Para governo federal, o meio para expandir o cinema no País é incentivar sua exploração pelo setor privado; o projeto deve entrar em funcionamento em quatro anos, com a meta de construir 600 salas em cidades da periferia do Brasil
Por Lúcia Rodrigues
O diretor presidente da Ancine, Manoel Rangel, afirma que o governo federal quer tirar do papel o programa Cinema Perto de Você, que visa construir 600 salas de cinema em cidades da periferia do país, com objetivo e ampliar as salas de projeção para a exibição da produção nacional. A saída, segundo ele, é o Estado financiar o investimento privado no setor. Acompanhe a seguir os principais trechos da entrevista para a Caros Amigos, realizada durante o 8º Congresso Brasileiro de Cinema e Audiovisual, que ocorreu na cidade de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.
Caros Amigos – Manoel qual o papel da Ancine no incentivo ao cinema nacional?
Manoel Rangel - A Ancine tem tripla função. Regula o mercado de cinema e de audiovisual, fomenta e fiscaliza o funcionamento desse mercado. A junção dessas três atribuições da agência tem por foco o desenvolvimento do mercado de cinema e audiovisual brasileiro e tem por foco a estruturação de um forte mercado, com uma forte presença da produção brasileira e das empresas brasileiras no interior desse mercado. Nós administramos o Fundo Setorial do Audiovisual, administramos as leis de incentivo fiscal ao setor audiovisual, a lei 8.685, a medida provisória 2.228, e, por meio do Fundo Setorial do Audiovisual, dos mecanismos de incentivo fiscal e das ações de fomento direto da agência (editais internacionais e os prêmios por desempenho), nós procuramos criar as condições para este desenvolvimento do mercado. Procuramos valorizar as distribuidoras brasileiras, procuramos valorizar aquelas empresas exibidoras que mais exibem filmes brasileiros e apoiamos o conjunto da produção cinematográfica e audiovisual brasileira.
Caros Amigos - De que maneira?
Não há nenhum filme que seja feito sem receber recursos, seja das leis de incentivo fiscal, seja do Fundo Setorial do Audiovisual, seja do Programa Ancine de Qualidade, seja do prêmio adicional de renda. A gente recebe os projetos, nossa área técnica faz a avaliação e autoriza os projetos a captarem recursos, quando é o caso das leis de incentivo fiscal ou quando é o caso do Fundo Setorial, recebe projetos em chamadas anuais que são submetidos à avaliação de pareceristas externos, são submetidos à avaliação de técnicos da Agência e técnicos do Finep (Financiadora de Estudos e Projetos, ligada ao Ministério da Ciência e Tecnologia), num crivo de um conjunto de critérios que permite a avaliação dos projetos e a comparação entre os projetos, a partir disso, são tomadas as decisões de investimento nestes projetos.
Caros Amigos - Quanto a Ancine tem de recursos para esse tipo de investimento?
Temos o Fundo Setorial do Audiovisual, estamos investindo em 2010, R$ 81,5 milhões, em quatro convocatórias. E anunciamos recentemente o resultado da linha C e D.
Caros Amigos - O que é linha C e D ?
É uma linha de apoio à produção cinematográfica via distribuidoras, ou seja, aquisição de direitos de distribuição com investimento em produção, onde as distribuidoras brasileiras podem apresentar projetos de filmes para receber investimentos do Fundo Setorial do Audiovisual. E a linha D é uma linha de apoio à comercialização de filmes brasileiros, onde também as distribuidoras apresentam projetos, filmes prontos para receberem apoio do fundo no lançamento. A pecualiaridade do Fundo Setorial do Audiovisual é que não é um investimento a fundo perdido, ou seja, o fundo coloca o recurso, mas o fundo tem expectativa de receber de volta esse recurso através da exploração desses filmes no mercado de salas, no mercado de televisão, televisão paga, DVD e no mercado internacional. Então, são R$ 81,5 milhões através do Fundo Setorial este ano, cerca de R$ 13 milhões de investimentos do prêmio adicional de renda, do Programa Ancine de Qualidade e de editais de co-produção internacional que a gente faz. E nas leis de incentivo fiscal, em torno de R$ 50 milhões, R$ 60 milhões do artigo 3º A, e artigo 39, artigo 3º, e mais uma captação da ordem de R$ 90 milhões, de R$ 100 milhões nos artigos 1º e 1º A da Lei de Captação de Recurso do Audiovisual.
Caros Amigos- Explica para os leitores da Caros Amigos o que são esses artigos.
Esse é o emaranhado de mecanismos de financiamento do audiovisual. Nós temos, basicamente, três tipos de mecanismos que a Lei de Incentivo concebeu.
Um primeiro é o mecanismo muito similar ao da Lei Rouanet, pelo qual um produtor apresenta um projeto, esse projeto é avaliado por nós, é autorizado a captar recursos, e esse produtor apresenta esse projeto a empresas, de qualquer ramo, onde as empresas que investirem têm direito a abater do imposto de renda aquilo que investirem nos filmes. Essa é a Lei do Audiovisual, artigo 1º e artigo 1º A. É similar à Lei Rouanet. Um segundo grupo (tipo de mecanismo concedido pela Lei do Audiovisual) são os mecanismos de incentivo fiscal, que são coordenados, manejados por empresas do setor. Então, as companhias distribuidoras de cinema e DVD têm o artigo 3º da Lei do Audiovisual, pelo qual elas têm o direito de reter 70% do imposto de renda devido pago sobre a remessa ao exterior dos resultados da exploração dos filmes no Brasil. Então, há um imposto de renda de 15% sobre as remessas, 70%¨desse imposto de renda é depositado numa conta especial gerenciada pela distribuidora, mas supervisionada pela Ancine e esses recursos são obrigatoriamente investidos em produção de obras audiovisuais. Neste grupo está o artigo 3º, que é das distribuidoras. O artigo 39, que são das programadoras estrangeiras, a lógica é a mesma, 70% do imposto de renda numa conta de captação especial. E o artigo 3º A, que beneficia as televisões abertas, as programadoras nacionais e estrangeiras, também com 70% de recolhimento para uma conta especial. Esse mecanismo, o importante dele é que é gerenciado por empresas do setor audiovisual. Portanto, aquele que tem a disponibilidade para portar num projeto, conhece o mercado e, portanto, se relaciona com esses produtores... Conhece o mercado e conhece a atividade, ou seja, sabe da importância de ter filmes diversos, sabe da importância de ter filmes falando com vários públicos, filmes e obras de vários gêneros. Portanto, é um mecanismo mais profissional. E tem um terceiro (tipo de mecanismo concedido pela Lei de Audiovisual) que é o Funcines, que são fundos de investimento privado, que são autorizados por nós a se constituírem. Por nós e pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários), e pelo qual, uma empresa qualquer pode investir sua disponibilidade fiscal neste fundo. Este fundo se conforma e passa a investir em salas de cinema, filmes, obras para televisão e tudo mais. Esses são os três grupos de mecanismo de incentivo fiscal. Ao lado disso, você tem o fundo de investimento setorial do audiovisual, que é um fundo público, alimentado por recursos do setor, gerenciado pela Agência Nacional do Cinema, e um recurso que a gente considera para investimentos estruturantes na atividade. São políticas de fortalecimento das distribuidoras, distribuidoras brasileiras independentes associadas ao filme brasileiro. A gente tem políticas de apoio à associação entre televisões e produtores independentes, projetos que já venham com contratos com uma televisão, com uma pré-compra de uma televisão, podem receber investimentos do Fundo Setorial do Audiovisual para serem realizados, projetos de séries, minisséries, coisas assim. E o fundo, portanto, permite uma atuação mais ampla. Ainda nessa linha do fundo setorial, nós lançamos em junho, o programa Cinema Perto de Você, que mobiliza investimentos da ordem de R$ 300 milhões do Fundo Setorial do Audiovisual, para expandir o parque de salas cinemas do Brasil. É um projeto com uma meta de 600 salas de cinema em quatro anos e recursos que serão concedidos na forma de empréstimos e investimentos, juro zero, na sua condição mais favorável, e na condição um pouco mais apertada são os juros de 4%, que se somam aos recursos do Bndes, mais R$ 200 milhões do Bndes, para viabilizar projetos da chegada de salas de cinema nas periferias das grandes cidades, nas cidades médias do interior, nas cidades com mais de 100 mil, que não tem nenhuma sala de cinema, procurando oferecer a sala de cinema nas áreas onde há grande concentração de classe C.
Caros Amigos - Quem vai construir essas salas de cinema na periferia?
Os empresários, os exibidores. O Estado vai disponibilizar crédito, vai disponibilizar investimento e o empresário, o empreendedor, qualquer empreendedor, não precisa ser um empreendedor tradicional do setor, pode apresentar projetos desde que esteja dentro das áreas-foco do programa.
Caros Amigos - Quais são essas áreas-foco?
Nós temos como área-foco... Nós fizemos um grande mapeamento das 39 cidades com mais de 500 mil habitantes no país. Pegamos essas cidades, são mais do que 39 com mais de 500 mil habitantes, são 42, 43, mas dessas, 39 têm salas de cinema. Nessas 39, nós fizemos um zoneamento dessas cidades levando em conta fatores como renda familiar, escolaridade e distância dos complexos cinematográficos pré-existentes. E nesses zoneamentos identificamos três áreas de investimento, que são três áreas de investimento para modular o patamar de juros e o patamar de dinheiro de investimento, ao lado do dinheiro de financiamento que a gente coloque nesses projetos. Além dessas 39 cidades, nós temos como foco do programa as 82 cidades com mais de 100 mil habitantes que não têm nenhuma sala de cinema. Esse também é um grupo-foco, prioridade do programa.
Caros Amigos - Essas cidades estão espalhadas por todo o Brasil ou estão concentradas na região sudeste?
Por todo o Brasil, todo o Brasil. E ainda há como terceiro grupo-foco do programa cidades com mais de 100 mil habitantes e menos de 500 mil habitantes que têm salas de cinema, mas que têm uma baixa presença nas salas de cinema. Depois disso, a gente tem uma escala de juros e de condições de investimento que modula outros fatores. Um desses outros fatores, por exemplo, para nós é prioritária a abertura de salas de cinema nas regiões norte e nordeste do Brasil. Por que? Porque o Brasil tem uma média de uma sala para mil habitantes, mas quando você vai para o norte do país, essa média sobe para uma sala para cada 200 mil habitantes. E quando você vai para o Nordeste, a média é de uma sala para cada 150 mil habitantes. Portanto, a gente fez também um zoneamento dessa natureza. O programa procura levar a sala de cinema para onde não tem, procura levar a sala de cinema mais perto dessa classe C emergente, que é o motor da economia brasileira. Nossas razões são razões, claro, de ordem de cidadania, da importância simbólica, da importância da cultura, mas tem um vetor de orientação econômica que é dizer aos empresários do setor audiovisual que eles precisam acompanhar o movimento de crescimento da economia brasileira e que só cresce hoje no Brasil quem aposta na emergência da classe C, que passa a consumir, a demandar.