da redação da Revista CartaCapital
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"Que fazer com os italianos?”, pergunta José Saramago.
“Reconheço que a pergunta poderá soar de maneira algo ofensiva a um ouvido delicado. Que é isto? Um simples particular a interpelar um povo inteiro, a pedir-lhe contas pelo uso de um voto que, para gáudio de uma maioria de direita cada vez mais insolente, acabou por fazer de Berlusconi amo e senhor absoluto de Itália e da consciência de milhões de italianos? Ainda que, em verdade, quero dizê-lo já, o mais ofendido seja eu. Sim, precisamente eu. Ofendido no meu amor pela Itália, pela cultura italiana, pela história italiana, ofendido, inclusive, na minha pertinaz esperança de que o pesadelo venha a ter um fim e de que a Itália possa retomar o exaltador espírito verdiano, que foi, durante um tempo, a sua melhor definição.”
O Prêmio Nobel reage à notícia da demissão de Walter Veltroni, líder do maior partido de oposição da Itália, o PD, nascido dos escombros do PCI largamente remanejado depois da queda do Muro de Berlim, e da aliança com os centristas da Margherita de Francesco Rutelli. A saída de Veltroni resulta de uma série de fracassos, o derradeiro no fim de semana passado, com a derrota do candidato do PD à presidência da região Sardenha. E também de sérias desavenças internas com outros expoentes da esquerda. A direita avança, e Silvio Berlusconi não perde a oportunidade para acentuar sua condição incontestável de clown globalizado. No último dia da campanha eleitoral na Sardenha, falou dos “desaparecidos” argentinos atirados ao mar pela ditadura: “Levavam-nos de avião, lá pelas tantas diziam: dia bonito, saiam ao ar livre para brincar”.
Responde prontamente a vice-presidente das Madres de la Plaza de Mayo, Mercedes Meronio: “Mais uma vez, aparece o rosto verdadeiro de Berlusconi (...) trata-se de uma pessoa sem sentimento, não conhece o amor e tampouco a felicidade”.
Quanto à felicidade, a senhora Meronio talvez se iluda.