Entrevista com Hassan El-Emleh, deputado do Conselho Nacional Palestino, ao professor Lejeune Mato Grosso.
Dados históricos da luta palestina e uma avaliação da situação do Oriente Médio - em 2001 (mas que continua válido
IRAQUE - 1ª INVASÃO
Princípios: Na guerra do Golfo, que teve origem no dia 2 de agosto com a invasão do Kuwait pelo exército iraquiano, a discussão relativa à legitimidade do território e sobre o Emirado é polêmica, havendo argumentos a favor e contrários. Qual a legitimidade da reivindicação histórica do povo iraquiano sobre o território do Kuwait?
Hassan El-Emleh: Antes de falar do Kuwait, da sua origem histórica, do meu ponto de vista, esta guerra não era só pelo Kuwait, nem tem origem histórica nele. Esta guerra significou que uma nação ou um povo pequeno passou a linha traçada pelas potências. O governo do Iraque chegou a ser forte militarmente, tinha influências no Médio Oriente e passou da linha traçada pelas potências. Assim, estas queriam quebrar a liderança desse país, deste governo para voltar à linha que elas traçaram para ele. Aparentemente tinham a intenção de libertar o Kuwait, mas, na realidade, os americanos e seus aliados queriam acabar com governo de Sadam Hussein, porque ele é nacionalista e poderia ter uma influência no nacionalismo árabe, que pode ser um perigo contra o interesse americano no Oriente. Então, o Kuwait não era o ponto principal desta guerra, por isso você está vendo até agora os EUA ocuparem o Iraque. E por que o estão ocupando? Se era para a libertação do Kuwait, já foi libertado. O imperialismo inventou duas guerras civis, uma no Sul e outra no Norte do Iraque. Por que isto? Porque queria esconder os crimes de guerra que fez no país, através da guerra civil em seu interior. Para dizer que toda essa destruição do Iraque é por causa da guerra civil e não pelos ataques americanos. Outra coisa muito importante, eles estão tentando, e vão seguir tentando até o máximo, acabar com o governo da Sadam Hussein. Esse é o ponto mais importante desta guerra. Por isso o Iraque está destruído. E quem vai reconstruir? Logicamente os americanos! Custará bilhões de dólares para reconstruir o Iraque. Se fica Sadam Hussein, os americanos não tomarão parte na reconstrução do Iraque. Então é preciso tirá-lo de qualquer jeito. Primeiro para acabar com a influência do arabismo, depois para dar aos EUA o direito da reconstrução.
Agora, voltando ao Kuwait, na verdade ele nunca foi um país. Se você olha o mapa da antiga Mesopotâmia, e olha o do Iraque agora, não precisa pensar duas vezes para ver que o Kuwait é parte do Iraque. O Kuwait simplesmente, na época dos otomanos, tinha uma família feudal, que dominava o lugar. Ao chegarem os ingleses, deram o direito a essa família de governar esse pedaço de terra a que pertencia; província de Basrah, como chamavam os otomanos.
A palavra Kuwait significa, em árabe, pequena colônia. A Mesopotâmia é uma região de seis mil anos, uma potência, na época anterior ao islamismo e na época do islamismo. Quem acredita que não tenha hoje uma saída ao mar? A Inglaterra antes de proclamar a família Al-Sabah como príncipes, sempre soube que o Kuwait era parte do Iraque.
Na verdade, a "independência" do país em 1961 estava ligada com a política de nacionalização do petróleo, que o governo do Iraque estava tomando, como ele iria nacionalizar toda a exploração, a Inglaterra resolveu então ficar com aquele pedaço.
Princípios: A imprensa afirma que os palestinos foram derrotados junto com Sadam, já que apoiaram o Iraque. Afinal de contas os palestinos foram derrotados pelas suas posições nesta guerra? Hassan
El-Emleh: A OLP não estava a favor de ocupar o Kuwait. Por isso o presidente Arafat (l) foi o primeiro a sair com um plano de retirar o Iraque do Kuwait: nós nunca fomos a favor da ocupação. Estamos com o Iraque, porque somos contra a presença estrangeira no golfo arábico. Estamos contra a interferência estrangeira nos assuntos árabes. Nós já declaramos sempre que os árabes devem resolver seus problemas entre eles mesmos. Por isso quero deixar claro: nós não fomos a favor da ocupação: Quem sofre ocupação territorial nunca pode apoiar outra. Acreditarmos que o Iraque tem direito ao seu pedaço.
Princípios: Os comentaristas internacionais e nacionais durante a guerra passaram a chamar Sadam Hussein de ditador sanguinário. Quando ele fez a guerra contra o Irã, ele era chamado presidente Sadam Hussein. Os governos árabes não são exemplos de democracia nessa região. Neste caso nem de democracia burguesa, se assim se pode dizer. Em especial sobre o regime iraquiano, o que o senhor tem a nos dizer sobre a democracia interna do Iraque? Há alguma procedência sobre o que se proclama na imprensa sobre Sadam Hussein?
Hassan El-Emleh: Particularmente sempre sou contra a política de um partido único, sempre fui a favor de vários partidos e democracia. Infelizmente não existe no Oriente Médio até agora uma democracia em sua plenitude. Nunca cheguei a saber em toda minha vida, que tinha um país árabe que mudou o seu presidente pelo voto direto. Falam da democracia do Líbano. Isso não existe. O Congresso, o Parlamento do Líbano desde 1972, não mudou. Outra coisa, é um parlamento baseado no conceito religioso. Isso não é democracia, porque se sou eleito porque sou muçulmano ou porque sou cristão então não existe democracia. Democracia tem que eleger-se sem olhar que sou negro, muçulmano, cristão, católico.
O Iraque, também como outros países do Médio Oriente, não é uma democracia. Sadam Hussein foi duro com seus inimigos internos, mas trabalhou para seu país. Ele deu passos gigantes na construção do Iraque, especialmente na área de educação, na área de saúde, na área de transporte, reforma agrária, em todos os sentidos ele investiu. Se considerarmos o Iraque um país moderno ao lado dos outros, observamos que Sadam usou o dinheiro do Iraque no próprio país, ao contrário de outros países em que o dinheiro do petróleo está sendo aplicado fora. Agora isso não quer dizer que ele seja democrático. Eu não via democracia no regime iraquiano.
Todos os países pagaram pelo sistema de partido único. Estive na Argélia, vi como também a Argélia pagou caro por ter um partido único. Esperemos que Sadam Hussein fique no poder e que o Iraque se torne uma democracia. Eu o criticava quando ele perseguia seus opositores políticos. Apóio seu nacionalismo e seu arabismo e o trabalho que fez por seu país, porém não sou a favor dessa ditadura nem de outra, infelizmente isso existe em todo o Médio Oriente. Por que não falar da Síria? E acaso a Arábia Saudita é democrática? E acaso o Kuwait é democrático? E o Egito? E acaso qual é o país democrático? Quero saber.
Princípios: Qual seria a análise das perspectivas do futuro no Oriente Médio, dos desdobramentos depois do pós-guerra e o papel que a OLP joga nessa conjuntura internacional?
Hassan El-Emleh: É uma resposta difícil. Ninguém acreditava que o Irã estava preparando 100 mil soldados para entrar em guerra civil contra Sadam, antes mesmo que a guerra tivesse acabado. Ninguém acreditava que a Síria podia mandar um exército a favor dos americanos. Acho que a solução do problema exige um pouquinho de paciência. Esta guerra mostrou aos Estados Unidos que Israel não serve mais aos interesses no Médio Oriente e que as linhas seguras de Israel são uma farsa, a melhor linha segura de Israel e a melhor maneira de servir aos interesses de todo o mundo do Médio Oriente é ter paz entre todos os países e povos da região. Eu acho que a paz está como uma luz no fim do túnel. Na verdade temo pelo futuro do Iraque. Temo pela loucura de Israel quando se vê encurralado e tiver que ceder algo. Mas, acho que o mundo inteiro tem que ver que chegou um momento dos palestinos terem seu lar próprio, e que os palestinos foram injustiçados. É preciso que se faça justiça para eles. Será que o mundo vai aceitar essa humilhação? Até quando?
A solução exige dos dois lados renúncia de algo, porque se cada um vai decidir com seu fanatismo, com seu extremismo, nunca chegaremos a um acordo.
Eles temem os palestinos, porque sabem que somos muito bem preparados. Inclusive os árabes temem um Estado Nacional Palestino (2). Chegou o momento de criar um lar palestino, em seu território, na Palestina. A Conferência é o ponto mais importante para se chegar à paz. E se Israel pensa em resolver o problema entre ele e os países árabes apenas, então está caminhando para o lado errado, para o lado agressivo, porque, na verdade, o problema é o povo palestino e tem que ser resolvido com os palestinos. Não se poderá resolver os problemas de minha casa conversando com meus vizinhos, tem que conversar comigo. Será que Shamir tem o direito de escolher quem me representa? Ou eu escolho quem me represente? Precisamos uma Conferência Mundial de Paz para que as potências coloquem seu peso e sua influência e se chegue a um acordo. Não há outro jeito, tem que ser resolvido entre palestinos e israelenses. Por que todas as potências ficaram juntas para obrigar o Iraque a retirar-se do Kuwait? Por que usaram as Nações Unidas? As Nações Unidas eram como uma "Conferência Mundial de Paz" contra o Iraque, não era isso? Não usaram doze resoluções da ONU contra o Iraque? Israel não foi criado pela ONU? Por que agora não se pode discutir debaixo do teto das Nações Unidas o problema palestino?
Mas, estou vendo uma luz no túnel e estou otimista. Não sou pessimista. Graças à luta dos irmãos iraquianos, que mexeram toda a situação do Oriente, que estava parada. Essa luta iraquiana não vai ser em vão.
Se ela não ocorresse, talvez a situação iria ainda ficar anos parada, sem solução. Para um futuro melhor, sem agressão americana, sem agressão israelense, sem agressão das potências que querem roubar a energia e o sangue dos árabes, devemos continuar a lutar. Chegou o momento de abrir os olhos e resolver tudo.