Li numa reportagem de uma revista que muito admiro que o evento no Rio assemelha-se a Canudos. Não creio.
Canudos foi um evento trágico na história do Brasil, e que deixou marcas, sem dúvida. O evento no Rio deixa marcas, mas não ficará para a história.
Muitos dos militares envolvidos na guerra de Canudos foram morar nas vilas recheadas de casebres, nos morros cariocas. Essa região foi denominada por eles mesmos de “favelas”, em razão do morro de mesmo nome situado em Canudos, que permitia avistar centenas de casas dispostas desordenadamente no então Belo Monte de Antônio Conselheiro.
O Rio herdou muito de Canudos. E o termo favela tornou-se mundialmente conhecido. E, hoje, com o tráfico afrontando a força policial, as favelas foram invadidas pelo exército, pela marinha e pelo policiamento civil e militar.
Há muito preconceito em relação às favelas. Diz tratar-se de lugar sujo, lugar de bandido, lugar de droga. Sim, há isso, como em todas as cidades. São Paulo também tem. Nova Canudos também. Porém, há gente honesta que mora nas favelas cariocas e que sonha com paz, liberdade e dignidade. Essas pessoas não querem os traficantes por perto tampouco os desmandos da polícia. Querem dignidade e respeito, como todos nós.
Os traficantes e as milícias dominam muitos morros do Rio e, além de exigir pedágios, impõem horários aos moradores, cerceando a liberdade dos mais pobres, moradores da periferia, dos morros que nossas vistas não alcançam, de um lugar que muitos preferem esquecer que existe, as favelas.
Ao governo carioca resta uma só alternativa, o enfrentamento. Enfrentar grupos de bandidos não é fácil. Não é o mesmo que enfrentar um exército regular. Exige comando, serviço de inteligência e ações adotadas por grupos, pequenos grupos de policiais e militares. É o enfrentar e se afastar, criando insegurança aos bandidos. É usar das mesmas armas, do terror psicológico. É o cercar e observar à distância, afastando os clientes. Hoje, os traficantes reúnem poder em razão do dinheiro da droga, mas em breve, com o cerco policial, esses mesmos traficantes enfrentarão sérias dificuldades, sem dinheiro, sem novos armamentos, sem novos recrutas e sem alimentos, o que facilitará a ação definitiva e derradeira da polícia do Rio de Janeiro. Isso levará meses e demandará paciência dos cariocas.
De certo, a afronta ao Estado da forma hoje vigente não durará mais que uma semana. Os traficantes cariocas sabem que terão que poupar recursos e pessoas, seja para corromperem, seja para adotarem medidas futuras. Se agirem impensadamente, gastando todo o arsenal, serão obrigados a, muito em breve, se entregar à polícia ou morrer em combate, cercados por terra, água e mar.
Basta à polícia não agir precipitadamente, respeitar os moradores dos morros, utilizar recursos tecnológicos e ações de inteligência, que em breve os morros do Rio poderão estar livres dos traficantes. Porém, a presença do Estado deve tornar-se efetiva, senão, novos grupos de traficantes ocuparão o lugar daqueles que hoje enfrentam o Estado e criam temor, pânico e descrédito nas instituições.
O evento de hoje pode ser providencial para que os comandos de tráfico sejam exterminados, com inteligência e sem força desmedida que possa causar malefícios aos moradores.
As favelas podem lembrar Canudos, mas os traficantes em nada lembram os canudenses, povo digno que apenas sonhava com o leite e mel bíblicos e que incomodava tanto a Igreja, como os Latifundiários e os políticos locais. Os canudenses mereciam respeito da República, mas os traficantes que matam e disseminam o terror, não. Estes são bandidos, e dos mais cruéis.
Há muita diferença entre Canudenses e traficantes. Contudo, há enormes semelhanças entre canudenses e os favelados, ambos excluídos da cidadania e que apenas são lembrados pela República quando viram manchete de jornal.