segunda-feira, 6 de outubro de 2008

UM PRESIDENTE ESQUECIDO

por CYRO SAADEH*


Há uma frase repetida sem cessar que diz que o brasileiro não tem memória. Eu acrescentaria uma palavra à frase, que julgo necessária, "política". O brasileiro não tem memória política, isso sim. Talvez por isso os candidatos sejam tão ridículos e tão despudorados em frente às câmeras e ao próprio povo, hoje em dia, pois nos esquecemos das promessas e das palhaçadas que fazem para nos enganar.

Faço questão de começar com essas palavras para dizer que João Goulart, presidente democrático do Brasil, foi deposto por um famigerado golpe, sem qualquer resistência.



Apelidado de Jango, João Goulart, foi autor de propostas ousadas e polêmicas, como limitação da remessa de lucro ao exterior, reforma agrária e tantas outras, as chamadas reformas de base, o que precedeu o seu banimento da presidência e do país.



João Goulart era um trabalhista, na época em que o dito trabalhismo orbitava em torno da figura de Getúlio Vargas. Também era um idealista, um ousado humanista que, de uma só vez, propôs e conseguiu o aumento de 100% do salário mínimo, quando Ministro do Trabalho do governo democrático de Getúlio Vargas.



Em uma época em que se podia votar para presidente em um determinado partido e para vice de outro partido, inclusive de outra coligação, ocorreu algo incrível e que geraria a oportunidade dos golpistas de plantão tomarem o poder. Foram eleitos Jânio Quadros, da UDN (direita), como presidente e Jango (trabalhista) como vice-presidente da República.



Voltando um pouco no tempo, é bom lembrarmos que Getúlio evitou um golpe da UDN ao praticar o suicídio, em 1954. Ele era considerado muito esquerdista para a direita e muito direitista para a esquerda. Mas depois disso os golpistas continuaram a se articular e a arregimentar o clero, os militares, as donas de casa, a classe média e a mídia quase que como um todo, com raras exceções.



Em 1961, com a renúncia do presidente Jânio Quadros, não fosse o destemido Leonel Brizola, com a sua campanha da legalidade, João Goulart não teria assumido a presidência. Mesmo assim teve que aceitar o parlamentarismo, ou seja, a restrição de poderes, face à oposição declarada dos militares à sua posse. Era de se prever que Jango não governaria tranquilamente e em paz.



Sabedor do apoio da grande massa trabalhadora, mas não de parcela da esquerda e da totalidade da direita, bem como dos militares, Igreja e classe média, João Goulart demonstra ousadia ao propor reformas de base, com o propósito de propiciar um crescimento do Brasil a médio e longo prazo, o que foi visto pelos setores conservadores como uma guinada para o comunismo, coisa que efetivamente não é verdade. Jango era um latifundiário nacionalista e ligado às causas dos trabalhadores, mas não tinha habilidade política, como sempre realçou o Marechal Lott, braço direito de Getúlio e candidato derrotado à presidência na chapa com Jango.



Os Estados Unidos prepararam o terreno para o golpe, com cerca de mil estadunidenses espalhados pelo nordeste, provavelmente para articular ações de guerrilha contra o governo.



Sabedores da intenção golpista de alguns generais e de parcela da sociedade, os Estados Unidos enviaram um porta-aviões para dar apoio logístico, caso necessário.



João Goulart, avisado pelos seus assessores da ação militar que se iniciara em Minas Gerais, com o apoio de São Paulo, e com o envio de navios e um porta-aviões estadunidenses para a costa brasileira, percebeu que não haveria apoio popular a uma reação e tampouco força militar suficiente para evitar esse rompimento da ordem democrática. Humanista como sempre foi, optou pelo silêncio e cabisbaixo deixou o palácio do Alvorada em Brasília, rumo ao sul e, posteriormente, ao exílio. Fez isso por amor aos brasileiros, para evitar banho de sangue. Não tinha sede de poder, e por isso foi alvo de chacotas e críticas desmerecidas. Foi um brasileiro digno que dizem ter sido assassinado por força da operação Condor, uma operação iniciada pelos então países ditatoriais (Chile, Argentina, Brasil, Bolívia e Uruguai) com o apoio da agência americana de inteligência (CIA).



Sequer os brasileiros ergueram as armas para o seu retorno. Quando o fizeram, a partir de 1967, foi para tentar implantar um governo de viés comunista.



Morreu silente, sem o apoio dos brasileiros.


Jango foi esquecido durante o golpe, logo depois e até hoje.



Hoje falam nas corretas indenizações aos torturados e presos políticos. Mas e ao presidente e aos governadores cassados? Não foram eles alvo de perseguição política? Não seriam eles os maiores prejudicados pelo rompimento da democracia e pela atitude covarde dos golpistas?



Também hoje se luta corretamente pela punição aos torturadores e homicidas que, em nome de um governo, em desvio de poder, praticaram as maiores atrocidades.



Mas jamais se fala no crime que foi afastar um presidente eleito, em um regime democrático, através das armas, submetendo-o ao exílio forçado. O primeiro ato institucional baixado pelos militares cassou os direitos políticos de João Goulart e de todos os membros do então PTB, além de outros. A saída para os "eleitos pelos golpistas" foi procurar o exílio, para não serem presos ou mortos.



João Goulart morreu, assassinado ou não, e o seu governo e a sua memória permanecem na mais absoluta ignorância do esquecimento.



Rompeu-se uma ordem democrática e não se pede a responsabilização criminal, civil e moral dos ardilosos golpistas antidemocráticos. Feriu-se frontalmente a democracia, destituindo-se o líder Supremo da Nação e nos calamos. Não fizemos valer os votos dos brasileiros. Não fizemos valer a democracia. Não fizemos valer a Constituição de 1946. Não fizemos valer a liberdade. Não fizemos valer a ética. Não fizemos valer a cidadania. Deixando a memória do presidente no esquecimento, nos tornamos menos merecedores do poder do voto, da cidadania e da força das normas Constitucionais. Calando-nos, permitimos e aceitamos os excessos praticados pelos mais fortes. E essa esdrúxula situação perdura até hoje por conta do nosso "esquecimento".



Segundo o ordenamento jurídico internacional cabe, sim, a punição criminal dos que levaram à deposição do então presidente João Goulart. Como ele representava o maior exemplo de perseguido político, o crime que praticaram contra a sua imagem, a sua pessoa, a sua família, ao povo brasileiro, à Constituição, aos valores de dignidade da cidadania e da pessoa humana e à própria democracia brasileira, configura não apenas um delito político, mas principalmente um crime de perseguição política, ou seja, contra a própria humanidade, segundo o ordenamento jurídico internacional.



Punir os golpistas, militares e civis, é fazer fortalecer a democracia e os princípios por ela consagrados, como o de respeito à cidadania, inclusive do voto popular, e aos direitos humanos. É marcar na história a inaceitabilidade de atos daquele tipo em prol de um possível futuro democrático.´



Exemplos estão sendo dados no mundo afora. Recentemente, a Suprema Corte Russa considerou crime político a destituição e o assassinato do então Czar e seus dependentes à época da Revolução de Outubro de 1917.



Relembramos o nosso passado e exigirmos respeito à ordem democrática e às figuras devidamente eleitas pelo voto popular é o que a ética, a moral, o ordenamento jurídico e as memórias familiar e nacional exigem.


Somente assim, tornando aquele Presidente, até então esquecido, presente em nossas mentes é que o Brasil se tornará menos desigual, menos injusto e menos pródigo em oportunistas. É óbvio que esquecendo-nos de Jango, esquecemo-nos de nosso sistema democrático e legitimamos rupturas e ditaduras, como ocorreu em 1964.

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* jornalista e advogado público


Entenda um pouco mais o Governo João Goulart e o golpe militar consultando o CPDOC da Fundação Getúlio Vargas



Para refletir:

Para viver, sinta, sonhe e ame.
Não deseje apenas coisas materiais.
Deseje o bem e multiplique as boas ações.
Sorria, sim. Mas ame mais.

Ame a si, aos outros, a quem está próximo e distante.
Ame quem errou e quem acertou.
Não diferencie.

O amor não julga. O amor não pune. O amor aceita.
Pense nisso e aceite a vida.

Vamos brincar com as palavras?



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