Às vésperas de comemorarmos o dia da independência, convém criticar a inércia com que tratamos a responsabilização do que é chamado de excesso praticado pela ditadura. Inércia que não apura os serviçais dos Estados Unidos, que praticamente foram os primeiros beneficiários do golpe de 1964 e que colaboraram com dinheiro, homens e armas.
Ações exageradas ocorreram dos dois lados (ditadura e oposição), com mortes de inocentes, não há dúvida. Porém, uma coisa inaceitável é a prática de tortura e assassinatos em nome do Estado, em nome do Brasil. As Constituições de antes e da redemocratização (1988) jamais aceitaram isso. A atual carta, inclusive, prevê a imprescritibilidade de qualquer ato praticado por grupos armados contra a ordem Constitucional ou o Estado de Direito.
Torturas e assassinatos jamais integraram a Lei de anistia, como bem ressaltou o Presidente da OAB Federal em artigo publicado na Folha de S. Paulo no dia 28 de agosto último.
Como já foi explicitados pela abertura de arquivos estadunidenses, o Brasil foi o grande articulador dos golpes ocorridos nos anos 70 na América do Sul. Favoreceu governos ditatoriais de direita e fascistas em detrimento de regimes democráticos. Infelizmente, o nosso país teve grave responsabilidade pela desestabilização do nosso continente, tudo em favor do governo imperialista dos Estados Unidos.
Hoje, Peru, Uruguai, Argentina e Chile prendem os responsáveis pelos excessos, pelas atrocidades praticadas em seus países, mas no Brasil isso é ultrapassado, deixado para trás, em prol do que alguns chamam de harmonização, pacificação. A paz é um remédio para muita coisa, menos para a injustiça mais cruel, que é a barbaridade. Aceitar barbaridades, atrocidades e atos desumanos é permitir que eles se repitam no tempo. A democracia brasileira não pode calar-se perante atos monstruosos praticados contra o Estado Brasileiro, contra a ordem Constitucional, contra os Direitos Humanos e contra o seu próprio povo.
Permitir-se ilegalidades já é afrontoso, mas permitir-se ilegalidades bárbaras, sempre injustificadas, é denegrir a nossa própria imagem como país, nação e povo. O que dizer, então, de crimes bárbaros e injustificados praticados contra o próprio povo brasileiro? É mais que um crime lesa pátria ou lesa humanidade. É um crime que lesa toda a história e o nosso próprio cerne de nação, engrandecendo o desamor a parte de um grupo de brasileiros.
Se juridicamente a "pacificação" pretendida é inaceitável, sociologicamente é aberrante.