Uma boa política externa exige prudência. Mas também exige ousadia. Não pode basear-se na timidez ou no complexo de inferioridade. É comum escutar que os países devem atuar de acordo com os seus meios, o que é quase uma obviedade. Mas o maior erro é subestimá-los. Ao longo destes quase oito anos, o Brasil atuou com ousadia e, assim como fizeram outros países em desenvolvimento, mudou seu lugar no mundo. Esses países são vistos hoje, inclusive pelos eventuais críticos, como atores que estão recebendo crescentes responsabilidades e um papel cada vez mais central nas decisões que afetam os destinos do planeta. O artigo é de Celso Amorim.
Há sete anos, quando se falava da necessidade de mudanças na geografia econômica mundial ou se dizia que o Brasil e outros países deveriam desempenhar um papel mais relevante na Organização Mundial do Comércio (OMC) ou integrar-se de modo permanente ao Conselho de Segurança na ONU, muitos reagiam com ceticismo. Desde então, o mundo e o Brasil mudaram numa velocidade acelerada e algumas supostas “verdades” do passado vão se rendendo ante a evidência dos fatos. As diferenças no ritmo de seu crescimento econômico em relação aos países desenvolvidos converteram os países em desenvolvimento em atores centrais da economia mundial.
A maior capacidade de articulação Sul-Sul – na OMC, no FMI, na ONU e em novas coalizões como o BRIC – eleva a voz de países que antes estavam relegados a uma posição secundária. Quando mais os países em desenvolvimento conversam e cooperam entre si, mais eles são escutados pelos ricos. A recente crise financeira mostrou de maneira ainda mais evidente o fato de que o mundo já não pode ser governado por um consórcio de alguns poucos países.
O Brasil vem tentando de forma ousada desempenhar seu papel neste novo cenário. Após sete anos e meio de governo do presidente Lula, a visão que se tem do país no exterior é outra. É inegável o peso cada vez maior que o Brasil, assim como um novo grupo de países, tem hoje na discussão dos principais temas da agenda internacional, como mudança climática, comércio internacional, finanças, paz e segurança mundial. Esses países trazem uma nova forma de enxergar os problemas do mundo e contribuem para um novo equilíbrio internacional.
No caso do Brasil, essa mudança de percepção deveu-se, em primeiro lugar, à transformação da realidade econômica, social e política do país. Avanços nas mais diversas áreas, desde o equilíbrio macroeconômico até o resgate da dívida social, fizeram do Brasil um país mais estável e menos injusto. As qualidades pessoais e o compromisso direto do presidente Lula em temas internacionais colaboraram para levar a contribuição brasileira aos principais debates internacionais.
O Brasil está desenvolvendo uma política externa abrangente e protagonista. Buscamos construir coalizões que vão mais além das alianças e relações tradicionais, as quais tratamos, por outro lado, de manter e aprofundar, como a formalização da Relação Estratégica com a União Européia e do Diálogo Global com os Estados Unidos.
O eloqüente crescimento de nossas exportações para os países em desenvolvimento e criação de mecanismos de diálogo e concertação, como a Unasul, o G-20 na OMC, o Fórum IBAS (Índia, Brasil e África do Sul) e o grupo BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) são expressões dessa política externa universalista e livre de visões pequenas do que pode e deve ser a atuação de um país com as características do Brasil.
A base dessa nova política externa foi o aprofundamento da integração sulamericana. Um dos principais ativos de que o Brasil dispõe hoje no cenário internacional é a convivência harmoniosa com seus vizinhos, começando pela intensa relação que mantemos com a Argentina. O governo do presidente Lula empenhou-se, desde o primeiro dia, em integrar o continente sulamericano por meio do comércio, da infraestrutura e do diálogo político.
O Acordo Mercosul-Comunidade Andina criou, na prática, uma zona de livre comércio que envolve toda a América do Sul. A integração física do continente avançou de uma forma notável, incluindo aí a conexão entre o Atlântico e o Pacífico. Nossos esforços para a criação de uma comunidade sulamericana levaram à fundação de uma nova entidade: a União das Nações Sulamericanas (Unasul).
Apoiado nas bases de uma América do Sul mais integrada, o Brasil contribuiu para a criação de mecanismos de diálogo e cooperação com países de outras regiões, fundados na percepção de que a realidade internacional já não permite a marginalização do mundo em desenvolvimento. A formação do G-20 da OMC, na Reunião Ministerial de Cancun, de 2003, marcou a maturidade dos países do Sul, mudando de forma definitiva o modelo de tomada de decisão nas negociações comerciais.
O IBAS responde aos anseios de concertação entre três grandes democracias multiétnicas e multiculturais, que tem muito a dizer ao mundo em termos de afirmação da tolerância e de conciliação entre o desenvolvimento e a democracia. Além da concertação política e da cooperação entre os três países, o IBAS se converteu em um modelo para os projetos em favor de nações mais pobres, demonstrando, na prática, que a solidariedade não é um atributo exclusivo dos ricos.
Também lançamos as cúpulas dos países sulamericanos com os países africanos (ASA) e com os países árabes (ASPA). Construímos pontes e políticas entre regiões até então distantes umas das outras, a despeito de suas complementaridades naturais. Essa aproximação política resultou em notáveis avanços nas relações econômicas. O comércio do Brasil com os países árabes quadruplicou em sete anos. Com a África, se multiplicou por cinco e chegou a mais de 26 bilhões de dólares, cifra superior a do comércio com sócios tradicionais como Alemanha e Japão.
Essas novas coalizões ajudaram a mudar o mundo. No campo econômico, a substituição do G-7 pelo G-20 como principal instância de deliberação sobre os rumos da produção e das finanças internacionais é o reconhecimento de que as decisões sobre a economia mundial careciam de legitimidade e eficácia sem a participação dos países ditos emergentes.
Também no terreno da segurança internacional, quando Brasil e Turquia convenceram o Irã a assumir os compromissos previstos na Declaração de Teerã, ficou demonstrado que novas visões e formas de atuar são necessárias para lidar com temas tratados até então exclusivamente pelos atuais membros do Conselho de Segurança da ONU. Apesar das resistências iniciais a uma iniciativa de uma nação que não pertence ao clube fechado das potências nucleares, estamos seguros de que a direção do diálogo ali assinalada servirá de base para as futuras negociações e para a eventual solução da questão.
Uma boa política externa exige prudência. Mas também exige ousadia. Não pode basear-se na timidez ou no complexo de inferioridade. É comum escutar que os países devem atuar de acordo com os seus meios, o que é quase uma obviedade. Mas o maior erro é subestimá-los.
Ao longo destes quase oito anos, o Brasil atuou com ousadia e, assim como fizeram outros países em desenvolvimento, mudou seu lugar no mundo. Esses países são vistos hoje, inclusive pelos eventuais críticos, como atores que estão recebendo crescentes responsabilidades e um papel cada vez mais central nas decisões que afetam os destinos do planeta.
(*) Celso Amorim é ministro de Relações Exteriores do Brasil. Artigo publicado originalmente no jornal El País (Espanha).