Os Estados modernos vivem em regimes democráticos ou ditatoriais. O que os diferencia é, em regra, a existência de instituições sólidas na democracia, em um sistema de pesos e contrapesos, evitando que o Executivo ultrapasse os limites legais e Constitucionais.
Já na ditadura, o peso é voltado exclusivamente para o Monarca, Primeiro Ministro ou Presidente da República e sabemos quais são os principais países ditatoriais.
E o Brasil? Segundo o artigo 1º de nossa Constituição Federal, o Brasil é um Estado Democrático de Direito e estabelece em seus incisos e em seu parágrafo único os seus fundamentos:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:I - a soberania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; (Vide Lei nº 13.874, de 2019)
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
Obviamente, líderes pouco afeitos à democracia tendem a ultrapassar os limites sensíveis, cerceando outros poderes ou a liberdade de manifestação do povo.
São exemplos de atos antidemocráticos do líder da Nação manifestações mentirosas e aquelas que incitem parte da população a repudiar integrantes dos outros poderes e também, parte da população, servidores ou integrantes do governo, a agir contra outros poderes, dentre outros inúmeros exemplos possíveis.
O limite das ações do Sr. Presidente da República são as leis e a Constituição Federal. Obviamente, através de compra de votos no Congresso e outras ações ditas sensíveis, o mandatário poderá interferir ilegal e inconstitucionalmente em outros Poderes, extrapolando os seus limitados poderes, cabendo às instituições agirem, dentre elas, especialmente, ao Sr. Procurador Geral da República.
Mas e quando o Exmo. Sr. Presidente menciona a intenção de indicar o Sr. Procurador da República Ministro do Supremo Tribunal Federal e o PGR não age de forma eficaz contra os excessos e desmandos do Sr. Presidente, beneficiando-o em detrimento de outros poderes e da própria Democracia?
Parece, assim, estar clara a interferência do Sr Presidente na Procuradoria Geral da República, através da promessa de indicação para o cargo em outro Poder. Algo muito assemelhado à compra de votos no Congresso Nacional.
São esses atos repetidos verdadeiras ações premeditadas contra a nossa democracia.
Ontem reverberou na imprensa a prisão de uma manifestante, por agentes da Polícia Rodoviaria Federal, que teria xingado o Sr. Presidente da República.
Por mais, que queiramos ordem, a liberdade de manifestação da população contra mandatários, pessoas eleitas, deve ser respeitada, ainda que tenha havido excessos, posto que se os eleitores podem eleger alguém, também poderiam, a todo momento, manifestar apoio ou repúdio, elementos próprios e maiores da Democracia. Porém, a lei permite que o sujeito que praticou excessos, ou seja, xingou o Sr. Presidente, possa vir a ser processado, mas jamais detido da forma que ocorreu. Explico.
O crime de injúria vem tipificado no art. 140 do nosso Código Penal e é previsto o aumento de pena se o crime é cometido contra o Presidente da República (art. 141, I, do CP). Não é prevista a retratação para a injúria (art. 143). A ação, porém, em regra, é privada (procede-se mediante queixa). No caso do Sr. Presidente da República como vítima, dependerá da necessária requisição do Ministro da Justiça, e no caso de servidores públicos como vitimas, dependerá de representação. Ainda é prevista a representação para a hipótese da injúria utilizar elementos referentes a raça, cor, religião, origem ou condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência (ou seja, a vítima nesse caso pode ser qualquer pessoa),
O ato autoritário de deter brevemente a passageira que xingou o Sr. Presidente atenta não contra o excesso por ela praticado, possível legalmente, desde que obedeça a forma prevista em lei, mas contra a liberdade de manifestação, tentando amedrontar a população através de atos excessivos de agentes do governo federal.
Como visto, a parada do veículo e a obtenção dos dados da passageira que teria xingado o Sr. Presidente da República sem a precedente e necessária requisição do Sr. Ministro da Justiça, configura, ao menos em tese, o crime de abuso de autoridade do agente e até mesmo, também em tese, crime de responsabilidade do Sr. Presidente da República, previsto no art. 4º, III, da Lei 1079/1950.
Essa é, claramente, mais uma ação contra a ordem democrática, tentando criar, seguidamente, pequenas rachaduras que somadas podem levar a nossa Democracia a ruir, desestruturando a ordem ainda existente.
Que a mídia e as nossas instituições fiquem alertas e que sejam responsabilizados todos os agentes que, por ação ou omissão, estão a permitir os excessos do Sr. Presidente da República. E que o Senhor Presidente da República seja, definitivamente, responsabilizado com a perda do cargo, consoante previsão dos artigos 1º e 4º, combinados, da Lei 1079/1950. É o que a Democracia e um Estado realmente democrático exigem!