Thomaz Wood Jr.
Desde que os antigos gregos se debruçaram à desafiadora, senão fútil, tarefa de dar sentido ao mundo, o conceito de felicidade não saiu mais de nossa agenda. Nas últimas décadas, o tema foi atacado sem constrangimento ou remorso pelos autores de autoajuda. Se acreditarmos no que afirmam, felicidade é algo que se consegue frequentando praias tropicais, fazendo dietas mágicas, exercícios aeróbicos e cirurgia plástica, e, principalmente, comprando, comprando e comprando.
Além dos oportunistas, filósofos, teólogos, sociólogos, psicólogos e até mesmo economistas têm se debruçado sobre a questão: o que traz a felicidade? Hoje, existe até um Journal of Happiness Studies, que se declara interdisciplinar e se dedica ao entendimento do estado subjetivo de bem-estar. Como todo bom periódico científico, ele conta com comitê científico, avaliação por pares e toda a parafernália exigida pela ciência. Resultado: pouca poesia e muita estatística.
Em um trabalho inédito, comentado recentemente nas páginas da revista The Economist, Daniel W. Sacks, Betsey Stevenson e Justin Wolfers, da Universidade da Pensilvânia, mostram que a variação entre níveis de satisfação com a vida entre países é muito grande e relaciona-se à renda per capita. No topo da escala estão países desenvolvidos, tais como Dinamarca, França e Estados Unidos. Na base, estão países pobres, como muitas nações africanas, e em crise, como o Iraque e o Haiti. De fato, é óbvio: um dinamarquês, que nasceu e vive apoiado por um Estado de Bem-Estar Social, com saúde e educação garantidas, liberdade política e alto poder aquisitivo, terá menos a reclamar do que um haitiano, vitimado por gerações de governos ineptos e desastres naturais.
Entretanto, o dinheiro não explica tudo. Em torno da reta de regressão há países mais felizes, ou mais infelizes, do que faria supor sua renda per capita. Hong Kong e Dinamarca têm renda similar, porém, os nórdicos são mais felizes que os asiáticos. Os europeus são homogêneos, exceto pelos depressivos portugueses. O Brasil e a Bulgária têm renda próxima, porém, os brasileiros obtiveram nota 6,5 na escala de felicidade, enquanto os búlgaros ficaram abaixo de 4, tornando-os o povo mais infeliz do mundo, relativamente à sua renda.
Um caso singular é o Reino do Butão, com 700 mil habitantes e renda per capita de, aproximadamente, 5 mil dólares. Esse pequeno país asiático mede há anos a Felicidade Nacional Bruta, lá considerada mais importante do que o Produto Interno Bruto.
Significativamente, em 2006, a revista norte-americana BusinessWeek indicou o país como o mais feliz da Ásia e o oitavo mais feliz do mundo.
Em outro artigo, publicado em edição recente do respeitado Journal of Personality and Social Psychology, Ed Diener, da Universidade de Illinois e do Gallup, Weiting Ng, do Singapure Institute of Management, e James Harter e Raksha Arora, também do Gallup, analisaram uma pesquisa com amostras de habitantes de 132 países. Os autores consideraram duas dimensões da felicidade, ou bem-estar: a avaliação que os indivíduos fazem de sua vida, ou nível geral de satisfação com a vida (também analisado no estudo mencionado acima); e o humor, ou a experiência com sentimentos positivos (prazer e satisfação) e com sentimentos negativos (preocupação e tristeza).
Diener e seus colegas confirmaram que a renda (PIB per capita) está relacionada com o bem-estar quanto à primeira dimensão: o nível de satisfação dos indivíduos com sua vida. Eles também concluíram que a renda nacional é mais relevante do que a renda individual, o que significa que os recursos em saúde e educação têm maior impacto sobre o bem-estar do que a capacidade individual de realizar gastos.
Por outro lado, a relação entre a renda e os sentimentos positivos e negativos é fraca. Tais sentimentos são mais influenciados pelo nível de atendimento das necessidades sociopsicológicas. Portanto, aumentos na renda melhoram a avaliação que os indivíduos fazem de suas vidas, porém, não afetam muito o seu humor. As sensações de bem-estar são mais afetadas pela existência de boas relações pessoais, liberdade de ação e oportunidades de desenvolvimento. Na conclusão do artigo, os autores declaram: “De forma contrária àqueles que dizem que o dinheiro não é associado com a felicidade e àqueles que dizem que o dinheiro é extremamente importante, nós concluímos que o dinheiro é muito mais relacionado com algumas formas de bem-estar do que com outras”.
Jean-Jacques Rousseau, o filósofo francês que viveu de 1712 a 1778, havia registrado para a posteridade: a felicidade consiste em um bom saldo bancário, uma boa cozinheira e uma boa digestão. Quase três séculos foram necessários para que a ciência comprovasse sua sabedoria!