Certo tempo atrás pude voltar a Canudos. Foi o terceiro retorno.
Um lugar único, mágico e repleto de energia, localizado no interior da Bahia.
Não sei o que me torna fã daquele lugar, se é a história, se é a beleza natural simples e forte, se é o povo humilde e verdadeiramente amável ou se é o conjunto dessas coisas.
Canudos mudou muito de 9 anos para cá. Está um pouco menos pobre. As estradas melhoraram. As pessoas se cuidam mais.
Continua pequena, simples, muito simples e sempre ajeitada.
Há bons restaurantes, simples, mas bons. E confesso que a melhor salada de todas as que comi na minha vida foi naquele recanto, 9 anos atrás, servida num humilde bar de madeira. O melhor pão de sal que comi em toda a minha vida foi naquele canto, nessa última viagem, numa padaria que vendia muitos pães e coxinhas. Cada coxinha deliciosa a um real. Uma das paisagens mais lindas que vi foi a das montanhas que cercavam aquele imenso mar de açude.
Canudos é única, é bela e é forte.
Já foi Monte Belo, um local de tragédia, um ponto esquecido pelos governos e hoje é simplesmente um dos lugares mais lindos do Brasil.
Não tem praia, não tem o frio das montanhas, mas reúne coisas únicas, como as montanhas de formação diferenciada, uma serra de araras, pequenas e magras cabras, alguns jegues tristonhos, típicos do nordeste que lemos em livros, um solo feito mais de pedras do que de areia ou terra, muitas motos, muito calor, muita história, muito sorriso e muita fé.
O sertanejo surpreende pela fé, pela força e coragem, nos dando permanentemente uma lição contra a depressão, contra o desânimo e contra a mesmice.
Lá já não tem Antônio Conselheiro nem a força do povo que se reuniu na então segunda maior cidade da Bahia para lutar por uma vida menos indigna, mas permanece muito de sua magia e também da injustiça que reina em todos os cantos do Brasil. Há prostituição infantil, trabalho infantil, altíssimo consumo de álcool e drogas e roubos. Sinceramente, não vi de perto essa triste realidade alardeada pelos estudiosos, talvez por estar encantado com a magia que ainda reina por lá, como se fosse a herança da esperança daqueles que lá sonharam e lutaram. Mas, como estamos no Brasil, na eterna República do Café com Leite ou da Groselha doce (nunca muda muito a origem e a intenção dos governantes com aquele sabor artificial para enganar a falta de conteúdo e nutrientes), Canudos não poderia ser diferente. Depois da guerra, passou a enfrentar os mesmos problemas que assolavam o Brasil inteiro.
De lá veio a denominação para as favelas que hoje estão espalhadas pelo Brasil e pelo mundo. Foi a herança deixada pela primeira República.
Lá, na época de Conselheiro não tinha miséria. Embora as casas fossem muito humildes, de barro, resistiam contra a indignidade. Mas foi de lá, no pós guerra, que veio o nome favela.
Para quem não sabe, lá do morro da Favela (onde tinha a planta denominada favela) os militares estrategicamente avistavam Canudos, seus moradores, e suas casas ajuntadas e construídas sem respeitar um suposto alinhamento de ruas planejadas e retas. Lá do alto os soldados da República prepararam o massacre que culminou com a degola em massa de pequenos, pequenas e grandes brasileiros.
Esses militares, também despossuídos de capital, ao voltar ao Rio de Janeiro e aos seus morros, e ao ver as casas assemelhadas às de Canudos, denominaram o local em que moravam de Favela. Certamente essa foi a herança mais forte de Canudos, que prontamente assolou a então capital da República e que, aos poucos e de forma intensa e rápida, passou a mostrou a verdadeira imagem do Brasil e a hipocrisia com que são tratados os problemas sociais. O mundo todo conhece as favelas e os problemas sociais que as circundam.
De certo nem tudo são flores naquele semiárido de Canudos. Não há só poesia. Não há só beleza. Não há só água. Não há só força. Mas encanta a realidade que lá existe e que no passado foi capaz de revelar ao Brasil inteiro a triste realidade da miséria e da injustiça, e que ainda hoje muitos brasileiros resistem em enxergar.
Em Canudos há poesia aos montes, aos Belos Montes. Só não há hipocrisia.