Diário Liberdade - Michael Collon
Parte do valioso texto escrito pelo jornalista belga Michael Collon, sobre as causas reais da ofensiva imperialista contra a Líbia.
Distinguir duas questões diferentes
Há muita intimidação intelectual no debate sobre a Líbia. Se denúnciares a guerra contra a Líbia, serás acusado de todo o que Kadafi fez. Não devemos assumir isso. Há que distinguir dois problemas muito diferentes.
Por uma parte, os libios têm absolutamente o direito de eleger seus dirigentes e de mudar pelos meios que eles considerem necessários. Os libios! Não Obama, nem Sarkozy. Após termos fazer uma separação das acusações contra Kadafi, o que está verdadeiramente testemunhado e o que é só propaganda interesseira, um progressista possa perfeitamente desejar que os libios tenham um dirigente melhor.
Por outra parte, quando a Líbia é atacada porque uns piratas querem dar um golpe de mão em seu petróleo, suas reservas financeiras e sua posição estratégica, então há que dizer que o povo libio vai sofrer ainda mais sob o poder destes piratas e seus fantoches. A Líbia perderá seu petróleo, suas empresas, as reservas de seu banco nacional, seus serviços sociais e sua dignidade. O neoliberalismo irá aplicar-lhe suas sujas receitas que afundaram já a tantos outros povos na miséria.
Agora bem, um "bom dirigente" nunca chega senão nas malas dos invasores e a golpe de bombas. É o que os EUA levou ao Iraque, um La o-Maliki e um pequeno grupo de corruptos que vendem seu país às multinacionais. No Iraque já têm a democracia, mas também perderam o petróleo, a eletricidade, a água, as escolas e todo o que permite uma vida digna. É o que os EUA levaram ao Afeganistão, um Karzai que reina sobre o nada, talvez sobre um bairro de Kabul, enquanto as bombas USA esmagam aldeias, festas de casamentos, escolas e o comércio da droga floresce como nunca antes.
Os dirigentes que se impuserem na Líbia mediante as bombas ocidentais, serão ainda piores do que Kadafi. Portanto, há que apoiar o governo legal libio quando se resiste ao que é uma autêntica agressão neocolonial. Porque todas as soluções previstas por Washington e seus aliados são más: quer a derrocada ou o assassinato de Kadafi, quer a cisão do país em dois ou a "somalização", isto é, uma guerra civil de baixa intensidade e longa duração. Todas estas soluções trarão sofrimento às populações.
A única solução de interesse para os libios é a negociação, com mediadores internacionais desinteressados que não façam parte do conflito, como Lula. Um bom acordo implica o respeito da soberania líbia, a manutenção da unidade do país, a preparação das reformas para a democracia e pôr fim às discriminações regionais.
Fazer respeitar o direito, o contrário ao "direito de ingerência"
Este delicado debate político há que tentar o trazer sempre aos princípios de base da vida internacional: soberania dos estados, coexistência pacífica entre os diferentes sistemas, não ingerência nos assuntos internos. Às potências ocidentais gostam de apresentar-se como que buscam fazer respeitar o direito. É totalmente falso.
Diz-se-nos que os EUA são hoje bem mais respeitosos do direito internacional do que era quando o cow-boy Bush, e que desta vez teve uma resolução da ONU. Não é aqui o sítio de discutir se a ONU representa verdadeiramente a vontade democrática dos povos e se os votos de numerosos estados não são objeto de compra ou de pressões.
Simplesmente deve se detalhar que esta resolução 1973 viola o direito internacional e, em primeiro lugar, a Carta Fundamental da mesma ONU.
Efetivamente, seu artigo 2 § 7, estipula : "Nenhuma disposição da presente Carta autoriza às nações Unidas a intervir nos assuntos que pertencem essencialmente à jurisdição interna de um Estado". Reprimir a insurreição armada é competência de um Estado, ainda se tivesse que lamentar as consequências. De todos os modo, se bombardear a rebeldes armados é considerado como um crime intolerável, então há que julgar de urgência Bush e Obama pelo que fizeram no Iraque e no Afeganistão.
Igualmente, o artigo 39 limita os casos em que a coerção militar é autorizada: "A existência de uma ameaça contra a paz, de uma ruptura da paz ou de um ato de agressão". Há que assinalar, embora somente seja par nos rirmos, que inclusive o tratado da OTAN precisa em seu artigo 1: "As partes comprometem-se, tal e como está estipulado na Carta das Nações Unidas, a regular por meios pacíficos todos os diferendos internacionais em que puderem ver-se implicadas".
Apresenta-se-nos este "direito de ingerência humanitária" como uma novidade e um grande progresso. Na realidade, o direito de ingerência veio sendo praticado durante séculos pelas potências coloniais contra os países da África, da Ásia e da América latina. Pelos fortes contra os fracos. E é precisamente para pôr fim a esta política de agressão que foram adotadas em 1945 novas regras do direito internacional. Concretamente a Carta de Nações Unidas proibiu os países fortes de invadirem os países fracos e este princípio da soberania dos estados constitui um progresso na História. Anular esta conquista de 1945 e voltar ao direito de ingerência, é voltar ao tempo das colônias.
Então, para fazer com que se aprove uma guerra muito interesseira, bate-se a tecla sensível: o direito de ingerência seria necessário para salvar as populações em perigo. Tais pretextos também eram utilizados em seu tempo pelas colonialistas França, Inglaterra e Bélgica. E todas as guerras imperiais dos EUA se fizeram com este tipo de justificativas.
Com os EUA e seus aliados como gendarmes do mundo, o direito de ingerência pertencerá evidentemente aos fortes contra os fracos, nunca ao contrário. Será que o Irão o direito de ingerência para salvar os palestinos? Tem a Venezuela o direito de ingerência para pôr fim ao sangrento golpe de Estado em Honduras? Tem a Rússia o direito de ingerência para proteger aos barenitas?
Na realidade, a guerra contra a Líbia é um precedente que abre a via à intervenção armada dos EUA ou de seus aliados em não importa que país árabe, africano ou latino-americano. Hoje vai matar-se milhares de libios "para protegê-los" e amanhã se irá matar a civis sírios ou iranianos ou venezuelanos ou eritreus "para protegê-los", enquanto os palestinos e todas as restantes vítimas dos "fortes" continuarão sofrendo ditaduras e massacres.
Mostrar que a intervenção ocidental viola o direito e nos volta ao tempo das colônias, parece-me que é um tema que há que pôr no centro do debate.