Às vésperas do dia das crianças, que coincide com o dia da Padroeira do Brasil, não podíamos deixar de citar uma grande polêmica envolvendo crianças.
Lindinhas, em português, Mignonnes, em francês, ou Cuties, em inglês, é um filme franco-senegalês, com meninas francesas de 11 anos com
roupas justas, dançando e em poses sensuais, que ganhou o prêmio de direção no
Sundance Festival de 2020 e que estreou em agosto na Netflix.
Ouvindo isso, tem-se a impressão de
que se trata de um filme pornográfico. Calma! Há muito de verdade e também de
histeria na repercussão desse filme!
Grupos espalhados pelo mundo exigiram
que a Netflix retirasse o filme do ar, alegando sexualização inapropriada de
crianças. E é aí que está o cerne da questão.
A personagem principal de Lindinhas,
em português, ou Cuties, em inglês, é Amy, uma menina de origem senegalesa e
islâmica conservadora que migrou para a França.
O filme trabalha a todo instante com
o contraste e a ambivalência, demonstrando, talvez, a irracionalidade social e
também comportamental existente, que muitas vezes se contrapõem e se alimentam.
Realmente o filme sexualiza e trata
da sexualização precoce, mas como crítica à sociedade consumista e que idolatra
o prazer imediato, incluindo aí a valorização narcísica e excessiva do corpo.
Embora seja um filme visualmente
forte, por nos expor a um problema tão sério com cenas que, queiramos ou não,
retratam o nosso dia a dia, não há qualquer cena de nudez no filme.
A reação de grande parte da sociedade, ao invés de olhar criticamente para o que ocorre no dia a dia, viu o filme como se fosse agressivo a uma sociedade que se vê como puritana. Não digo que se fosse diretor utilizaria o mesmo recurso das imagens. Prefiro algo sutil, mas cada diretor escolhe a melhor forma de destacar e ilustrar a mensagem que se deseja passar. E não resta a menor dúvida de que a opção feita conseguiu chamar a atenção de todo o globo para o filme!
E o filme tem isso de bom: ao ser
exposto, serve para a crítica. Mas a sociedade deveria permitir que também
servisse à autocrítica e para ajudar a mudar o rumo das coisas que vemos
acontecendo, hoje: prostituição infantil, muitas vezes incentivada pela própria
família; abusos sexuais de crianças e adolescentes no próprio seio familiar;
exposição excessiva e permanente de crianças às mídias sociais; abandono
escolar; consumismo infantil crescente... ou seja, há muito a ser feito e
construído. O que não podemos fazer é fechar os olhos como se tudo estivesse
bem! Não está! Nunca esteve!
O Brasil abusa da erotização de suas
jovens há muito tempo. Nos anos 80 e 90 era uma febre adolescentes usarem
minissaias em programas infantis. E até hoje há concursos de beleza para
crianças.
Não faz muitos anos, na época de
nossos avós ou bisavós, nossas crianças casavam com 15 anos ou menos.
E ainda hoje famílias brasileiras estimulam
meninas pequenas a dançarem músicas da moda com conteúdo erotizado como se
fosse algo engraçado ou a ser admirado.
Como se sabe ou se deveria saber, a
arte serve para apontar e permitir a autocrítica e por isso todo tipo de
censura é reprovável.
Quanto mais a arte for livre, maior
será a crítica a valores e comportamentos da sociedade, e daí decorre a
verdadeira chance da sociedade perceber os seus erros. A arte, na maior parte
das vezes, mostra quem somos e como vivemos.
Toda essa polêmica serviu para
notarmos que a imagem que a sociedade tem de si mesma, ética e conservadora,
não corresponde bem à realidade que vemos em nossos meios de comunicação, ruas
e casas. Há muito de podridão, de descaso, desrespeito e de abuso na forma como
tratamos nossas crianças no dia a dia. Elas beiram a objetos. Somos falsos
moralistas.
No Brasil, por previsão
Constitucional, crianças deveriam ser prioridade, mas nunca são.
Crianças servem para políticos se
autopromoverem, mas nunca foram tratadas seriamente, como real prioridade pelo
País. Por isso não nos desenvolvemos e permanecemos em uma situação de
permanente atraso social e ético, com injustiça social, e com tantas desumanidades
sempre presentes.
Como efeito de uma histeria tão comum
nos tempos atuais, a diretora recebeu ameaça de morte, ações judiciais foram
promovidas contra a Netflix, inclusive no âmbito penal, e até o governo
brasileiro tomou partido ao pedir a suspensão da divulgação do filme no Brasil,
sob o argumento de que reúne “conteúdo pornográfico envolvendo crianças”.
Se não gostamos, podemos não promover
o filme, mas não podemos deixar de notar que há muito de verdade nele ou você
acha que vivemos em um mundo ética e socialmente perfeito?