Fundador do Grupo Gay da Bahia, Luiz Mott critica os altos índices de homofobia no país da maior parada gay do mundo.
Por Tatiana Merlino
O Brasil é o país onde mais se mata homossexuais.
Em 2008, foram registrados 190 assassinatos, um a cada dois dias. Os números superam as estatísticas de 2007, quando houve 122 homicídios dessa natureza. Os dados, apresentados pela pesquisa do Grupo Gay da Bahia, indicam que o Brasil é o campeão mundial em crimes de homofobia, seguido pelo México – que apresenta média de 35 crimes por ano – e Estados Unidos – com 25.As estatísticas são no mínimo estranhas para um país que há dez anos sedia a maior parada gay do mundo. Em sua ultima edição, a manifestação realizada anualmente em São Paulo reuniu cerca de três milhões de pessoas.Para o antropólogo Luiz Mott, fundador do Grupo Gay da Bahia, entidade mais antiga de defesa dos direitos dos homossexuais no país, “apesar do Brasil proclamar através de suas lideranças que teve a primeira conferencia GLBT do globo e o primeiro presidente a apresentar um programa nacional para os gays, estamos na rabeira de outros países que possuem menos organização em termos de parada”.Ou seja, apesar da grandiosidade da parada gay brasileira, os números de assassinatos de homossexuais vêm crescendo ano a ano. Para Mott, um dos motivos é o fato de ainda não termos uma legislação que garanta o reconhecimento da homofobia como crime.A despeito de iniciativas positivas apresentadas pelo governo Lula, como o programa Brasil Sem Homofobia, de 2004, e o recente Plano de Nacional da Cidadania dos Direitos Humanos LGBT, de maio deste ano, “infelizmente, é muita palavra e pouca ação efetiva”. Para combater a violência, o antropólogo defende a aprovação do projeto de lei que equipara a homofobia ao racismo [PLC 122/2006].O levantamento anual dos assassinatos de homossexuais teve inicio em 1980, quando o Grupo Gay da Bahia foi criado. Desde então, até 2008, foram documentados 2.998 assassinatos de gays, travestis e lésbicas no Brasil, concentrando-se 18% deles na década de 80, 45% nos anos 90 e 35% (1.168 casos) a partir de 2000. Quando divulgou os dados de 2008, Mott classificou o conjunto de crimes como um verdadeiro “homocausto".Caros Amigos - Como você avalia o governo Lula no combate à homofobia. Houve avanços? Luiz Mott- O primeiro presidente da República a falar a palavra homossexual foi o Fernando Henrique Cardoso, em 2002, e a primeira vez que um documento oficial do governo federal citou os homossexuais foi o Programa Nacional de Direitos Humanos, em 1996. O Lula tem sido o presidente que mais tem falado do assunto: participou da Conferência Nacional LGBT em Brasília, publicou o programa Brasil Sem Homofobia, propôs ações para a comunidade homossexual, mas, infelizmente, é muita palavra e pouca ação efetiva. Das ações afirmativas propostas pelo Brasil Sem Homofobia, nem 5% saiu do papel. O que a gente espera é o que presidente Lula pressione mais essa base aliada em favor dos dez projetos que estão no Congresso Nacional sobre direitos humanos LGBT, para que o país deixe essa infeliz condição de campeão mundial de assassinatos de homossexuais. Recentemente, o governo lançou o Plano de Nacional da Cidadania dos Direitos Humanos LGBT, primeira vez que um governo se compromete com políticas específicas para combater a homofobia. Quais são suas expectativas em relação ao Plano? É possível que ele resulte em ações concretas? Pode ser que seja o primeiro, como foi o primeiro país no planeta a convocar uma Conferência Nacional, mas o que vale são ações efetivas. Depende muito da boa vontade do próprio Lula, da sua base aliada, e da pressão dos homossexuais e dos simpatizantes aliados para que tantas boas intenções saiam do papel.Para que essas medidas sejam colocadas em prática não é preciso esperar a aprovação de leis no Congresso? No Brasil, o poder mais simpatizante e aliado dos direitos humanos dos homossexuais é o Judiciário, concedendo diversas garantias, seja no nível da família, seja na mudança de nome para transexuais, na adoção, no reconhecimento de viúvos à herança. O Executivo tem manifestado boas intenções através do Programa Nacional de Direitos Humanos, o Brasil sem Homofobia etc. O Legislativo é que tem sido o mais conservador e o mais inerte, empurrando as nossas demandas com a barriga. Isso reflete o medo que os deputados e senadores têm de se envolver com um causa tão tabu. O plano pode ajudar na aprovação do projeto de união civil da Marta Suplicy, que é de 1995? Esse projeto foi considerado por ela própria [Marta Suplicy] como caduco. Ele está muito aquém das conquistas já efetivadas pelo Judiciário, como o reconhecimento da família e o direito à adoção. Na verdade, embora há mais de dez anos o movimento homossexual brasileiro lute pela aprovação desse projeto, eu considero que o mais importante é a aprovação do projeto de lei que equipara a homofobia ao racismo para assim diminuir o sofrimento e a morte de tantos gays como resultado da ideologia machista e homofóbica que ainda vê o homossexual como pecador, marginal, que merece pena de morte. Como está a relação do movimento gay com as religiões? A bancada dos católicos é o maior entrave para a aprovação das reivindicações do movimento gay, não é? Infelizmente. As igrejas cristãs – católicas e protestantes, sobretudo as neopentecostais – tem as mãos sujas de sangue. Através da pregação homofóbica, intolerante, preconceituosa que pastores e padres fazem nos cultos, eles fornecem argumentos para homofóbicos que matam os homossexuais. Há a exceção do candomblé e de uma ala do espiritismo, que têm sido mais simpatizantes aos direitos humanos. As igrejas têm que se modernizar e acompanhar o que acontece Europa e nos Estados Unidos, onde bispos são assumidamente gays, onde há até casamentos abençoados por denominações religiosas. Essas igrejas fundamentalistas cristãs do Brasil agem como se fossem muçulmanas, que são as mais intolerantes com os homossexuais no mundo inteiro.
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