (‘Curso de Direito Constitucional’, 21ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 181). (...) A respeito do tema, a colenda Primeira Turma desta egrégia Corte, no julgamento de questão atinente à responsabilidade civil do Estado por prática de tortura no período militar, salientou que, ‘em casos em que se postula a defesa de direitos fundamentais, indenização por danos morais decorrentes de atos de tortura por motivo político ou de qualquer outra espécie, não há que prevalecer a imposição qüinqüenal prescritiva’. Nesse diapasão, concluiu que ‘a imposição do Decreto nº 20.910/1932 é para situações de normalidade e quando não há violação a direitos fundamentais protegidos pela Declaração Universal dos Direitos do Homem e pela Constituição Federal’ (REsp 379.414/PR, Rel. Min. José Delgado, DJ 17.02.2003). No mesmo sentido, vide o REsp 476.549/RJ, voto proferido em 08.04.2003, e o REsp 449.000/PE, DJ 30.06.2003, da relatoria deste signatário.”
(STJ, Segunda Turma, rel. Ministro Franciulli Netto, Recurso Especial nº 602.237 – PB, j. 05 de agosto de 2004, v.u.)

“Sob a égide da Constituição de 88, inaugurou-se no Brasil uma nova visão do fenômeno jurídico, dando-se primazia aos princípios constitucionais, de forma a estar o magistrado autorizado a afastar a lei ordinária, se esta colidir com algum princípio da Lei Maior. Como a Carta da República tem como um dos seus princípios fundamentais a preservação da dignidade da pessoa humana, tem-se sustentado a imprescritibilidade do direito à recomposição material ou moral, quando a lesão é causada por ato político, o qual deixa a vítima inteiramente à mercê do Estado. Daí o reconhecimento da imprescritibilidade da ação de indenização dos que sofreram tortura ou outro dano qualquer por ato praticado durante o governo revolucionário de 1964, diante da fragilidade da vítima para se insurgir contra o Estado. O entendimento acima expresso, entretanto, por se constituir em visão excepcional, tem aplicação restrita, não podendo ser estendido a todos os episódios em que houver lesão à2 vida, mesmo sendo esta o bem maior, acima de todos os demais direitos. (...)”
(STJ, rel. Ministra Eliana Calmon, Recurso Especial nº 602.237 – PB)

EM RAZÃO DAS AÇÕES DE GRUPOS ARMADOS CONTRA A CONSTITUIÇÃO E A DEMOCRACIA

O mais contundente fator contra a incidência da prescrição nos casos em estudo (tortura e assassinatos decorrentes de perseguição política) vem disposto na própria Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso XLIV, que prevê a imprescritibilidade das ações de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.
Ora, se os referidos atos ilícitos - cíveis e criminais - tornaram-se imprescritíveis a partir de 1988, a questão é saber quais fatos praticados durante a ditadura estão imprescritíveis.
Em casos de homicídio, cuja pena máxima pode atingir 20 anos (art. 121, “caput”, do Código Penal), a prescrição ocorreria em 20 anos, já que o máximo da pena é superior a 12 anos, consoante o art. 109 do Código Penal.
Assim, se os fatos ocorreram antes de 05 de outubro de 1968, estarão prescritos, pois alcançaram os 20 anos de prescrição antes do advento da Constituição. Porém, os homicídios por motivação política praticados após 06 de outubro de 1968, inclusive, graças à previsão Constitucional de imprescritibilidade, tornaram-se, a partir da promulgação da Constituição de 1988, imprescritíveis.
E a ação dos policiais que integravam a OBAN, o DOI-CODI e a OPERAÇÃO CONDOR eram verdadeiros grupos que, em nome do Estado, torturavam e matavam, afrontando a Constituição de 1969, então vigente, que previa expressamente em seu artigo 153:

“Art. 153. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:” (...)
“§ 6º Por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, ninguém será privado de qualquer de seus direitos, salvo se o invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta, caso em a lei poderá determinar a perda dos direitos incompatíveis com escusa de consciência”.
“§ 11 - Não haverá pena de morte, de prisão perpétua, nem de banimento. Quanto à pena de morte, fica ressalvada a legislação penal aplicável em caso de guerra externa. A lei disporá sobre o perdimento de bens por danos causados ao erário ou no caso de enriquecimento no exercício de função pública”. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 11, de 1978)
“§ 12. Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita de autoridade competente. A lei disporá sobre a prestação de fiança. A prisão ou detenção de qualquer pessoa será imediatamente comunicada ao juiz competente, que relaxará, se não for legal”.
“§ 14. Impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral do detento e do presidiário”.

O mandamento Constitucional era claro e direto, consistindo-se em norma de efeito cogente.
As prisões ilegais, torturas e assassinatos atentavam contra a liberdade de expressão, de pensamento, de locomoção e ao bem maior da vida. O próprio regime ditatorial vigente à época não admitia de forma expressa assassinatos ou torturas, tampouco a Constituição Federal da própria ditadura militar.
A OBAN, o DOI-CODI e a OPERAÇÃO CONDOR eram o símbolo do golpe da extrema direita dentro do golpe de 1964 e visavam vilipendiar valores consagrados pelo ordenamento jurídico então vigente.
E os dissimulados agentes da OPERAÇÂO CONDOR, segundo alegam alguns jornalistas, historiadores, integrantes da repressão e do sistema de inteligência, praticavam assassinatos, como os que teriam, em tese, ocorrido com Jango, Lacerda e JK.
Assim, os atos desses grupos oficiais e paramilitares que extrapolavam qualquer ordem legal e que afrontavam não só a Ordem Constitucional, mas a própria democracia, devem ser consideradas como ações de grupos armados contra a Constituição e o Estado de Direito, e portanto imprescritíveis.

Para refletir:

Para viver, sinta, sonhe e ame.
Não deseje apenas coisas materiais.
Deseje o bem e multiplique as boas ações.
Sorria, sim. Mas ame mais.

Ame a si, aos outros, a quem está próximo e distante.
Ame quem errou e quem acertou.
Não diferencie.

O amor não julga. O amor não pune. O amor aceita.
Pense nisso e aceite a vida.

Vamos brincar com as palavras?



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