Às quatro da manhã, Teresa veste a pouca roupa que trouxe, uma por cima de outra. Ela tem apenas 14 anos e nem sabe aonde está. Espera algumas horas e, ao comprovar que todos ainda estão dormindo, sai em disparada pela entrada do bordel sem olhar para trás. Faz três dias que ela chegou. O lugar é uma cabana coberta de lona azul e forrada com pôsteres de mulheres nuas com um tubo no meio rodeado de cadeiras, onde garimpeiros ilegais vêm tomar cerveja e deitar-se com uma menina.
"Eu corri, corri, corri até encontrar um senhor numa moto que me tirou de lá. Graças a Deus, me salvei. Estava perdida e, além do mais, de noite tudo é escuro, não há lâmpadas nem nada. O policial depois me parabenizou, disse que era um milagre eu ter saído viva, pois lá ninguém se salva. Eles te estupram e te jogam no matagal", conta a menina, que não pode revelar o verdadeiro nome por razões de segurança.
Passaram-se dois dias desde aquela noite e Teresa fala no único abrigo para crianças exploradas na região de Madre de Dios, no coração da Amazônia peruana, enquanto espera seus pais chegarem de Lima.
A um quarteirão dali, passa a nova rodovia Interoceânica, prevista para ser concluída no fim do ano, provocando uma febre do ouro ao facilitar a chegada de pessoas e suprimentos e, ao mesmo tempo, uma explosão nas redes de prostituição infantil para saciar os apetites sexuais dos garimpeiros.
Entidades de defesa dos direitos humanos estimam que todo ano chegam cerca de 1.200 meninas de 12 a 17 anos aos bordéis em meio aos imensos acampamentos à beira da estrada que servem de ponto de abastecimento dos garimpeiros. Ou, em vez disso, estão nos vilarejos miseráveis do garimpo dentro da mata, em lugares como Guacamayo, Delta 1 e Delta 2, verdadeiros desertos aonde só é possível chegar de motocicleta, por caminhos estreitos que partem da rodovia.
Os bordéis têm nomes como "FBI" e "Noche Azul" e ficam ao lado de outras cabanas que oferecem lavagem da moto, telefone e futebol na televisão sob um calor forte, mau cheiro do esgoto a céu aberto e uma atordoante música salsa. Assim que a reportagem do Opera Mundi chegou ao vilarejo, duas meninas se aventuraram do lado de fora, mas logo deram meia volta quando um homem fez um gesto com a mão, enquanto a poucos passos dali um grupo de garimpeiros assistia à partida entre Itália e Paraguai na Copa do Mundo.
As meninas são trazidas de outras regiões do país com a promessa de trabalhos simples e bem remunerados - que, na verdade, não existem. "Elas recebem propostas para cuidar de bebês, trabalhar em uma loja de roupas, acompanhar crianças à escola por 500 soles (180 dólares) por mês. As garotas se surpreendem, pois uma empregada doméstica em Cuzco, por exemplo, ganha em média 80 soles. Quando chegam, no entanto, são levadas para os acampamentos de garimpeiros e de lá não saem mais", diz Óscar Guadalupe, diretor da Associação Huarayo, que administra o abrigo onde estava Teresa.
Desde outubro de 2008, 72 meninas foram atendidas no abrigo, um edifício simples de madeira com desenhos de crianças sorridentes pendurados nas paredes, em uma rua secundária de Mazuko, porta de entrada da região. Mas nem todas tiveram tanta sorte quanto Teresa. "Havia uma menina de 16 anos que também se negou a atender", lembra Guadalupe.
"O marido da dona do bar a violentou, engravidou e a fez abortar. A menina teve uma infecção terrível. Ele a mantinha trancada com cadeado, até que um dia pediu que ela fosse à farmácia buscar uma vacina. Foi quando ela fugiu".
Dívida eterna
A maioria não consegue nem isso. A polícia afirma que existe uma espécie de acordo de controle entre donos de bares e garimpeiros: quando veem que uma menina escapa, comunicam-se para impedir que ela passe. Das maiores de idade, eles costumam tomar os documentos. Às menores, prometem o pagamento para quando forem embora, o que raramente acontece.
Além disso, põem todos os gastos na conta da menina - desde um copo quebrado até o dinheiro que a cafetina teve de pagar por ela: 5 gramas de ouro, no caso de uma garota de aparência andina, ou 10 se ela for "A1" (ou seja, da cidade). Por isso, as meninas acabam "endividadas" com a aliciadora.
Perguntado se recebe ajuda oficial, Guadalupe faz um gesto resignado: "Não fazem quase nada. Tentamos incentivar intervenções policiais e às vezes temos sucesso, como em fevereiro do ano passado, quando resgatamos 12 vítimas. Mas há dedos-duros na polícia que avisam sobre qualquer intervenção. O que conseguimos é muito pouco, apenas um grão de areia".