quarta-feira, 2 de junho de 2010

O BRASIL QUE INVESTE NA VENEZUELA

Empresas brasileiras apostam na economia venezuelana

Lamia Oualalou

Parado no meio de uma rua da favela San Agustín, no centro de Caracas, o pequeno Juan olha com fascinação as pequenas cabines vermelhas passarem por cima de sua cabeça. Na escola, a professora explicou que isso era um teleférico, uma invenção usada nos países frios para subir nas estações de esqui. Mas Juan tem dificuldades para imaginar a cena. A temperatura na capital venezuelana nunca cai abaixo de 16 graus. Para ele, “neve” e “esquiador” são palavras abstratas.

No entanto, o garoto de 9 anos entendeu perfeitamente que graças à curiosa instalação a mãe voltava mais rapidamente do trabalho. Antes, ela tinha que pegar duas conduções e subir os mais de cem degraus que levam ao topo do morro de San Agustín. Agora, bastam alguns minutos, a partir do centro. O teleférico, chamado de “Metrocable”, foi inaugurado em 20 de janeiro de 2010, mudando a vida das 40 mil pessoas da comunidade. Cinco estações (Parque Central, Hornos de Cal, La Ceiba, El Manguito e San Agustín) ligam o morro ao metro, com um percurso de dois quilômetros.

O desenho das cabines foi feito por uma empresa austríaca, com uma adaptação ao gosto local. Em vez do tradicional branco das montanhas europeias, em Caracas, estão pintadas de vermelho. No lugar da publicidade por uma marca de bebida, encontra-se o nome dos Estados venezuelanos ou uma palavra simbólica da revolução bolivariana. Basta entrar numa estação para ver chegar a cabine “Lealdade”, seguida pelas cabines “Participação” e “Ética Social”. Na segunda estação, Hornos de Cal, um ponto panorâmico foi planejado para virar uma atração turística, apesar de a zona ser uma das mais inseguras de Caracas.

Os habitantes de San Agustín não sabem, mas é uma a empreiteira brasileira, a Odebrecht, que fez a obra. “Eles estão em todos os lugares, parece que levam todos os contratos”, declara, impressionado, Gustavo Borges, um líder social do bairro 23 de Enero, uma comunidade vizinha. É um exagero, mas ilustra muito bem o sucesso da empresa brasileira após o início do processo que ganhou o nome de revolução bolivariana.

Instalada em Caracas desde dezembro de 1992, quando Hugo Chávez estava na cadeia após o golpe de Estado frustrado contra o então presidente Carlos Andrés Pérez, a Odebrecht começou com contratos modestos. “O primeiro foi a construção de um centro comercial, o Centro Lago Mall”, lembra José Cláudio Daltro, diretor de administração da Odebrecht na Venezuela, há dez anos no país.

Os negócios começaram para valer com a assinatura do primeiro grande contrato, em 1999, para a construção da linha 4 do metrô de Caracas, uma obra de US$ 400 milhões, com um financiamento do brasileiro BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). “Foi uma licitação internacional”, insiste Daltro. “A partir daquele momento, a empresa entrou em muitos projetos de infraestructura de grande impacto: metro, pontes, e hidroelétricas”, segue o diretor de origem baiana.

Em 2001, a Odebrecht foi escolhida para a construção de uma ponte de três quilômetros de extensão sobre o Rio Orinoco, obra de US$ 1,2 bilhão. Hoje, a empresa toca seis grandes contratos: uma usina hidrelétrica de Tocoma, a extensão da linha 5 do metrô de Caracas e também o metrô da região de Los Teques, na periferia da capital, um sistema de transporte ferroviário na região metropolitana de Caracas, o projeto de irrigação de El Dilúvio em Maracaibo e uma terceira ponte sobre o Rio Orinoco, esta de cerca de cinco quilômetros. “Em todos os casos, nosso único cliente é o Estado venezuelano. Não temos nenhum cliente privado”, precisa Daltro.

Além das infraestruturas tradicionais, a empreiteira quer agora participar da principal atividade da economia venezuelana: o petróleo. Ela acabou de assinar um contrato com a estatal petroleira PDVSA para explorar quatro campos no Estado de Zulia. O acordo, fechado no final de abril, durante uma visita de Chávez a Brasília, é modesto: segundo o ministério de Energia da Venezuela, serão investidos US$ 149 milhões nos próximos 25 anos, para extrair 16 mil barris de petróleo por dia. Para o grupo brasileiro, porém, é um investimento estratégico.

A decisão contrasta com a de Petrobras, que desistiu no inicio do ano de participar da licitação para a exploração da bacia do Orinoco. A Petrobras, cuja atenção é monopolizada pelos investimentos no Brasil, após a descoberta do petróleo pré-sal, prefere se limitar a suas aquisições passadas na Venezuela. A estatal brasileira, que comprou em 2002 a argentina Pérez Companc, passou assim a controlar quatro campos na região oriental e perto do Lago de Maracabo. Em 2006, os contratos foram convertidos em empresas mistas com a PDVSA como sócio majoritário, com 60%. A produção atual das empresas é de 30 mil barris por dia.

A Petrobras tem também dificuldade na relação com PDVSA na negociação para a instalação da refinaria Abreu e Lima em Recife (60% da Petrobras e 40% da PDVSA). A estatal venezuelana, que tem problemas de caixa, ainda não pagou a fatia de investimentos que lhe corresponde.

Com a atuação modesta de Petrobras na Venezuela, a Odebrecht se tornou a maior empresa brasileira no país. Com cerca de 9.000 empregados – 150 provenientes do Brasil - a sucursal venezuelana é a maior de que a Odebrecht dispõe no exterior. No desenvolvimento das obras, a empreiteira subcontrata 480 empresas, 20 delas brasileiras. “Nossa presença permitiu a instalação delas no país, o que teria sido bem mais complicado sem nossos contratos”, diz Daltro.

O sucesso de Odebrecht provoca a inveja dos concorrentes do setor. “Eles conseguem ter um acesso direto com o presidente”, explica um diplomata europeu, como se quisesse dizer que eles não estão jogando na mesma categoria. De fato, não é raro ver o chefe de Estado Hugo Chávez organizar a transmissão de seu programa dominical de TV, o “Alô Presidente”, em canteiros da empreiteira brasileira. “Nossa filosofia é a instalação no país. Ao contrário de alguns concorrentes, não queremos ficar só o tempo de algumas operações. Quando houve problemas na Venezuela, alguns foram embora, a gente ficou. O governo reconhece isso”, explica Daltro.

No rasto de Odebrecht, as principais construtoras brasileiras, como Andrade Gutierrez, Queiroz Galvãao e Camargo Corrêa abriram escritórios na Venezuela. Todas querem aproveitar os petrodólares e as grandes carências em infraestrutura do país. A Andrade Gutierrez está, por exemplo, construindo um estaleiro para abrigar 42 navios petroleiros para PDVSA, no leste do país. A Camargo Corrêa assinou em junho passado um contrato de 476 milhões de dólares para desenvolver uma rede para transferência de água, uma represa e estações de bombeamento no estado de Miranda.

“A Odebrecht é a grande propulsora da experiência de serviços brasileiros para Venezuela”, afirma Rafael de Mello Vidal, o ministro-conselheiro da embaixada brasileira em Caracas. Ele calcula que a carteira dos investimentos brasileiros no país chega hoje a US$ 15 bilhões. “A Venezuela, que estava antes virada para os Estados Unidos, decidiu redirecionar seus negócios para o sul. Nesse processo, Chávez convocou o Brasil para participar, e assim começou nossa aliança estratégica”, continua o diplomata.

Segundo ele, as empreiteiras não são as únicas ganhadoras, que incluem também o setor das máquinas. “As construtoras brasileiras sempre preferem levar uma máquina a que já estão acostumadas ou subcontratar uma empresa que conhecem”, completa.

Para o diplomata Audo Faleiro, do gabinete de Marco Aurélio Garcia, o assessor especial da Presidência da República para Assuntos Internacionais, “as empresas brasileiras foram chamadas pelo governo venezuelano para substituir a falta de investimento local, seja por má vontade do empresariado venezuelano, seja por causa da desconfiança do Chávez após o golpe de Estado e a greve de 2002 e 2003”.

Ele ressalta uma feliz coincidência: “A Venezuela tem necessidade enormes, que manifestou no momento em que as grandes empresas brasileiras decidiram intensificar o processo de internacionalização, especialmente em direção à América do Sul”. Ele enfatiza que uma outra razão do sucesso das empresas brasileiras na Venezuela é a boa relação entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Hugo Chávez.

Desde 2007, os presidentes se encontram a cada três meses, seja na Venezuela ou no Brasil. E quando Lula chega a Caracas, é sempre com uma comitiva de empresários. “Essa aliança é um elemento de segurança suplementar. A gente tem um dialogo fluido com o governo venezuelano, enquanto algumas embaixadas nem conseguem marcar um encontro com os ministros”, acrescenta o Vidal, rindo.

“É inegável que a boa relação entre nossos presidentes tem ajudado muito Odebrecht, como todas as empresas brasileiras”, reconhece José Cláudio Daltro. Ao contrário dos concorrentes, que temem as mudanças bruscas da política econômica venezuelana, como o anuncio de nacionalização, as empresas brasileiras trabalham com a sensação de pisar num terreno mais seguro. Elas sempre entram com o apoio do governo, em termos políticos, mas também financeiros. A Venezuela tem dificuldade para conseguir crédito no mercado externo, e poucos países possuem uma ferramenta tão potente como o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para financiar os investimentos.

Em 2009, enquanto a crise econômica mundial tinha acabado com o crédito privado, o BNDES bateu o recorde em sua linha de financiamentos às exportações de serviços e bens brasileiros para a América Latina e o Caribe. A instituição desembolsou US$ 726 milhões, sobretudo para a contratação de obras de infraestrutura, realizadas por empreiteiras brasileiras.

O risco de não pagamento é considerado nulo pelas autoridades brasileiras, já que esses financiamentos são feitos no âmbito do CCR (Convênio de Pagamentos e Créditos Recíproco), uma câmara de compensação de crédito e débitos da Aladi (Associação Latino Americana de Integração), constituída pelos países da região. Segundo o sistema do CCR, os bancos centrais fazem periodicamente um acerto de contas. Se o devedor deixa de pagar, o Banco Central desse país assume a dívida. “Além disso, a gente nunca teve problemas de pagamento, apenas atrasos normais em obras dessa importância”, assegura Daltro.
As grandes empreiteiras não são as únicas a apostar na Venezuela. É também o caso de empresas menores, muito especializadas, como a paranaense Consilux. A empresa, que tem contratos com o departamento de trânsito do Paraná, de sinalização e colocação de radares eletrônicos, foi convidada para desenhar um projeto habitacional, criando novos bairros em seis cidades da Venezuela (Ciudad Bolívar, Maturin, Acarigua, Anaco, Barinas e Barquisimeto). O contrato deve contribuir a reduzir o déficit habitacional na Venezuela, que gira em torno de dois milhões de moradias.

“A ideia é construir bairros compatíveis com o desenvolvimento endógeno desejado pelo governo. O objetivo é que os moradores tenham acesso aos serviços sociais e também trabalhem no local”, explica Espartano Fonseca, o chefe do projeto em Caracas.

Os bairros, que parecem uma Brasília em miniatura, giram em torno de dois eixos, onde ficam todos os equipamentos sociais: escola, creche, biblioteca, instalações esportivas e ciclovias. É também ai que será instalada a principal organização política do bairro, o conselho comunal. As cooperativas estão um pouco mais afastadas, assim como a planta de reciclagem do lixo.
As habitações, todas adaptadas ao risco de abalos sísmicos, têm três tipos de modelo: a casa tradicional venezuelana, o pequeno duplex ou o apartamento em prédios baixos. “As casas são bem grandes, de 70 m2, com 3 quartos, um deles sendo uma suíte, com sala, cozinha, e área de serviço. É muito maior do que no Brasil, onde a habitação popular não passa de 36 m2 ou 42 m2”, elogia Fonseca. A Consilux já entregou 346 casas no núcleo de Cidade Bolívar, em fevereiro 2010.
“Os habitantes são funcionários públicos, militares, e pessoas humildes, mas não conheço os critérios de escolha, é o governo que decide”, precisa o arquiteto. Em teoria, cada comprador pagará em prestações, com juros muito baixos, de menos de 5% ao ano. Com a inflação venezuelana, superior a 25%, eles podem considerar que as casas são quase de graça.
O preço de cada bairro pode chegar a US$ 100 milhões, por causa da escassez de material e do custo de transporte muito elevado, explica Fonseca. “Além disso, o prazo é muito curto, temos que providenciar estas pequenas cidades em 18-20 meses, o que encarece a obra”, diz. Ele pondera que a qualidade das habitações “é muito superior à dos programas feitos no Brasil, onde a habitação popular privilegia a quantidade contra a qualidade”.

Segundo o chefe de projeto brasileiro, a operação venezuelana, a primeira da Consilux fora do Brasil, “vai constituir uma vitrina, para chegar a fazer obras semelhantes no resto da América Latina”. Os seis bairros venezuelanos representam hoje a metade da atividade da empresa paranaense. “Os pagamentos chegam sem muitos atrasos”, comemora. Para ele, isso se explica pelo fato que eles trabalham com a “bandeira brasileira”, e, sobretudo, por ter o Estado como cliente.

“A gente teve que importar cerâmicas, louças. Nunca tivemos problemas para ter as autorizações do Cadivi, o sistema de câmbio de moedas usado na Venezuela para pagamentos de compromissos com o exterior. Basta dizer que é para o programa habitacional do governo para conseguir tudo. Para as empresas que trabalham para clientes privados, as coisas são bem mais complicadas, algumas ficam meses sem cimento ou aço”, reconhece.
A principal dificuldade que enfrentam as empresas brasileiras é a alta rotatividade de funcionários do governo. Estas mudanças administrativas alimentam a confusão burocrática. Para os brasileiros, o pesadelo é ouvir a frase “quédate tranquillo” (“pode ficar tranquillo”). “Quando começam assim, já sei que eles não vão cumprir a tarefa nos prazos, e que vou ter que me virar sozinho”, confessa um empresário brasileiro, pedindo o anonimato.

As tensões com os sindicatos são uma outra fonte de preocupação, embora os empresários brasileiros prefiram evitar a crítica, para não desagradar ao governo. “O tema dos diretos trabalhista é um problema. Os sindicatos têm um poder enorme, nossas empresas já tiveram algumas greves, tem que negociar, sempre”, confirma Rafael Vidal de Mello.

Os grupos brasileiros também sofreram com os cortes de eletricidade dos últimos meses, consequência da crise energética. “Atrapalharam as obras, mas nunca paramos, porque num canteiro sempre dá para avançar outras etapas sem eletricidade”, modera Fonseca.

Para os grupos industriais, porém, o prejuízo foi bem maior. A produtora de cerveja brasileira AmBev teve que restringir seus fluxos para obedecer as exigências de economias energéticas. “O problema é que o governo impôs isso para setores muito mais estratégicos, como a siderurgia, não dá para protestar e dizer que a produção de cerveja é atrapalhada”, diz um diplomata brasileiro.

A AmBev, que está instalada na Venezuela há mais de uma década – antes com o nome de Brahma –, também sofreu com as restrições às importações decididas pelo governo após a queda do preço do petróleo, no ano passado. Mas o grupo sabe que não é um alvo do governo. “Ao contrário, a Brahma é uma marca muito popular nos bairros”, conta o ativista social Gustavo Borges. Ele lembra que durante a greve do final de 2002, enquanto a principal produtora local, Polar, tinha parado sua produção, “a Brahma continuava a vender cervejas, um produto fundamental na Venezuela. A gente acabou chamando-a de cerveja bolivariana!”.

As dificuldades para liberar os pagamentos para as empresas que exportam na Venezuela têm mobilizado bastante o governo brasileiro. Em 2009, o presidente Lula chegou a enviar emissários a Chávez para obter a garantia de pagamento de atrasados a firmas brasileiras. Ele mandou o recado de novo no final de abril, durante a visita do chefe de Estado venezuelano a Brasília.

Naquele momento, o ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge, declarou que a Venezuela estava devendo US$ 15 milhões a empresas brasileiras. São valores não muito elevados, mas que afetam empresas de pequeno ou médio porte, provocando dificuldades de caixa. O ministro Jorge, porém, considera este atraso “normal” diante de um comércio bilateral de cerca de US$ 5 bilhões, largamente dominado pelas exportações brasileiras - US$ 4,5 bilhões.

Para refletir:

Para viver, sinta, sonhe e ame.
Não deseje apenas coisas materiais.
Deseje o bem e multiplique as boas ações.
Sorria, sim. Mas ame mais.

Ame a si, aos outros, a quem está próximo e distante.
Ame quem errou e quem acertou.
Não diferencie.

O amor não julga. O amor não pune. O amor aceita.
Pense nisso e aceite a vida.

Vamos brincar com as palavras?



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