por MÁRIO AUGUSTO JAKOBSKIND
(texto publicado na página virtual DIRETO DA REDAÇÃO no dia 12/04/2009)
A América Latina é um continente em efervescência. Diariamente ocorrem fatos relevantes, praticamente ignorados pela mídia hegemônica. Há uns 20 anos nos países ricos, e mesmo na periferia, os jornais e noticiários de TV só se interessavam pelo continente latino-americano a partir de um fato com dez mortos. O tempo passou e com raras exceções a filosofia não se alterou, embora a região hoje seja um manancial informativo que daria tranqüilamente para editar uma ou mais páginas diárias, isso, claro, se houvesse vontade política. Para se ter uma idéia, vale o exemplo da Bolívia, onde, além da greve de fome em favor de um regime eleitoral prevendo eleição em dezembro e que o presidente Evo Morales participou, está sendo inaugurada uma universidade indígena localizada em Chimoré. Outras duas, a de Warisata e Macharetí estão a postos, inclusive participaram de teleconferência no dia da inauguração. Os estudantes em Chimoré terão aulas em língua quechua e em Macharetí, em guarani. Segundo as autoridades bolivianas, em agosto de 2008, o presidente Evo Morales tinha decretado a criação das primeiras três universidades indígenas, com o objetivo de descolonizar o país culturalmente, recuperar o saber, conhecimentos, cultura e as formas de organização dos povos originários, com a incorporação da interculturalidade e o plurilingüismo. Com a inauguração, o governo boliviano cumpre uma promessa de campanha e dá mais um passo decisivo no sentido de consolidar um novo país, distante dos tempos em que predominava a visão Ocidental totalmente afastada da realidade. Ou seja, acabou o tempo em que um país de base indígena era governado apenas por brancos e mestiços, que deixaram como herança uma extrema pobreza e muito próximo de uma confrontação interna. A criação das universidades indígenas não deveria merecer a cobertura dos jornais e televisões? Se no Brasil o espaço midiático fosse democratizado, sem dúvida os brasileiros seriam mais bem informados, não só sobre o relevante acontecimento na Bolívia, como outros do mesmo nível. Como a filosofia da mídia hegemônica é avessa a essas coisas, a prioridade é outra. Isso para não falar da manipulação que claramente visa indispor governos e povos, como aconteceu recentemente quando os espaços conservadores chegaram até a decretar uma “guerra do gás” entre a Bolívia e o Brasil. Ainda no continente latino-americano, um presidente eleito democraticamente foi condenado a 25 anos de prisão por responsabilidade em muitas mortes no período em que governou o Peru, de 1990 a 2000. O fato foi noticiado, mas praticamente nenhum dos jornalões lembrou que Alberto Fujimori era considerado, juntamente com o então presidente mexicano Carlos Salinas de Gortari (88 a 94), como exemplo de administrador bem sucedido. E sabem o motivo desse destaque nos espaços midiáticos conservadores? Simplesmente porque os dois colocavam em prática o modelo econômico neoliberal e eram considerados modernos. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso quando ocupava o Ministério da Fazenda foi um ardoroso defensor de Gortari e posteriormente, já na presidência, de Fujimori. Quando o peruano estava prestes a ser defenestrado, Cardoso tentou mediar a continuidade do então dirigente, mas não foi bem sucedido. Sobre Gortari, FHC chegou a considerá-lo um guru, exatamente porque o então governante mexicano colocava em prática um modelo econômico que o próprio ex-presidente brasileiro executou ao assumir o governo. Gortari hoje vive na Irlanda em completo ostracismo e se voltar ao México vai ter que responder na Justiça por uma série de acusações relativas à corrupção. Cardoso segue na militância política defendendo o ideário, já falido, neoliberal. Concordam que a América Latina é um continente em efervescência e que merece um outro tratamento da mídia? De 16 a 17 de abril vai ser realizada em Trinidad Tobago a V Cúpula das Américas que reunirá representantes de 34 países americanos, com exceção de Cuba, e contará com a presença de Barack Obama, o que de alguma forma colocará a América Latina nas primeiras páginas. Mas resta saber de que forma será a cobertura deste evento em que Cuba, mesmo ausente, estará na ordem do dia e será também um grande teste para o presidente estadunidense. Esta Cúpula servirá para sentir como será o relacionamento do governo Obama com a região.