Pesquisadora destaca as sofisticadas táticas de dominação militar dos EUA para o continente e diz que está em curso uma espécie de Plano Condor 2
O recente golpe de Estado em Honduras traz novamente à tona o debate sobre a militarização na América Latina e, especialmente, o papel dos Estados Unidos nesse jogo. Entre os líderes da ação executada em 28 de junho, está Romero Orlando Vásquez Velásquez, um militar demitido do posto de chefe do Estado Maior Conjunto de Honduras pelo então presidente Manuel Zelaya.
Vásquez é graduado na Escola das Américas, instituição criada pelos estadunidenses para treinar militares latino-americanos e dar suporte aos golpes praticados pelos Exércitos nacionais da região.
No entanto, segundo a pesquisadora da Universidade Autônoma do México (Unam) e coordenadora do Observatório Latino-americano de Geopolítica, Ana Esther Ceceña, os acontecimentos de Honduras devem ser vistos como um presságio diante de toda a movimentação que os Estados Unidos estão fazendo atualmente. Ela destaca o minucioso trabalho midiático feito para construir a possibilidade de desestabilização do governo Zelaya, mas alerta que as novas táticas de guerra dos Estados Unidos vão muito além.
De acordo com Ceceña, a atual influência estadunidense na militarização latino-americana pode ser vista de forma diluída nas diversas políticas de segurança nacionais. A partir do momento que os Estados Unidos mudaram sua lógica argumentativa para questões como o combate ao narcotráfico e ao “terrorismo”, as leis para a área nos países do continente deram um giro e passaram a exigir dos Exércitos nacionais, que até então estavam voltados ao combate de inimigos externos, uma forte atuação na segurança interna. Porém, na prática, as novas “diretrizes” visariam conter os movimentos sociais que questionam o sistema político e econômico vigente, opina a pesquisadora.
Tríplice Aliança
No continente latino-americano, México, Colômbia e Peru são, segundo Ceceña, os países mais avançados nesse processo, e são as apostas do imperialismo para formar um bloco contra-insurgente na região. Estrategicamente posicionados de norte a sul no continente latino, as três nações mantêm parcerias na área de segurança com os Estados Unidos e buscam cada vez mais se articular entre si.
A pesquisadora da Unam aponta, ainda, que os estadunidenses fizeram da guerra uma indústria permanente com uma incrível capacidade de elaborar “produtos” e “ações de marketing” para a “penetração” nos mais variados “mercados”. Para a América Latina, a diversidade de “produtos e ações” é tamanha que a pesquisadora caracteriza o seu conjunto como uma espécie de Plano Condor 2, uma referência ao acordo de colaboração entre as ditaduras latino-americanas dos anos 1960, 1970 e 1980.
“No momento em que os movimentos revolucionários dos países do sul começaram a se articular, os Estados Unidos disseram: ‘articulemos também a repressão’. Para esse novo tipo de ‘perigo’, estão buscando um novo tipo de resposta. E a essência do Condor foi exatamente essa”.
Ceceña afirma que, com as ditaduras na América Latina, os estadunidenses aprenderam a sofisticar suas táticas. “Eles intensificaram operativos múltiplos com muitos propósitos, de modo que não se consegue identificar bem todos, sobretudo aqueles de inteligência, que caracterizam uma ocupação de baixa intensidade. Fazem isso através de espiões, dos escritórios da CIA e do FBI, combinados com ações da agência do Pentágono, a USAID, que leva projetos de desenvolvimento para comunidades, articulando assim sua estratégia de guerra e controle”.
Desestabilização
Na Bolívia, as ações de desestabilização de tipo múltiplo podem ser vistas claramente. O embaixador dos Estados Unidos permanentemente se dirige, em tom beligerante, ao presidente Evo Morales, que já é frequentemente atacado por alguns grupos de mídia. Em um terreno menos visível, estavam operando grupos de pistoleiros, liderados por estrangeiros, como é o caso da milícia encabeçada pelo húngaro-boliviano Eduardo Rózsa Flores, desarticulada no mês de abril, na cidade de Santa Cruz de la Sierra, pelas forças de segurança da Bolívia.
Ceceña diz que existem ações da USAID cujo intuito é trabalhar a população das comunidades para que, em um momento de ruptura impulsionado pela meia-lua (o conjunto de departamentos que fazem oposição à Morales), ela estivesse suficientemente doutrinada para apoiar a oposição ou, ao menos, não defender o governo.
No entanto, a pesquisadora enfatiza que a influência estadunidense nas políticas de segurança nacionais não diminuiu a sua atuação militar direta mundo afora, uma vez que o país ainda possui 823 bases militares espalhadas pelo mundo, sendo 21 delas na América Latina. O que muda, de acordo com a estudiosa, é a institucionalização que ele vem dando à militarização.
(Leia mais na edição número 333 do Brasil de Fato)