Destinada a enfrentar a ascensão de governos progressistas na América Latina, a UnoAmerica lança bases no país
Adriano Andrade,
do Rio de Janeiro (RJ)
para a Agência BRASIL DE FATO
Uma sombra nebulosa se aproxima do Brasil, de forma sorrateira e silenciosa. Os efeitos de sua proximidade podem ser mais lamentáveis do que se imagina. No final de abril, ocorreu no Rio de Janeiro (RJ) a conferência “O Totalitarismo Bolivariano contra o Estado Democrático de Direito Latino-americano”. Organizada pela Academia Brasileira de Filosofia, pelo Instituto Millenium e pelo Farol da Democracia Representativa, recebia como principal visitante o venezuelano Alejandro Peña Esclusa. Ex-adversário de Hugo Chavez na disputa eleitoral de 1998 – a primeira a elegê-lo –, ele preside a entidade de extrema-direita União das Organizações Democráticas das Américas (UnoAmerica). Tratava-se do primeiro passo para a instalação do capítulo brasileiro do grupo, ainda sem sede no país, mas com enorme protagonismo de brasileiros.
A iniciativa de fundação da organização teria surgido no Brasil. Em 2006, Heitor de Paola, atualmente um dos delegados brasileiros da UnoAmerica, organizou em São Paulo (SP) o “Seminário sobre Democracia e o Império das Leis”. A partir de conversas informais entre ele e Esclusa, decidiu-se institucionalizar o combate ao que chamam de “eixo-do-mal latino-americano”, composto por todos os governos oriundos de lideranças que fizeram parte do Foro de São Paulo, nos anos 1990. Dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil) e Tabaré Vázquez (Uruguai), a Evo Morales (Bolívia) e Hugo Chavez (Venezuela), todos são considerados esquerdistas “aliados das Farc” a ser banidos do poder. Graça Salgueiro é a outra delegada. Junto a Paulo Uebel, diretor executivo do Instituto Millenium, e João Ricardo Moderno, presidente da Academia Brasileira de Filosofia, formam o principal time de defensores da organização.
A UnoAmerica nasceu em dezembro de 2008 na cidade colombiana de Santa Fé de Bogotá. O encontro que nela resultou era derivado de uma suposta “ameaça” vivida pela Ibero-América (como chamam a América Latina) com o advento de 14 “governos do Foro de São Paulo”. Segundo seu discurso, os “terroristas” teriam abandonado a luta armada para aproveitar-se dos mecanismos institucionais e implantar experiências comunistas na Ibero-América. Para eles, as principais lideranças seriam Lula e Fidel Castro (Cuba), sendo que Hugo Chavez não passaria “de bucha de canhão”. No evento de abril, o professor Moderno lançou o “Manifesto à Nação Brasileira contra o Totalitarismo Bolivariano”. No texto, descreve que o bolivarianismo “mantém estreitos vínculos carnais com o narcotráfico, o terrorismo e o fundamentalismo islâmico”.
Nas eleições venezuelanas de 1998, Peña Esclusa teria obtido parcos 0,04% dos votos. Seus compatriotas se perguntam agora como alguém pouco conhecido em suas terras circula com tanto prestígio pela Europa Ocidental e como apareceu em entrevista ao Washington Times, jornal ligado ao ex-presidente estadunidense Donald Rumsfeld. Seria porque defende abertamente golpes de Estado? Um influente político italiano admitiu que foi recomendado a Esclusa por integrantes do Vaticano. Provavelmente, trata-se do cardeal Renato Martino, presidente do Conselho de Justiça e Paz.
No Brasil, elogios a Peña Esclusa também apareceram em um dos blogues mais famosos. Ligado à revista Veja, o blogue de Reinaldo Azevedo é assumidamente um depositário de ideias de direita. Nele, o articulista escreveu: “A esquerda latino-americana, incluindo a brasileira, acusa Esclusa de golpismo, claro. Não soa familiar? Golpismo, como sabemos, é o outro nome que eles dão à pluralidade democrática”. Os simpatizantes da UnoAmerica não consideram golpe o que ocorreu em Honduras, com a deposição de Manuel Zelaya. Ao contrário, dizem que as perspectivas de reversão da “ameaça” vivida pela Ibero-América residem no país centro-americano.
Embora aparentemente não conte com fartos recursos, a UnoAmerica dá inúmeros sinais de representar enorme ameaça ao subcontinente. A Marcha Mundial contra Hugo Chavez, organizada neste mês por meio do site Facebook pela Um Milhão de Vozes, teria sido fortemente estimulada pela UnoAmerica. A Um Milhão de Vozes firmou, recentemente, parceria documentada com a UnoAmerica. Nos textos que escrevem, integrantes da organização deixam escapar sinais de que teriam apresentado seus projetos a setores das Forças Armadas. Na Bolívia, a UnoAmerica acusou Evo Morales de promover o massacre de Porvenir (Pando), onde 20 camponeses foram assassinados. Entregaram à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) denúncias contra o que chamam de crime de lesa-humanidade. A denúncia foi negada por organismos como a Organização dos Estados Americanos (OEA) e o Alto Comissariado das Nações Unidas (ONU).