Kenarik Boujikian entende que decisão da Corte Interamericana sobre Lei de Anistia será a saída para quem busca responsabilizar criminosos da ditadura
João Peres
São Paulo – O Poder Judiciário continua sendo usado pelos “donos do poder” para atender aos seus interesses, avalia a juíza Kenarik Boujikian Felippe. A secretária do Conselho Executivo da Associação Juízes para a Democracia destaca que um dos instrumentos é a utilização da via judicial para criminalizar os movimentos sociais. “As lutas pelos direitos sociais são transformadas em delitos e os sujeitos que lutam são transformados em delinquentes”, afirma.
Ela pondera que o passar dos anos reforçou no Brasil a visão de que o magistrado deve ser um simples burocrata, um repetidor de decisões que não enxerga a própria Constituição e a validade das normas existentes em seu país. Boujikian entende que a reforma realizada esta década no Judiciário trouxe uma lógica neoliberal à magistratura, como a verticalização do poder. O resultado é, por exemplo, a criação de súmulas vinculantes que tolhem o poder dos juízes de primeira e segunda instâncias. “Cada juiz, no exercício de cada uma de suas sentenças, está fazendo a política. Não é um eunuco sem ideias, sem posição ideológica”, defende.
A juíza manifestou muita decepção pela recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de manter como está a Lei de Anistia, fechando a possibilidade de responsabilização de torturadores. Boujikian entende que a explicação está na composição do STF, “conservadoríssima”. “O que me chocou profundamente foram as razões do julgamento, especialmente a questão de ser reafirmado por sete dos nove ministros sobre o grande acordo que teria ocorrido naquela época”, afirma.
A integrante da Juízes para a Democracia entende que foi desleal a posição do STF de, ao falar sobre a anistia, deixar de lado a ocorrência de tantas torturas e tantos desaparecimentos. A esperança, agora, se deposita sobre a Corte Interamericana de Direitos Humanos. No fim de maio, a instituição realizou as audiências do julgamento sobre o caso da Guerrilha do Araguaia, no qual se questiona a Lei de Anistia.
A decisão deve sair em alguns meses. Caso sejam acolhidos os argumentos dos familiares de vítimas em relação à responsabilização de torturadores, os juízes terão a incumbência de responsabilizar aqueles cujo envolvimento fique comprovado. A Corte, que integra a Organização dos Estados Americanos (OEA), recomendou em outros casos a revogação das leis de anistia de países do continente, o que deixa os movimentos sociais bastante otimistas em relação a um veredicto positivo. “Tenho certeza que esse julgamento virá e vamos, o Estado brasileiro, ter de aprender que não fazemos o que vem na nossa veneta. Temos compromisso com nosso povo e com a comunidade internacional”, ressalta a juíza.