As pequenas proibições muitas vezes passam despercebidas, mas são as mais contundentes à nossa liberdade, não só de locomoção, mas também e principalmente para a nossa manifestação do pensamento. O ser humano se caracteriza por utilizar a linguagem como forma de comunicação o que o levou a tornar-se civilizado. E, hoje, milhares de anos após não a criação da linguagem, mas da escrita, um refinamento da comunicação, parece ser contraditório que não se possa questionar certos costumes ou algumas proibições. Tratamos algumas questões como verdadeiros dogmas, inquestionáveis e intocáveis. Um verdadeiro contra-senso ao nosso atual estágio civilizatório. Só para voltar um pouco no tempo, no início do século passado era permitido o uso de substâncias alucinógenas no país. Os povos do Peru e da Bolívia tinham e ainda cultivam o hábito de mascar folha de coca e de tomar o seu chá como formas de superar a fome, o frio e o mal estar causado pela altitude. A papoula serve de condimento na culinária asiática, mas também pode ser utilizada para produzir o ópio. São tantas as questões. Não podemos ser hipócritas quando abordamos um tema tão complexo como o dos entorpecentes. Antes de mais nada, quero deixar claro que sou dos poucos que não utilizaram qualquer tipo de substância entorpecente. Fiz uso das lícitas, álcool e cigarro, por curto espaço de tempo. Realmente não me agradavam. Não sou melhor e nem pior que ninguém por conta disso. Simplesmente não curto as substâncias tóxicas permitidas e as proibidas. Simplesmente isso, e sou feliz assim. Hoje, grande parte dos crimes de roubo e de homicídio é praticada por quem estava sob os efeitos de alguma substância entorpecente. O tráfico ilícito, por sua vez, agremia crianças e adolescentes, corrompe servidores públicos e, sem dúvida alguma, põe em risco a ordem democrática, aniquilando o que é mais importante para nós, que é a cidadania. O tráfico inverte essa ordem e trata as pessoas de forma assistencialista e mafiosa e corrompe a figura do Estado. Mas traficantes não moram apenas em favelas. Moram em subúrbios, nos centros das cidades e em grandes mansões. Existe também a figura dos financiadores do tráfico, que ganham muito dinheiro emprestando capital aos traficantes. Ou seja, há vários tipos de traficantes em todas as esferas sociais. O Estado, por sua vez, pode agir prioritária e quase que exclusivamente de forma combativa, onde se destacam países como os Estados Unidos e o Brasil, ou priorizando a saúde pública, sem esquecer a repressão, forma esta adotada pela maior parte das nações européias. Há alguns autores que dizem que as ações externas dos serviços secretos do Estados Unidos são financiadas, em parte, pelo dinheiro obtido no combate ao tráfico, o que seria uma forma de fugir do controle severo do Congresso. Há também quem diga que o tráfico de entorpecentes entrelaça-se com o tráfico de mulheres e o tráfico de armas. Uma coisa parece ser bem clara. Enquanto houver quem use, haverá quem venda drogas. Enquanto o porte e o tráfico forem proibidos, os usuários se sujeitarão a comprar as drogas de forma menos acintosa de traficantes-repassadores ou, então, diretamente de quem compra em grande quantidade. É incrível como os jovens se acostumaram a usar maconha. É quase impossível não sentir o seu cheiro nas praças e em ambientes estudantis, onde o uso parece ser muito comum. Os filmes estadunidenses sempre retratam jovens e quarentões utilizando um cigarro de “cannabis sativa”, como se fosse algo comum. E é comum. A realidade está sob os nosso olhos. Só não enxerga quem se apegou a dogmas. Assim, não podemos ser hipócritas. Ainda não conseguimos resolver o problema da droga e dos seus malefícios. Então, porque não ouvir aqueles que têm algo a dizer a respeito? Como ponderou a juíza do Dipo que decidiu em primeira instância a questão da manifestação pela maconha em S. Paulo, vige no ordenamento jurídico brasileiro o direito Constitucional da livre manifestação do pensamento. Se o manifesto for para discutir, e não para portar e utilizar, aparentemente não haverá ilicitude alguma. Os dogmas não servem para esclarecer, mas apenas para manter o “status quo”. A quem interessa essa realidade que vemos na televisão, nos cinemas e nas ruas? A nós parece que não. Aos traficantes que ganham muito dinheiro, aos agentes públicos corruptos, aos financiadores do tráfico e a demagogos de plantão, parece que sim.
______________________________________________________* é jornalista e colunista do JP