ICARABE
Uma viagem a passeio ou estudos para a Síria nos mostra a riqueza de sua história e a diversidade de lugares, costumes, manifestações sociais e culturais. Conforme relatado em artigo anterior – “A massificação cultural ameaça também a Síria” (edição nº 14 da newsletter do Icarabe) – é preocupante que estas expressões estejam se diluindo no caldeirão da “globalização”, transformando toda manifestação cultural em cópias mal-feitas da ocidental, ou, mais especificamente, da norte-americana. Não se costuma dar a devida atenção à dominação cultural, tudo é visto como natural: “todos fazem assim”. Uma pena...
É importante que exista o diálogo entre as culturas e, como se sabe, os diálogos mais saudáveis e frutíferos são aqueles em que as partes envolvidas têm seus próprios argumentos, igualmente válidos e respeitados como tal. Só assim é possível haver troca. De outra forma, se uma das partes envolvidas entra no diálogo como dona da verdade, cria-se uma atmosfera de dominação e submissão. Essa atmosfera é comum entre países colonizadores e colonizados, e estes últimos geralmente abrem mão dos próprios valores, passando o diálogo a ter, no lugar da troca, substituição ou eliminação de idéias.
Em função dessa ameaça, senti a necessidade de pesquisar e divulgar as manifestações artísticas da Síria e, posteriormente, de outros países de cultura árabe. Pois essa massificação cultural atinge vários lugares do mundo, e não apenas a Síria.
Foi escolhida a dança como veículo de expressão cultural. Sabe-se que a dança vai muito além dos passos em si: ela diz muito sobre a cultura, os costumes, os movimentos escolhidos para cada situação, a postura adotada em cada região, as músicas utilizadas, os modelos das roupas, as cores. A dança folclórica é uma expressão do modo de vida de uma comunidade; é mais uma conseqüência do que uma causa. Pela dança, podemos aprender muito sobre um agrupamento sociocultural.
O grupo “Mabruk! Companhia de danças folclóricas árabes” foi então criado a partir dessa necessidade. A intenção é ser um elo de ligação, de comunicação com as terras ditas árabes. O grupo, ainda jovem, tem tido excelente aceitação do público em geral e a análise desta aceitação nos leva para outra necessidade: a que atinge as pessoas em geral, de entender melhor essa cultura, tão deformada pela mídia. Passamos, com a dança, a mensagem de que os árabes não são aqueles “bárbaros que trancafiam e mutilam mulheres, rudes e ignorantes”. Ela pode levar ao público a mensagem de riqueza cultural; dos gestos ora delicados, ora firmes; de sutileza musical; de capricho nas formas e cores das roupas.
Essa mensagem não-verbal pode atingir ainda mais as pessoas, exatamente por não ultrapassar a razão. Os vários sentidos estimulados propiciam uma experiência rica, uma percepção diferenciada e, com isso, consegue-se comunicar uma cultura muito mais elaborada e cheia de nuances do que se costuma divulgar como árabe.
Nesse objetivo também didático e cultural, o grupo “Mabruk!” encontrou companheiros de viagem com os mesmos questionamentos, necessidades e objetivos: além das entidades, como clubes árabes e associações ligadas à dança folclórica, a presença do Instituto da Cultura Árabe.
Em parceria com esse Instituto, o “Mabruk!” fez a apresentação de abertura da Mostra Amrik, em 2006, na Galeria Olido. Neste evento, aberto ao público em geral, foram mostradas danças de várias regiões da Síria, cada uma com suas características gestuais e musicais. O público presente foi bastante caloroso e atento às explicações dadas para as diversas danças. Existe sede em relação a isso!
Em seguida, houve participação no curso “Panorama da Cultura Árabe”, também promovido pelo ICArabe, em parceria com a Câmara de Comércio Árabe-Brasileira. Dentro da aula sobre música e dança, o grupo apresentou em movimento e música o que as palavras nem sempre conseguem explicar.
Agora, em 2007, novamente o grupo se encontra com o ICArabe para um evento de grande riqueza e delicadeza, o Dîwân (espetáculo de poesia e dança), que acontecerá em 18 de junho, no Teatro da Aliança Francesa.
Todas estas ocasiões servem para reafirmar os objetivos tanto do grupo “Mabruk!” como do próprio Instituto, que são pesquisar, discutir e divulgar, “engrossar o caldo” do conhecimento em relação a essa cultura, para que os diálogos deixem de ser unilaterais, para que as pessoas tenham mais formação e informação a respeito dos árabes em geral e para que possam existir trocas verdadeiras a esse respeito.
Mabruk (lê-se mabrúc) é uma expressão em árabe que significa um tipo de “Parabéns”, porém embebido em bênçãos. Então, deixa-se aqui um “Mabruk!” para todas as iniciativas no sentido de dissipar o véu do preconceito e ignorância em relação à cultura árabe.
http://marciadib.blogspot.com
-------------------------------------------------------------------------------- por Márcia Dib, bailarina, coreógrafa e professora de dança árabe nos clubes Homs, Sírio e Monte Líbano. Pesquisa a arte e cultura árabe há 22 anos.