O
mundo vem enfrentando a gravíssima pandemia do sars-cov-2, que causa a Covid-19,
desde o final de 2019. O Brasil, em especial, começou a se preocupar com essa doença
a partir de fevereiro de 2020,
quando foi promulgada a Lei 13.979/2020,
que dispôs sobre as medidas para o enfrentamento da emergência de saúde pública
de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto
de 2019 e estabeleceu em seu artigo 3º uma série de medidas que poderiam ser adotadas, como isolamento, quarentena, sem prejuízo de outras que restassem necessárias.
Art.
3º Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância
internacional decorrente do coronavírus, poderão ser adotadas, entre outras, as seguintes
medidas:
I
- isolamento;
II
- quarentena;
III
- determinação de realização compulsória de:
a)
exames médicos;
b)
testes laboratoriais;
c)
coleta de amostras clínicas;
d)
vacinação e outras medidas profiláticas; ou
e)
tratamentos médicos específicos;
IV
- estudo ou investigação epidemiológica;
V
- exumação, necropsia, cremação e manejo de cadáver;
VI
- restrição excepcional e temporária de entrada e saída do País, conforme
recomendação técnica e fundamentada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa), por rodovias, portos ou aeroportos;
VII
- requisição de bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas, hipótese em
que será garantido o pagamento posterior de indenização justa; e
VIII
- autorização excepcional e temporária para a importação de produtos sujeitos à
vigilância sanitária sem registro na Anvisa, desde que:
a)
registrados por autoridade sanitária estrangeira; e
b)
previstos em ato do Ministério da Saúde.
Ou
seja, além das diversas medidas previstas nos incisos I a VIII do artigo 3º da
citada lei, a autoridade sanitária
pode determinar outras medidas, como previsto no “caput” do artigo, desde que
atenda ao disposto no parágrafo primeiro, do citado artigo
3º, ou seja, desde que se fundamente em evidências científicas e em análises
sobre informações estratégicas em saúde, sendo limitadas no tempo e no espaço
ao mínimo indispensável à promoção e à preservação da saúde pública.
§
1º As medidas previstas neste artigo somente poderão ser determinadas com base
em evidências científicas e em análises sobre as informações estratégicas em
saúde e deverão ser limitadas no tempo e no espaço ao mínimo indispensável à
promoção e à preservação da saúde pública.
Atualmente, ao mesmo tempo em que o mundo enfrenta o surgimento de novas cepas e variantes mais contagiosas e possivelmente mais graves, a Europa enfrenta a 3ª e 4ª ondas do covid-19 e o Brasil vê o agravamento da crise sanitária, com UTIs públicas e privadas lotadas, falta de insumos hospitalares, falta de oxigênio hospitalar, vacinação precária e o aumento do número de mortos que chegam a superar a casa dos três milhares ao dia. É de assustar! O número de mortos pela Covid-19 em um ano, no Brasil, possivelmente se iguala ao número total de brasileiros mortos em guerras ao longo dos nossos 500 anos de história (Brasil Colônia, Monarquia e República). Os noticiários de agosto do ano passado, quando o número de mortos era de um terço do atual, ou seja, de 100 mil mortos, já destacavam que esse número já superava o total de mortos somados na sangrenta guerra do Paraguai e na gripe espanhola.
Essa situação dramática de saúde tem obrigado as autoridades sanitárias a adotarem medidas às vezes impopulares pelo mundo afora, como o fizeram Israel e Chile, com toque de recolher rigoroso, este último adotando-o por um ano seguido, note-se bem. Tudo para evitar não só o agravamento da doença, mas o aumento do número de nacionais mortos.
E agora, com pessoas morrendo asfixiadas pela covid-19 enquanto esperam uma vaga nas UTIs superlotadas e o risco de um caos generalizado na saúde, os governos Municipais e Estaduais têm adotado medidas mais rigorosas, incluindo o toque de recolher, indevidamente chamado de “lockdown”, sendo este último uma medida mais extrema onde ninguém pode circular a qualquer momento do dia, como evidencia a matéria veiculada pela EBC, que consultou o jurista Acácio Miranda da Silva Filho, especialista em direito constitucional.
“lockdown”
O especialista explicou que no ”lockdown” o fechamento é completo e a saída da residência ocorre apenas em situações especiais. As pessoas ficariam com restrições 24h por dia. Apenas atividades essenciais, como de saúde e abastecimento, se mantêm abertas.
"De forma geral, no Brasil, nós não adotamos um ”lockdown” ainda", declarou.
Toque de recolher
No toque de recolher, há restrições de horários. Como regra, estabelece um ”lockdown” parcial. Em horário definido, as pessoas devem permanecer em casa e apenas serviços essenciais ficam abertos.
Tanto o toque de recolher, como a medida mais severa de “lockdown” são uma espécie de quarentena, pois impõem ao popular o dever de permanecer em sua residência, sem circular, em determinado horário.
A Portaria MS/GM 356/2020 regulamentou a Lei 13.979/2020 e dispôs no “caput” de seu artigo 4º que a medida de quarentena tem como objetivo garantir a manutenção dos serviços de saúde em local certo e determinado. A seguir, no próprio dispositivo e no art. 10, elencou os seus requisitos. Obviamente a questão de competência lá tratada não se aplica, já que, como visto, o Supremo Tribunal Federal já pacificou que as autoridades sanitárias de todas as esferas têm competência para as ações de saúde.
Art. 4º A medida de quarentena tem como objetivo garantir a manutenção dos serviços de saúde em local certo e determinado.
§ 1º A medida de quarentena será determinada mediante ato administrativo formal e devidamente motivado e deverá ser editada por Secretário de Saúde do Estado, do Município, do Distrito Federal ou Ministro de Estado da Saúde ou superiores em cada nível de gestão, publicada no Diário Oficial e amplamente divulgada pelos meios de comunicação.
§ 2º A medida de quarentena será adotada pelo prazo de até 40 (quarenta) dias, podendo se estender pelo tempo necessário para reduzir a transmissão comunitária e garantir a manutenção dos serviços de saúde no território.
§ 3º A extensão do prazo da quarentena de que trata o § 2º dependerá de prévia avaliação do Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública (COE-nCoV) previsto na Portaria nº 188/GM/MS, de 3 de fevereiro de 2020.
§ 4º A medida de quarentena não poderá ser determinada ou mantida após o encerramento da Declaração de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional.
(...)
Art. 10. Para a aplicação das medidas de isolamento e quarentena deverão ser observados os protocolos clínicos do coronavírus (COVID-19) e as diretrizes estabelecidas no Plano Nacional de Contingência Nacional para Infecção Humana novo Coronavírus (Convid-19), disponíveis no sítio eletrônico do Ministério da Saúde, com a finalidade de garantir a execução das medidas profiláticas e o tratamento necessário.
Assim, com base no art. 3º, caput e inc. II, da Lei n. 13.979/2020, c/c art. 4º da Portaria MS/GM n. 356/2020, desde que seja comprovada a transmissão comunitária em dado território, poderá a autoridade sanitária local, motivadamente, e “com base em evidências científicas e em análises sobre as informações estratégicas em saúde” (§ 1º do art. 3º da Lei n. 13.979/2020), adotar medida restritiva à circulação de pessoas em seu território.
As medidas preventivas, como o próprio toque de recolher e até mesmo o “lockdown”, espécies de quarentena, são consideradas prioritárias em relação à própria ação e serviço assistencial, segundo o artigo 9º do Código de Saúde do Estado de São Paulo.
Mais. A Lei Federal 13.979/2020, com a redação fornecida pela Lei 14.035/2020, relaciona algumas das medidas aplicáveis para o combate à pandemia do Covid-19 nos incisos de seu artigo 3º, mas prevê expressamente a ação de outras medidas em seu “caput”, como se verifica abaixo.
LEI Nº 13.979, DE 6 DE FEVEREIRO DE 2020
Art. 3º Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional de que trata esta Lei, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, entre outras, as seguintes medidas: (Redação dada pela Lei nº 14.035, de 2020)
I - isolamento;
II - quarentena;
III - determinação de realização compulsória de:
a) exames médicos;
b) testes laboratoriais;
c) coleta de amostras clínicas;
d) vacinação e outras medidas profiláticas; ou
e) tratamentos médicos específicos;
III-A – uso obrigatório de máscaras de proteção individual; (Incluído pela Lei nº 14.019, de 2020)
IV - estudo ou investigação epidemiológica;
V - exumação, necropsia, cremação e manejo de cadáver;
VI – restrição excepcional e temporária, por rodovias, portos ou aeroportos, de: (Redação dada pela Lei nº 14.035, de 2020)
a) entrada e saída do País; e (Incluído pela Lei nº 14.035, de 2020)
b) locomoção interestadual e intermunicipal; (Incluído pela Lei nº 14.035, de 2020)
VII - requisição de bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas, hipótese em que será garantido o pagamento posterior de indenização justa; e
VIII – autorização excepcional e temporária para a importação e distribuição de quaisquer materiais, medicamentos, equipamentos e insumos da área de saúde sujeitos à vigilância sanitária sem registro na Anvisa considerados essenciais para auxiliar no combate à pandemia do coronavírus, desde que: (Redação dada pela Lei nº 14.006, de 2020)
a) registrados por pelo menos 1 (uma) das seguintes autoridades sanitárias estrangeiras e autorizados à distribuição comercial em seus respectivos países: (Redação dada pela Lei nº 14.006, de 2020)
1. Food and Drug Administration (FDA); (Incluído pela Lei nº 14.006, de 2020)
2. European Medicines Agency (EMA); (Incluído pela Lei nº 14.006, de 2020)
3. Pharmaceuticals and Medical Devices Agency (PMDA); (Incluído pela Lei nº 14.006, de 2020)
4. National Medical Products Administration (NMPA); (Incluído pela Lei nº 14.006, de 2020)
b) ( revogada ). (Redação dada pela Lei nº 14.006, de 2020)
Ou seja, caso se considere toque de recolher e “lockdown” medidas diversas da quarentena, o que se faz apenas pelo amor à argumentação, o fato é que além daquelas medidas expressamente previstas na lei, as autoridades sanitárias poderão adotar quaisquer outras necessárias ao combate à pandemia do covid-19, sempre priorizando as medidas preventivas.
Uma pergunta se impõe. Essa limitação de circulação de pessoas e veículos, seja quarentena, toque de recolher ou “lockdown”, pode ser confundida com o Estado de Sítio?
O Estado de Sítio, que limita algumas garantias constitucionais, ou seja, que incide sobre direitos fundamentais consagrados, por ser medida extremada apresenta variados requisitos próprios e cabe somente em duas hipóteses, consoante o disposto no art. 137 da Constituição Federal: I) em caso de comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa ou II) em caso de declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira.
Art. 137. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, solicitar ao Congresso Nacional autorização para decretar o estado de sítio nos casos de:
I - comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa;
II - declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira.
Parágrafo único. O Presidente da República, ao solicitar autorização para decretar o estado de sítio ou sua prorrogação, relatará os motivos determinantes do pedido, devendo o Congresso Nacional decidir por maioria absoluta.
Como resta evidente, no caso não há declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira nem ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa ou caso de comoção grave de repercussão nacional que justifique a declaração excepcional do Estado de Sítio com seus inúmeros requisitos e prejuízos às garantias constitucionais.
Como explica o professor Manoel Gonçalves Ferreira Filho (in Curso de Direito Constitucional, ed. Saraiva, 22ª edição, págs. 288 e seguintes), o Estado de Sítio teve origem no direito francês e inicialmente era previsto para os casos de guerra, sendo depois estendido para as hipóteses de desordens internas, consistindo “na suspensão temporária e localizada de garantias constitucionais”. “O Estado de sítio suspende as garantias dos direitos fundamentais”, restringindo a liberdade de locomoção, a proibição da censura, a liberdade de expressão e a livre manifestação do pensamento, dentre outras garantias.
O mesmo doutrinador esclarece que, como “medida excepcional e perigosa”, o estado de sítio só deve ser declarado em circunstâncias excepcionais e graves, de perigo extremo para a própria ordem constitucional. Anoto que não há, com a Covid-19, um perigo extremo para a ordem Constitucional. Há, sim, um sério risco à saúde da população brasileira.
O mestre José Afonso da Silva, in “Curso de Direito Constitucional Positivo”, RT, 5ª edição, págs. 640 e seguintes, explana que as “causas do estado de sítio são as situações críticas que indicam a necessidade da instauração de correspondente legalidade de exceção (extraordinária) para fazer frente à anormalidade manifestada”. Segundo ele, “o estado de sítio consiste, pois, na instauração de uma legalidade extraordinária, por determinado tempo e em certa área (que poderá ser o território nacional inteiro), objetivando preservar ou restaurar a normalidade constitucional, perturbada por motivo de comoção grave de repercussão nacional ou por situação de beligerância com Estado estrangeiro”. “A decretação do estado de sítio importa, como primeira consequência, na substituição da legalidade constitucional comum por uma legalidade constitucional extraordinária”.
Já o Ministro Alexandre de Moraes, in “Direito Constitucional”, Atlas, 24ª edição, págs.799 e seguintes, explica que o Estado de Sítio apresenta maior gravidade ainda que o próprio Estado de Defesa, sendo cabível, no entanto, o controle da legalidade de sua aplicação e implementação.
Como se vê, os doutrinadores apresentam como requisito do Estado de Sítio a restauração da normalidade constitucional ou o risco à mesma. Não estando em risco a ordem constitucional, não será cabível o Estado de Sítio.
No caso do toque de recolher há uma restrição legal à circulação, com base em recomendações científicas para preservar a saúde, evitar a propagação do covid-19 e evitar tanto o aumento das mortes como de internações hospitalares e a consequente saturação dos hospitais.
A limitação imposta como comprovada medida de saúde não põe em risco a ordem constitucional. No caso, o que a justifica é o risco à própria saúde pública caso não seja adotada a medida de “toque de recolher”. É o imperativo de salvar vidas que a impõe.
A restrição de circulação em determinados horários, utilizada para diminuir a incidência da covid-19, não afeta a ordem Constitucional. A Constituição Federal não sofre, com isso, qualquer risco. O risco existente, como já foi realçado, é à saúde pública e ao bem maior consagrado na Constituição: o da vida humana, previsto na abertura do rol dos bens invioláveis do “caput” do artigo 5º da Constituição de nossa República.
Quanto às restrições ao direito de circular, elas existem no dia a dia e são diversas. Há a restrição imposta aos veículos em grandes cidades, seja em ruas determinadas ou em áreas mais amplas, normalmente em determinados horários. Há vias que não admitem em nenhuma hipótese a circulação de determinados veículos. Há também a restrição pelo Código de Trânsito Brasileiro de circulação de pessoas a pé e de bicicletas em determinadas vias e rodovias. Por imposição dos Juízes das Varas da Infância e da Juventude, crianças e adolescentes são proibidos de andar desacompanhados dos pais ou responsáveis durante a noite. Há também a proibição legal, imposta pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, de crianças viajarem desacompanhadas. Em áreas consideradas de segurança, a legislação proíbe que veículos não autorizados parem ou estacionem. Pessoas que não realizaram exames de detecção de covid-19 são proibidas de ingressar em diversos países, inclusive no Brasil. E nenhuma dessas restrições e privações, assim como o toque de recolher para evitar o agravamento da covid-19, pode se confundir com a medida excepcional de Estado de Sítio.
O site da Câmara Municipal de São Paulo, em matéria de 11 de março, apresenta as justificativas necessárias do Governo Estadual para a adoção das medidas mais restritivas:
Segundo o Governo do Estado, as medidas mais restritivas visam aumentar o distanciamento social, restringir a circulação das pessoas e, dessa forma, conter a disseminação do vírus na população, principalmente da variante P.1 (também conhecida como variante de Manaus), mais agressiva e mais perigosa.
A administração estadual destaca que as novas regras são necessárias, pois os hospitais do Estado estão chegando no limite máximo de ocupação de leitos de enfermaria e de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) e o sistema de saúde paulista pode colapsar caso o aumento de casos de Covid-19 não seja contido.
Dados oficiais do Governo do Estado mostram que, nesta quinta-feira, 53 municípios estão com 100% nas taxas de ocupação de leitos hospitalares para tratamento de pacientes com Covid-19. São Paulo registra, em média, 150 novas admissões nas unidades de terapia intensiva a cada dia. Na Cross (Central de Regulação de Ofertas de Serviços de Saúde), há 1.065 pacientes aguardando a regulação no sistema de saúde paulista. E hoje, cerca de 50% da ocupação dos leitos já é composta por pessoas com idade menor do que 50 anos.
Em relação à semana epidemiológica anterior, houve 12% de elevação do número de casos – e ainda faltam 48 horas para que a semana epidemiológica atual seja encerrada. Há uma crescente elevação no número de óbitos, que teve um incremento de 12,3% em relação à semana passada. Houve, ainda, uma elevação de 9,8% no registro de novos casos em relação à última semana.
Cabe observar que o Colendo Superior Tribunal de Justiça negou um “Habeas Corpus” impetrado para suspender o Decreto 20.240/2021 do Estado da Bahia que determinava restrições de circulação noturna em alguns municípios, como medida de enfrentamento à pandemia do novo coronavírus (HC 647228).
O Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais considerou válida a decisão do Governador de Minas Gerais de impor um toque de recolher, considerando-se que legislar sobre saúde é de competência concorrente da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, como entende o Colendo Supremo Tribunal Federal (Decisão 6523 – Suspensão de Liminar pela Presidência do TJMG – Ação Civil Pública 5004170- 34.2021.8.13.0105).
A recentíssima decisão do Ministro Marco Aurélio de indeferimento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 6764, proposta pelo Sr. Presidente da República contra os Senhores Governadores da Bahia, Distrito Federal e do Rio Grande do Sul. que através de Decretos Estaduais declararam o chamado “toque de recolher”, consagra a competência dos Senhores Governadores e Prefeitos, ao lado da Presidência da República, na condução da Saúde Pública.
ADI 6764
(...)
Eis o consentâneo com a Constituição Federal de 1988. Conforme ressaltei no exame da medida acauteladora na ação direta de inconstitucionalidade 6.341, redator do acórdão ministro Luiz Edson Fachin, acórdão publicado no Diário da Justiça eletrônico de 13 de novembro de 2020, há um condomínio, integrado por União, Estados, Distrito Federal e Municípios, voltado a cuidar da saúde e assistência pública - artigo 23, inciso II.
Ante os ares democráticos vivenciados, impróprio, a todos os títulos, é a visão totalitária. Ao Presidente da República cabe a liderança maior, a coordenação de esforços visando o bem-estar dos brasileiros.
Dentre outros fundamentos, o Sr. Presidente sustentava que o cerceamento à liberdade de locomoção somente poderia ocorrer por ato pessoal dele, o que foi rebatido de pronto pelo Ministro Marco Aurélio.
Diversas Nações têm imposto há longa data medidas ainda mais restritivas, como “lockdown”, como meio de diminuir o contágio da pandemia e do número de internados e de mortos. Algumas por 1 ano seguido, como o Chile (como já mostrado mais acima).
Como se percebe, o chamado “toque de recolher”, que impõe restrições à circulação de pessoas em determinado horário para fins específicos de combate ao agravamento da covid-19, não pode ser confundido com Estado de Sítio, primeiro porque não afeta a ordem Constitucional em si, estando em risco, no caso, a saúde pública e o consequente colapso do atendimento à população. Depois, o Estado de Sítio exige requisitos próprios para a sua aplicação. Além do mais, como visto, as decisões judiciais dos Tribunais Ordinários e Extraordinários têm sido favoráveis à imposição do toque de recolher pelas diversas autoridades federativas, considerando-se a competência concorrente da União, Estados, Distrito Federal e Municípios em questões de saúde.
A questão da competência para legislar
sobre saúde é concorrente, segundo o art. 24, XII, da Constituição Federal. E
o art. 23, II, da Constituição Federal
prevê a competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal
e dos Municípios para cuidar da saúde.
O Colendo Supremo Tribunal Federal, por
sua vez, ao apreciar a Ação Direta de
Inconstitucionalidade 6341, proposta pelo Partido Democrático Trabalhista
em face do Exmo. Sr. Presidente da República, concedeu parcialmente a liminar,
através do Ministro Relator Marco
Aurélio, para “tornar explícita, no campo pedagógico e na dicção do Supremo, a
competência concorrente”. Submetida logo depois ao plenário da Corte,
foi referendada a medida cautelar, acrescida da “interpretação conforme à
Constituição ao § 9º do artigo 3º da Lei 13.979, a fim de explicitar que,
preservada a atribuição de cada esfera de governo, nos termos do inciso I do
art. 198 da Constituição, o Presidente da República poderá dispor, mediante
decreto, sobre os serviços públicos e atividades essenciais”.
Desta forma, está assegurado, tanto
pela Constituição da República quanto pelo entendimento do Colendo Supremo
Tribunal Federal, aos Municípios, Distrito Federal, Estados e à União a adoção
de providências
normativas e administrativas referentes à saúde pública.
Há que se lembrar, ainda, que as autoridades sanitárias de todos os entes
federativos têm competência para legislar e agir no tocante às questões de
saúde, como entendeu o Colendo Supremo Tribunal Federal.
Assim, medidas mais severas, como toque de recolher ou lockdown são legais e estão dentro da órbita da
competência das autoridades de saúde, sejam municipais, estaduais, distritais
ou federal, devendo ser considerada para tanto a área de contágio tratada
pela autoridade competente, como explicado anteriormente.
Art. 24. Compete à União,
aos Estados e ao Distrito Federal legislar
concorrentemente sobre: (...)
XII - previdência social, proteção e defesa da saúde;
Art. 23. É competência comum da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (...)
II
- cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas
portadoras de deficiência;
Código de
Saúde - Lei Complementar Estadual nº 791,
de 09 de março de 1995
Artigo 9º. - A política de
saúde, expressa em planos de saúde do Estado e dos Municípios,
será orientada para: (...)
Art. 68. Recusar à autoridade, quando por esta,
justificadamente solicitados ou exigidos, dados ou indicações concernentes à
própria identidade, estado, profissão, domicílio e residência:
Pena – multa, de duzentos mil réis a dois
contos de réis.
Parágrafo único. Incorre na
pena de prisão simples, de um a seis meses, e multa, de duzentos mil réis a
dois contos de réis, se o fato não constitue infração penal mais grave, quem,
nas mesmas circunstâncias, f'az declarações inverídicas a respeito de sua
identidade pessoal, estado, profissão, domicílio e residência.