Por mais que veja o Irã como um país injustamente discriminado e um parceiro de peso e de grande importância para o Brasil, não posso deixar de observar que há excessos que vêm sendo praticados pelo regime militar que o governa. Os religiosos têm um poder aparente, mas de fato que manda são os militares. Os estadunidenses, neste aspecto, não mentem quando dizem que o Irã virará uma ditadura militar. Bem, falta pouco, muito pouco para que esse regime, que está se fechando cada vez mais, torne-se de fato uma ditadura sem eleições ou com eleições meramente aparentes. Os militares administram as grandes empresas nacionais iranianas, quando não as detêm, têm poder político e, obviamente, grande força militar e apoio de grande parte da população. Mas, dentre os militares, é a Guarda Revolucionária que detém o poder, o dinheiro e o status. E aos ayatolás ainda resta parte do poder político e jurisdicional.
2) O IRÃ E A REPRESSÃO
O povo iraniano é contestador e, na sua maior parte, culto. Leem muito e admiram os hábitos e modas da França. Prova disso é o significativo número de iranianos que residem na França e os inúmeros filmes que são produzidos em parceria com aquele país europeu.
Triste é saber que um dos maiores diretores do cinema iraniano, um sujeito corajoso que vem denunciando há anos a situação das mulheres naquele país, foi detido simplesmente por não apoiar o regime vigente. Não é fácil ser membro da oposição ou não se simpatizar com os governantes do Irã de hoje. Jafar Panahi dirigiu o importante filme "O Círculo", de 2000, que revela a caótica situação das ex-presidiárias e a segregação a que são submetidas. É um filme importante, uma denúncia de violação aos direitos humanos e que nada tem a ver com a religião, mas com a discriminação social e a truculenta repressão policial.
Entendo perfeitamente que não é fácil manter a estabilidade de um país tão fortemente sancionado pela ONU e que qualquer evidência de fraqueza seria o sinal que os israelenses e estadunidenses estão esperando para atacar o Irã, em especial a Guarda Revolucionária, os grandes Centros de Teologia e, evidentemente, os grandes centros processadores de urânio.
3) O IRÃ E O POSSÍVEL ATAQUE
É óbvio que um mero ataque "pontual" não desestruturaria a capacidade de enriquecimento de urânio do Irã, pois se trata de conhecimento e o Irã é um país considerado rico que poderia reprocessar o urânio futuramente. Um ataque dito pontual teria o efeito retardador, apenas. Por isso, espera-se que um eventual ataque seja feito de forma intensa, para tentar aniquilar fortemente a resistência militar iraniana e assim retirar os militares da Guarda Revolucionária e os Ayatolás mais conservadores do poder, colocando, através da CIA e de suas relações espúrias, uma espécie de fantoche ou alguém mais próximo do dito ocidente. O que os Estados Unidos não deveriam se esquecer é que o povo iraniano ainda tem fortes ressentimentos dos golpes que o Tio Sam patrocinou. Portanto, uma invasão por terra dos inimigos israelenses e americanos teria uma recepção nada amistosa por parte da população do Irã e ainda chamaria ao território iraniano os resistentes (em grande parte sunitas) e os xiitas iraquianos, que são muitos. O que provavelmente ocorreria, e o governo do Irã já deve ter conhecimento, é que, ao mesmo tempo em que ocorressem os bombardeios, os rebeldes e terroristas do leste iraniano (como são considerados pelo governo do Irã) enfrentariam o resto da resistencia militar existente, com o auxílio de armas e dinheiro dos Estados Unidos. Resumindo, o ataque que ocorresse prejudicaria, sem dúvida alguma, os interesses estadunidenses no golfo, fragilizando ainda mais a política no Iraque e abrindo uma nova frente, agora no Irã, um país com potencial bélico invejavel e que poderia ocasionar uma guerra aberta com Israel, que também sairia perdendo, não só pelo grande número de baixas, mas pelo laço intrincado que o Irã tem com os palestinos, do Hamas ou não, com o Hezbolah e com a Síria. Além do mais, isso poderia chamar outros países à guerra, em razão da forte pressão interna. O Iraque seria um deles e a forte Turquia, que mantém laços militares com Israel e econômicos com o Irã, poderia intervir contra o governo sionista (leiam os seguintes artigos que escrevi recentemente sobre a questão iraniana: clique aqui (1) clique aqui (2) clique aqui (3)).
O que penso que poderia haver é uma forte ação da CIA, patrocinando a oposição e armando os terroristas do leste. Ataques? Poderiam ocorrer, sim, mas desde que simultâneos às ações bem avançadas da CIA nos bastidores. E é justamente disso que o governo iraniano tem medo, do apoio da CIA à oposição, que tende a fortalecer-se. Por isso o governo vem aumentando a repressão. Eles querem minar a oposição interna.
Leia na página do Pravda um importante artigo de Anna Malm que denuncia a possível proximidade da guerra da OTAN, Estados Unidos e Israel contra o Irã. Clique aqui para acessar a primeira parte do texto.
Leia na página do Pravda um importante artigo de Anna Malm que denuncia a possível proximidade da guerra da OTAN, Estados Unidos e Israel contra o Irã. Clique aqui para acessar a primeira parte do texto.
4) O BRASIL E A SUA POSIÇÃO PERANTE O IRÃ
Os Estados Unidos não querem ver um Brasil forte criando laços com um Irã também forte. Para eles pouco importa se o regime de lá é democrático ou ditatorial. O que importa para os Estados Unidos são os seus interesses, apenas isso, e o Irã é uma pedra no sapato, que por enquanto os Estados Unidos mantém no calçado. Sem o Irã, a situação dos americanos no Iraque se tornaria ainda mais fragilizada. Com o Irã, o parceiro de todas as horas dos americanos, Israel, se vê ameaçado. Por isso, penso que seremos pressionados por todos os ângulos, e não apenas pelos americanos. Aqueles políticos europeus que normalmente se alinham à política americana também pressionarão o Brasil, inclusive a França, que pretende vender armamentos a nós.
Para os americanos, as sanções econômicas fortes, que estrangulem a economia iraniana e causem uma grande e incontrolável insatisfação interna, são a opção mais eficiente. Um ataque, como já mencionei, causaria muita dor de cabeça aos americanos e aos israelenses. É uma alternativa não tão próxima, penso, embora não tenha sido descartada e tenha consequências maléficas, inclusive e principalmente economicamente, a todos os envolvidos.
Assim, se o Brasil continuar a manter a sua posição, os Estados Unidos ficarão em um beco sem saída, o que significará, sem sombra de dúvida e ainda que a grande imprensa nacional não reconheça, uma vitória das relações exteriores do governo brasileiro.
É, Brasil, há tempos os Estados Unidos não dependem tanto de nós. A última vez foi na década de 40, quando Vargas soube negociar e conseguiu investimentos pesados dos americanos no Brasil, fomentando a nossa indústria de base, principalmente. Agora caberá ao presidente Lula saber negociar. Com certeza, todos os iranianos mantêm-se apreensivos com o rumo a ser dado pelo Brasil.