Crianças são alvos da mais nova irresponsabilidade do governo federal e a discussão tem se limitado à política.
A
ANVISA aprovou a vacinação contra a covid-19 de crianças de 5 a 11 anos. No
entanto, o governo federal, além de divulgar propositalmente o nome dos
servidores da agência que aprovaram a vacinação, pela primeira vez na história resolveu
abrir uma consulta pública a uma questão estritamente técnica, de forma a
protelar a vacinação de crianças e propiciando, de forma absolutamente
inaceitável e irresponsável, a morte de crianças durante esse período.
O
governo federal, nesse episódio, tratou as crianças como objetos e não sujeitos
de direitos, violando o direito à saúde e à prioridade absoluta e à proteção
integral a elas, expondo-as indevidamente ao covid-19 sem a proteção da vacina.
A
questão desse negacionismo pode ter um viés político, evidentemente, mas o
desrespeito às crianças afronta um direito social a quem, segundo a
Constituição Federal, deveria ter prioridade, e de forma absoluta, ou seja, sem
qualquer porém ou ressalva. A afronta não só à prioridade, mas aos direitos à
saúde e à vida das crianças brasileiras, é tão aberrante que evidencia a
prática de um grave crime de responsabilidade, sujeitando o chefe do executivo
federal a um possível processo de impeachment.
Crianças
são sujeitos de direitos desde a promulgação do Estatuto da Criança e do
Adolescente, que em seu artigo 100
modificou a visão que se tinha de que crianças eram meros objetos de direito.
Além
disso, crianças devem receber prioridade
absoluta, segundo o art. 227 de nossa Constituição Federal. E não se trata
de prioridade segundo análise de conveniência. É prioridade absoluta e ponto final.
É o que diz a nossa Constituição, que utiliza o termo absoluta para espancar
qualquer dúvida e evitar qualquer argumento para exceção.
Além
disso, as crianças devem receber proteção
integral, segundo os artigos 3º, 4º e 7º do Estatuto da Criança e do
Adolescente
Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos
os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção
integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros
meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o
desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de
liberdade e de dignidade.
Parágrafo único. Os direitos
enunciados nesta Lei aplicam-se a todas as crianças e adolescentes, sem
discriminação de nascimento, situação familiar, idade, sexo, raça, etnia ou
cor, religião ou crença, deficiência, condição pessoal de desenvolvimento e
aprendizagem, condição econômica, ambiente social, região e local de moradia ou
outra condição que diferencie as pessoas, as famílias ou a comunidade em que
vivem. (incluído
pela Lei nº 13.257, de 2016)
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da
sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a
efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação,
ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Parágrafo único. A garantia de prioridade
compreende:
a) primazia de receber proteção e socorro
em quaisquer circunstâncias;
b) precedência de atendimento nos serviços
públicos ou de relevância pública;
c) preferência na formulação e na execução
das políticas sociais públicas;
d) destinação privilegiada de recursos
públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.
Art. 7º A criança e o adolescente têm direito a
proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas
que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições
dignas de existência.
A
gravidade da ação do governo federal resta patente e caracteriza crime de responsabilidade
previsto no artigo 4º, III, da Lei 1079/1950.
Art. 4º São crimes de responsabilidade os
atos do Presidente da República que atentarem contra a Constituição Federal, e,
especialmente, contra: (...)
II - O livre exercício do Poder
Legislativo, do Poder Judiciário e dos poderes constitucionais dos Estados;
III - O exercício dos direitos políticos,
individuais e sociais:
Com
o ato de protelar a aplicação de vacinas nas crianças e adolescentes, seja não comprando
imediatamente as vacinas necessárias, seja não efetuando de imediato um plano
de ação, seja não aplicando as vacinas eventualmente disponíveis a esse grupo,
o Sr. Presidente incidiu em crime de responsabilidade que o sujeita à abertura
de processo de impeachment, por afrontar o direito das crianças ao exercício de
um direito individual à vacinação e social de cuidado de sua saúde.
Agora
a questão deveria ser discutida amplamente e levada ao Congresso Nacional.
O
desrespeito seguido aos direitos fundamentais dos idosos, dos jovens, dos
adultos, das mulheres, dos negros, dos gays e dos trabalhadores é inaceitável e
deve ser alvo de responsabilização. Agora, a afronta aos direitos das nossas
pequenas crianças à vida, que deveriam ser tratadas como sujeitos de direitos,
com absoluta prioridade e proteção integral, é algo que não pode ser tolerado
de forma alguma e que exige imediata reparação, apuração e responsabilização. Que
se aplique a lei e sejam responsabilizadas as autoridades que descumpriram a
Constituição Federal, a Lei 8080 e o Estatuto da Criança e do Adolescente e que
as crianças sejam prioridade não apenas em época eleitoral, mas em todos os
momentos de suas vidas. Um país que se quer sério inicia respeitando os seus
idosos e crianças.