Empreiteira baiana terá controle acionário sobre 51% da nova empresa. Acordo firmado com a Petrobras, e que sela a fusão entre a Braskem e Quattor, deve ser aprovado pelo Cade ainda neste semestre.
A estratégia definida pelo governo federal de fortalecimento de grupos empresariais nacionais está direcionando a economia brasileira para a formação de monopólios e oligopólios privados em vários setores. Para os defensores dessa tese, a disputa por mercados deixou de estar circunscrita ao âmbito nacional e passou a ser definida no plano internacional. O objetivo, portanto, é consolidar e robustecer alguns grupos privados para atuarem nessa arena do capitalismo mundial.
A formação de uma gigante na área petroquímica é o exemplo mais recente da linha traçada pelo Planalto. O acordo firmado entre Petrobras e Odebrecht para a aquisição da Quattor pela Braskem, empresa em que as duas companhias já atuam como sócias, alavanca a empreiteira baiana à liderança do setor petroquímico na América Latina. O sinal verde para a efetivação da BRK, nome da nova empresa, deve ser dado pelo Cade, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Ao que tudo indica o órgão vai chancelar a decisão ainda neste semestre.
O aporte financeiro feito pela estatal para a consolidação da gigante petroquímica é de R$ 2,5 bilhões, a Odebrecht entra com uma contrapartida de R$ 1 bilhão. Mesmo assim, o capital acionário majoritário de 51% ficará nas mãos da empreiteira. Sob controle da Petrobras ficam 49% das ações da holding. A Odebrecht também terá o maior número de assentos no Conselho de Administração da nova empresa: seis contra quatro da estatal e um independente.
O presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli de Azevedo, explica à reportagem de Caros Amigos que a Petrobras está se reposicionando dentro do setor petroquímico brasileiro depois das privatizações que ocorreram ao longo dos anos 90. O processo de privatização das centrais petroquímicas esfacelou a atuação da estatal na área. Só a partir de 2003 é que o cenário começa a se inverter e a Petrobras passa a ter uma intervenção mais efetiva na área petroquímica.
O movimento de reorientação da estatal ao retornar ao setor funciona como instrumento para o financiamento e consolidação da indústria petroquímica, segundo o economista do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) e do Sindicato dos Químicos do ABC, Thomaz Jensen, “O ator relevante para a aquisição da Quattor pela Braskem é a Petrobras”, frisa o economista.
Gabrielli reconhece que a atuação da Petrobras é decisiva para a consolidação da nova empresa que colocará a Odebrecht à frente do setor. “A nossa visão neste momento é que compartilhar a gestão, compartilhar o investimento, é a melhor alternativa.” Ele está atento, no entanto, aos riscos que a parceria representa na definição dos rumos da indústria petroquímica nacional, capitaneada pela empreiteira. “Corremos esse risco. Vamos ter eternamente um conflito entre as duas empresas.”
O presidente da Petrobras considera a indústria petroquímica estratégica para o desenvolvimento do país. “O futuro do petróleo não vai estar no combustível do automóvel, mas sim na indústria petroquímica.” Ele sabe que a integração entre as indústrias petroleira e petroquímica é fundamental para agregar valor ao produto final. A Petrobras é fornecedora da nafta, insumo básico das centrais petroquímicas.
“Para a Petrobras é fundamental estar na indústria petroquímica. Neste momento, como acionista importante, compartilhando decisões com a Odebrecht. Se o futuro vai ser assim, eu não sei. Há dois anos pensávamos que seriam duas empresas, mas uma não sobreviveu. Agora vai ter uma privada. Se ela vai sobreviver, não sabemos. Como diz o casamento religioso: até que a morte os separe”, brinca.
Para o professor de economia da Unicamp Wilson Cano, o processo de concentração do capital que está ocorrendo no Brasil faz parte da lógica do capitalismo. “Marx explica isso em O Capital. O mais forte absorve o mais fraco.” O docente, que tem livre docência na área de concentração industrial, explica que esse tipo de atividade não admite pequenos. “A indústria química necessita de escala”, ressalta.
Cano afirma que o financiamento de grupos privados pelo Estado é uma rotina na história brasileira. A indústria petroquímica começou na década de 70 e foi financiada pelo modelo tripartite (capitais estatal, privado nacional e internacional). “Vivemos quase que uma réplica desse período, com a diferença que agora não há o capital internacional.”
Ele conta que os bancos privados brasileiros não querem emprestar dinheiro a longo prazo. “O longo prazo causa alergia no sistema bancário brasileiro”, alfineta. O Bndes (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) acaba tomando, na maioria dos casos, para si a tarefa de agir como agente financiador do capital privado.
“Isso sempre aconteceu e continua acontecendo. Como o Gerdau está comprando coisas lá fora? Com o dinheiro do Bndes. Como a Friboi está comprando coisas lá fora? Com o dinheiro do Bndes. Como o Steinbruck compra coisas lá fora? Com dinheiro do Bndes. E o Antonio Ermírio de Moraes? A mesma coisa.”
O banco de desenvolvimento participou do processo de fusão entre as empresas de telefonia Oi e BrT (Brasil Telecom), com um aporte de R$ 2,57 bilhões. Na operação de fusão entre a Aracruz e a Votorantim, que consolidou a Fibria, como gigante da área de celulose, o braço de participações do banco, Bndespar, entrou com R$ 2,4 bilhões. O Bndes também apoiou com R$ 3,48 bilhões o processo de incorporação da Bertin e Pilgrim´s Pride, pela JBS, gigante do setor de carnes industrializadas e in natura.
“A noção de mercado relevante é muito importante para se compreender o que é um monopólio. A concorrência não se dá no mercado interno. Nós não temos grupos econômicos brasileiros do porte de seus concorrentes internacionais, com exceção de um ou dois, como a Vale. O que nós estamos assistindo é à consolidação de grandes grupos nacionais”, argumenta o diretor de Planejamento do Bndes, João Carlos Ferraz, para justificar o papel que o banco desempenha como agente financiador do capital privado.
“Não interessa se a empresa é estatal ou não. Do ponto de vista de um banco público, interessa que os agentes econômicos gerem mais e melhores emprego. A propriedade sobre os meios de produção é secundária. Não estou interessado em quem é o dono do negócio. Há uma orientação para que sejam fortalecidas empresas que tenham capacidade produtiva e de investimento”, frisa Ferraz.
O dirigente do Bndes não concorda com a hipótese de destinar recursos do banco para o fortalecimento estatal na economia. “Será que o Estado brasileiro está preparado para ter a propriedade sobre um conjunto extenso de empresas? Será que essas empresas teriam capacidade de ser tão dinâmicas quanto às do setor privado? Não há nenhuma prova factual de que isso seja possível”, teoriza.
O exemplo de empresa bem administrada e lucrativa, como é o caso da Petrobras, não demove Ferraz do argumento. “Não se pode projetar que o que acontece na Petrobras ocorra em qualquer situação. Não se sabe se o Estado está preparado para ser executivo, se é tecnicamente preparado.”
“A Vale do Rio Doce era uma das maiores empresas do mundo antes de ser privatizada. A privataria causou males muito grandes a este país”, desabafa o professor da Unicamp, que considera que o processo de desenvolvimento levado a cabo pelo governo só fortalece os empresários.
Para Cano, “essa visão não tem nada a ver com a questão social brasileira, com distribuição de renda, de emprego. Acreditam que ajudando a constituir empresas de grande porte, elas poderão brigar lá fora (no exterior)”, lamenta. “O capital privado não entra sozinho para roer o osso, só entra onde tem carne. Se não tiver carne, não entra. Sempre foi assim. Capitalismo é isso”.
Ele não acredita em uma guinada estatizante por parte do governo Lula. “O governo age dessa forma porque não é um governo socialista. Não pretende nacionalizar nenhum setor. Acredita na política de fortalecimento das empresas privadas nacionais”.
A preocupação do docente é semelhante a dos sindicalistas da área. Os trabalhadores também estão preocupados com as conseqüências do fortalecimento da Odebrecht. O secretário de Organização da CNQ (Confederação Nacio nal dos Químicos), Carlos Itaparica, questiona o financiamento de grupos empresariais privados com recursos públicos.
“Muitos empresários brasileiros se tornaram donos de petroquímicas sem ter nenhum capital. Naquela época, quem financiou foi o Bndes, hoje é a Petrobras.” Itaparica é funcionário da Braskem desde 2000, mas trabalha como operador de processo há mais de 20 anos no Pólo Petroquímico de Camaçari, na Bahia.
O sindicalista diz que os trabalhadores são favoráveis à Petrobras ter um braço petroquímico e questionam o capital privado majoritário na nova empresa. “Acho um equívoco a Petrobras entrar como fornecedora do capital e não como administradora da planta.”
Ele teme que a relevância conferida a Odebrecht no processo de fusão prejudique a população. “Se a gente olhar ao nosso redor, praticamente tudo possui derivados da indústria petroquímica: televisão, geladeira, carro... E isso vai estar na mão de uma empresa só. A sociedade vai ficar refém de uma empresa privada.”
Os temores de Cano e Itaparica são compartilhados pelo professor de sociologia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) Carlos Bello. O docente, que é especialista em Cade e já publicou um livro que debate o peso desempenhado pelo poder público para barrar a formação de monopólios, considera o processo de fusão entre as duas empresas como certo. “Não tenho dúvida nenhuma de que isso vai acontecer.” Ele enfatiza que o processo de fusão “é bom para a empresa privada (Odebrecht)”.
“Hoje em dia, o negócio petroquímico da Odebrecht praticamente financia a construção pesada da empreiteira”, revela o economista Thomaz Jensen. Segundo ele, para uma empreiteira, ter uma atividade petroquímica é muito interessante. “Os gastos com as paradas para a ampliação e manutenção da planta são basicamente serviços de construção civil.”
A economista da CNQ, Marilane Teixeira, antecipa que o objetivo da nova gigante petroquímica é se transformar na quinta empresa do mundo. Ela destaca, no entanto, que o processo de concentração de capital em grandes grupos econômicos faz parte da estratégia de política industrial do governo Lula.
Marilane cita o caso da fusão da Aracruz com a Votorantim que conferiu à Fibria “o status de maior empresa do mundo na área de celulose”. Para a economista, os setores de celulose e petroquímica são grandes players para travar a disputa no mercado internacional.
No caso específico da concentração de capital na área petroquímica, ela considera que é uma política deliberada do governo, “estimulada pelo Bndes, com o aval da Dilma (Rousseff)”. “Acham que a Petrobras tem de se ocupar com exploração e refino de petróleo. Não consideram que a produção de resinas pela indústria petroquímica seja um setor que deva estar na mão do Estado”, critica.
O monopólio privado assusta os trabalhadores do setor petroquímico. O risco de desemprego e do rebaixamento das relações e condições de trabalho são alguns dos pontos de questionamento levantados pelos sindicalistas quando o assunto é a consolidação da BRK.
Itaparica teme que a nova gigante vá promover uma redução drástica no número de postos de trabalho. Hoje, segundo ele, as duas empresas têm em torno de 6.800 funcionários, a Braskem com aproximadamente 4.800 trabalhadores e a Quattor com dois mil. A Braskem atua na Bahia (Camaçari), no Rio Grande do Sul (Triunfo), em São Paulo (Paulínia) e Alagoas, a Quattor, na Bahia (Camaçari), no Rio de Janeiro (Duque de Caxias) e em São Paulo (Capuava, no ABC).
O presidente do Sindicato dos químicos do ABC, Paulo Lage, também suspeita que o corte de funcionários ocorra. “Não vejo nenhum ponto positivo a não ser para a Odebrecht e a Petrobras. Para os trabalhadores, essa fusão vai gerar desemprego”, lamenta.
“O monopólio privado tem uma conseqüência diferente do monopólio público. Enxugamento da mão de obra, sucateamento de algumas plantas em detrimento de outras.” Lage afirma que o sindicato do ABC está tentando marcar uma audiência com a Petrobras. “A Petrobras tem recursos, tem insumos (nafta), queremos ouvir deles porque não se aventa a possibilidade de a empresa assumir o controle do processo.”
Os sindicalistas pretendem se organizar para evitar retrocessos. “A gente sabe que o setor empresarial só entende o trabalhador mobilizado. Como todos os sindicatos da categoria estão dentro da CUT, isso unifica a linha de ação”, acredita Itaparica.
Lúcia Rodrigues é jornalista
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