O planejamento, com início de execução, de assassinato do então presidente do Tribunal Superior Eleitoral e do presidente e vice-presidente da República eleitos, por parte de militares, evidencia a politização de membros das Forças Armadas, algo inaceitável em qualquer democracia. Eles, mais que quaisquer outros funcionários públicos, têm o dever precípuo de garantir a soberania do país, representada também pela vontade popular demonstrada nas urnas. O contrário é clara ingerência contra o interesse nacional, que pode ser traduzido em traição à pátria.
Os militares, assim como qualquer servidor público, devem voltar-se aos valores do Estado, aqueles consagrados na Constituição Federal, e não aos interesses pessoais ou de grupo dos políticos de plantão.
O dever dos militares em respeitar a vontade popular e a soberania do país é tarefa precipua, principalmente porque armam-se em nome do Brasil para defende-lo de qualquer ingerência alheia à soberania popular e do próprio país, e não o contrário.
E aí está a difícil tarefa de servir ao público em um país repleto de conchavos como o Brasil.
Ser republicano não é tarefa fácil no Brasil. As instituições ainda servem em grande parte aos interesses dos grupos políticos e não ao Estado. Daí o heroísmo daqueles que em suas manifestações e atos defendem os valores legais, republicanos e constitucionais.
Quase cem anos após a revolução de 1930, com a definição clara de Estado e consequente implementação da regra de concursos públicos, do voto feminino e da criação da Justiça Eleitoral, as instituições ainda voltam-se, em grande parte, aos interesses políticos de grupos que na maior parte das vezes não atende a dispositivos Constitucionais ou legais.
A própria regra do concurso público torna-se, agora, por ações governamentais e entendimento permissivo da Suprema Corte, exceção, seja pela permissividade de contratação não estatutária ou pela contratação por intermédio de empresas. Ainda que não se diga expressamente, tal entendimento permite, na prática, contratações de pessoas determinadas, escolhidas por vontade política, através da terceirização e quarteirização do serviço público, afrontando a garantia da regra constitucional do concurso público. A contratação por concurso, mas não pela regra estatutária, ainda fragiliza a relação, permitindo-se maior insegurança ao funcionário e, decorrentemente, maior pressão e ingerência políticas.
Mas a atitude anti-democrática de militares, planejando a morte de altas autoridades do país, escancara cristalinamente a fragilidade das instituições, algo que a revolução de 1930 visou mudar.
Até em respeito aos heróis que se negam a praticar atos ilegais e inconstitucionais, mesmo sob forte pressão política, deve-se fortalecer as instituições. Mas como fortalece-las?
A forma primária e mais eficaz é através da educação da cidadania, dos valores constitucionais e nacionais, desde o ensino básico.
Numa sociedade individualista, visa-se consagrar valores individuais e não coletivos, valores privados e não públicos, perdendo-se a noção do Estado e da própria coisa publica. Daí a corrupção e a série de ações contra o Estado perpetrados por agentes políticos e públicos, que deforma e acaba por implodir a figura do Estado Democrático.
A punição de quem age contra o Estado há de ser rigorosa, na forma da lei. Mas também faz-se urgente o fortalecimento das instituições, de forma a que venham defender, sempre, os valores Constitucionais e republicanos, sem a permissibilidade de ingerência política indevida, a qual há de ser, sempre, apurada e exemplarmente punida.
Cabe ao Sr. Presidente da República, como forma de reconhecimento do estrito dever cumprido dos agentes públicos que, ainda que às custas de forte pressão e assédio moral, souberam defender os valores republicanos, como muitos militares e autoridades civis que se negaram a participar da absurda e inaceitável tentativa de golpe.
Tal reconhecimento valoriza o bom agente público e estimula o cumprimento do estrito dever legal, primando pela defesa do Estado Democrático de Direito e do próprio fortalecimento das instituições públicas.