domingo, 29 de maio de 2011

A Síria e o imperialismo dos EUA

Sara Flounders*
Todas as declarações feitas pelo governo sírio têm reconhecido a importância de fazer reformas internas importantes, mantendo a unidade nacional num país extremamente diversificado. As diversas nacionalidades, religiões e grupos culturais na Síria têm todo o direito de fazer parte deste processo. Mas o que eles precisam sobretudo é do fim da constante e cruel intervenção dos EUA.

Quando o imperialismo dos EUA se empenha num ataque a qualquer governo ou movimento, os movimentos políticos dos trabalhadores e dos progressistas para uma transformação precisam forçosamente de reunir o maior número de informações disponíveis e assumir uma posição.

É uma cobardia manter-se neutro e é uma traição alinhar com o polvo imperialista, que procura dominar o mundo.

Isto é o ABC dos movimentos dos trabalhadores ao longo dos 150 anos de lutas com consciência de classe. É a própria base do marxismo. Reflecte-se nas canções sindicais que lançam o desafio “De que lado é que estás?” e por intermédio dos dirigentes sindicais que explicam vezes sem conta: “Uma ofensa feita a um é uma ofensa feita a todos”.

O mundo árabe está a ser abalado por uma explosão social. O imperialismo americano e todos os antigos regimes da região a ele ligados estão a tentar desesperadamente gerir e conter esta revolta de massas, que ainda está em evolução, canalizando-a de modo a não ameaçar o domínio imperialista na região.

Os EUA e os seus colaboradores também estão a tentar dividir e corroer as duas alas de resistência – as forças islâmicas e as forças nacionalistas seculares – que, em conjunto, derrubaram as ditaduras apoiadas pelos EUA no Egipto e na Tunísia. Há neste momento um esforço concertado dos EUA para virar essas mesmas forças políticas contra dois regimes na região que se têm oposto ao domínio dos EUA no passado – a Líbia e a Síria.

Tanto a Líbia como a Síria têm os seus problemas de desenvolvimento, que são exacerbados pela crise geral do capitalismo global e por décadas de compromissos que lhes foram impostos quando tentavam sobreviver num ambiente hostil de ataques permanentes – políticos, por vezes militares, e que incluíam sanções económicas.

Os bombardeamentos dos EUA/NATO sobre a Líbia clarificaram a posição do imperialismo em relação a este país. Os exploradores transnacionais estão apostados em apoderar-se totalmente das mais ricas reservas de petróleo da África e eliminar os milhares de milhões de dólares com que a Líbia estava a contribuir para o desenvolvimento de países africanos muito mais pobres.

A Síria também é um alvo do imperialismo – por causa da sua heróica defesa da resistência palestina durante décadas e da sua recusa em reconhecer a ocupação sionista. Não podemos esquecer o apoio da Síria ao Hezbollah na sua luta para acabar com a ocupação israelense do Líbano e a sua aliança estratégica com o Irão.

Embora seja difícil compreender uma grande parte da situação interna da Síria, é importante assinalar que, nesta luta em curso, apareceram nítidas declarações de apoio ao governo sírio e contra as tentativas dos EUA de desestabilização vindos de Hugo Chávez da Venezuela, do secretário-geral do Hezbollah Seyyed Hassan Nasrallah do Líbano e de diversos dirigentes exilados do Hamas, a organização palestina que foi eleita pela população de Gaza. Estes líderes políticos têm sofrido campanhas de desestabilização dos EUA que utilizaram maquinações dos media empresariais, de grupos da oposição financiados a partir do exterior, de assassínios programados, de operações especiais de sabotagem e de operacionais da Internet bem treinados.

Do lado da supostamente “oposição democrática” estão reaccionários como o senador Joseph Lieberman, presidente da poderosa Comissão de Segurança Nacional do Senado, que apelou ao bombardeamento da Síria a seguir ao da Líbia. Os veementes apoiantes da oposição na Síria incluem James Woolsey, antigo director da CIA e conselheiro da campanha presidencial do senador John McCain.

A Wikileaks denuncia o papel dos EUA

Um artigo intitulado “Os EUA apoiaram secretamente grupos da oposição síria”, de Craig Whitlock (Washington Post, 18 de Abril) descreveu com grande pormenor as informações contidas em telegramas diplomáticos americanos que a Wikileaks enviou a agências noticiosas de todo o mundo e publicou no seu sítio web. O artigo resume o que esses telegramas do Departamento de Estado revelam sobre o financiamento secreto de grupos políticos da oposição, incluindo a difusão de programação anti-governamental no país através de televisão por satélite.

O artigo descreve esses esforços, financiados pelos EUA, como fazendo parte de uma “campanha já antiga para derrubar Bashar al-Assad, o líder autocrático do país” que assumiu o poder durante o mandato do presidente George W. Bush e continuou com o presidente Barack Obama, apesar de Obama ter afirmado estar a reconstruir as relações com a Síria e ter enviado um embaixador para Damasco pela primeira vez em seis anos.

Segundo um telegrama de Abril de 2009 assinado pelo principal diplomata americano em Damasco na altura, as entidades sírias “consideravam obviamente quaisquer fundos americanos destinados a grupos políticos ilegais como equivalentes a um apoio à alteração do regime”. O artigo do Washington Post descreve com algum pormenor as ligações entre a TV Barada da oposição, financiada pelos EUA, e o papel de Malik al-Abdeh, que está na sua direcção e distribui vídeos e protestos actualizados. Al-Abdeh também está na direcção do Movimento para a Justiça e Democracia, que é presidido pelo seu irmão, Anas Al-Abdeh. Os telegramas secretos “relatam receios persistentes entre os diplomatas americanos de que os agentes de segurança sírios tenham descoberto o rasto do dinheiro a partir de Washington”.

Papel da Al Jazeera

Talvez que o desafio mais revelador e a denúncia da campanha de desestabilização na Síria tenha surgido com a demissão de Ghassan Ben Jeddo, o jornalista mais conhecido do noticiário da televisão Al Jazeera e chefe do seu escritório de Beirute. Bem Jeddo demitiu-se como forma de protesto pela cobertura preconceituosa da Al Jazeera, referindo-se sobretudo a uma “campanha de difamação contra o governo sírio” que transformou a Al Jazeera numa “agência de propaganda”.

A Al Jazeera fez uma cobertura favorável do imparável levantamento popular de milhões no Egipto e na Tunísia. Mas este canal de notícias por satélite também noticiou extensivamente todas as reivindicações e acusações políticas, independentemente de serem ou não consubstanciadas, feitas pela oposição política tanto na Síria como na Líbia. Tornou-se na voz mais forte na região, seguida por milhões de visitantes, a clamar pela intervenção “humanitária” dos EUA, zonas de interdição aérea e bombardeamento da Líbia. Portanto é importante compreender a posição da Al Jazeera como uma corporação de notícias, principalmente quando ela afirma ser a voz dos oprimidos.

A Al Jazeera, que tem a sede em Qatar, nunca noticia que 94 por cento da força de trabalho no Qatar é formada por imigrantes que não têm quaisquer direitos e existem em condições de quase escravatura. A repressão brutal do movimento de massas na monarquia absoluta do Bahrein, que fica mesmo ao lado de Qatar e está hoje ocupada por tropas sauditas, também pouca cobertura recebe da Al Jazeera.

Será que esta censura existe porque as Notícias TV Al Jazeera são financiadas pelo monarca absoluto de Qatar, o emir Sheikh Hamad bin Khalifa Al Thani?

È muito importante assinalar que a Al Jazeera nunca se refere à imensa base militar americana Central Command ali mesmo em Qatar. Os aviões de controlo remoto levantam regularmente daquela base em missões secretas por toda a região. Qatar também tem enviado aviões para participar no bombardeamento dos EUA/NATO na Líbia.

Qatar trabalha em ligação estreita com o Departamento de Estado dos EUA apoiando a intervenção americana na área. Qatar foi um dos primeiros estados árabes, e o primeiro dos estados do Golfo, a estabelecer relações com Israel. Durante o bombardeamento de Gaza por Israel, em 2009, cancelou essas relações mas já propôs restabelecê-las.

O Facebook e a contra-revolução

A CIA e a National Endowment for Democracy tornaram-se especialistas na utilização duma barragem dos media sociais, tal como o Facebook, o Twitter e o Youtube para atulhar os governos visados com milhões de mensagens fabricadas, boatos falsos e imagens.

Alertas fabricados sobre lutas e divisões entre facções rivais nas forças armadas da Síria, com vista a provocar demissões, vieram a provar-se serem falsos. Por exemplo, o major general al-Rifai (Ret.) desmentiu, por não terem fundamento, notícias difundidas por televisão satélite de que estava a liderar uma divisão nas forças armadas. Acrescentou que já se tinha reformado há dez anos.

Izzat al-Rashek, da Comissão Política do Hamas, e Ali Baraka, representante do Hamas no Líbano, desmentiram publicamente afirmações de que a liderança desta organização de resistência palestina estava a mudar-se de Damasco para Qatar. Ali Baraka explicou que isso era uma invenção americana para pressionar Mahmoud Abbas da Fatah e impedir a reconciliação palestina, agudizando o conflito entre os movimentos de resistência e a Síria.

O governo sírio denunciou que franco-atiradores tinham disparado sobre manifestações, visando militares e policiais na tentativa de levar a polícia a abrir fogo sobre os manifestantes.

Boatos, publicações anónimas na Internet e notícias por televisão satélite destinadas a agudizar diferenças sectárias fazem parte da campanha de desestabilização.

Carácter duplo da Síria

Não é difícil perceber porque é que o imperialismo dos EUA e os seus peões na região, incluindo Israel e as monarquias corruptas dependentes da Jordânia, do Qatar e dos Emirados Árabes Unidos e da Arábia Saudita, querem ver uma ‘mudança de regime’ na Síria.

A Síria é um dos poucos estados árabes que não tem relações com Israel. Várias organizações de resistência palestina têm escritórios no exílio na Síria, incluindo a Hamas. A Síria é um estreito aliado do Irão e do Líbano.

A Síria actualmente não é um país socialista nem país revolucionário. O capitalismo, com as suas inevitáveis desigualdades, não foi derrubado. Há uma classe capitalista na Síria, muita gente dentro dela beneficiou das ‘reformas’ que privatizaram antigas indústrias anteriormente na posse do estado.

No entanto, o estado sírio representa forças contraditórias. Tem sido um bastião na defesa das conquistas alcançadas nas lutas anti-colonialistas e nos levantamentos das massas árabes nos anos 60 e 70. Durante esse período foram feitas muitas conquistas sociais importantes, foram nacionalizadas as principais indústrias e recursos que tinham pertencido ao capital estrangeiro e foram feitos importantes avanços nos cuidados de saúde garantidos, nos padrões de vida e na educação.

A Síria, sob o Partido Baath Socialista Árabe, é um país rigorosamente laico. Manteve a liberdade de religião para toda a gente, embora sem permitir que um grupo religioso dominasse ou fosse promovido pelo estado.

Mas o regime na Síria também tem reprimido duramente as tentativas dos movimentos de massas, com base no Líbano e na Síria, que pretendiam continuar a lutar. Justificou a repressão dos movimentos passados apontando para a sua posição precária mesmo ao lado de Israel, o impacto das duas guerras israelenses em 1967 e 1973, e a consequente ocupação israelense e anexação da importante região dos Montes Golan na Síria durante 44 anos.

Anos de sanções dos EUA e anteriores tentativas de desestabilização também tiveram um efeito cumulativo. O aparelho de estado, sempre temeroso duma intervenção externa continuada, passou a ter medo da mudança.

É essencial reconhecer este carácter duplo e não desculpar nem ignorar todos os problemas que daí decorrem.

A Síria ainda tem o fardo acrescido de albergar mais de 500 mil refugiados palestinos e seus descendentes nos últimos 63 anos. As condições destes são melhores do que em qualquer dos países vizinhos porque, ao contrário do Líbano e da Jordânia, os cuidados de saúde, o ensino e a habitação são acessíveis aos palestinos na Síria.

O impacto da guerra do Iraque

A maciça invasão americana e a destruição do Iraque vizinho, o debate Bush-Blair sobre um ataque semelhante à Síria em 2003, e as novas e duras sanções sobre a Síria aumentaram a pressão intensa.

Mas o factor mais perturbador nunca é discutido nos media: mais de um milhão e meio de iraquianos invadiram a Síria para fugir aos últimos oito anos de ocupação dos EUA.

Esta foi uma invasão brutal para um país com uma população de 18 milhões em 2006. Segundo um relatório de 2007 do gabinete do Alto Comissário para Refugiados dos EUA, a chegada diária de 2 000 iraquianos desesperados teve um impacto enorme sob todos os aspectos da vida da Síria, em especial nos serviços prestados pelo estado a todos os seus cidadãos e a todos os refugiados. A Síria tem o nível mais alto de direitos cívicos e sociais para refugiados em toda a região. Outros países vizinhos exigem uma conta bancária mínima e impedem a entrada de refugiados pobres.

A chegada inesperada destes refugiados iraquianos teve um impacto dramático nas infra-estruturas, nas escolas primárias e secundárias garantidas, nos cuidados de saúde grátis, na disponibilidade de habitações e noutras áreas da economia. Levou a um aumento de custos a todos os níveis. Os preços dos géneros alimentícios e dos bens básicos aumentaram 30 por cento, os preços do imobiliário de 40 por cento e as rendas de casa em 150 por cento.

Os refugiados iraquianos também beneficiaram dos subsídios estatais sírios na gasolina, na alimentação, na água e noutros bens essenciais fornecidos a toda a gente. Uma massa tão grande de gente desempregada levou ao abaixamento dos salários e a uma concorrência acrescida nos empregos. O impacto das dificuldades económicas globais durante este período difícil agudizou os problemas. (Middle East Institute, 10/Dezembro/2010, relatório sobre Cooperação com Refugiados)

Os EUA criaram a crise de refugiados, que provocou a deslocação de mais de 25 por cento da população iraquiana, por causa da violência sectária. No entanto, são os que aceitam o menor número de refugiados e dão menos do que o custo de um dia de guerra no Iraque para os custos de assistência das Nações Unidas. As sanções americanas na Síria aumentaram as deslocações económicas.

Tudo isto reforçou a consciência do governo sírio e da população quanto aos perigos da ocupação americana e da desestabilização interna e quanto ao banho de sangue que pode resultar da violência sectária instigada pelos EUA.

Washington afirma estar preocupado com a instabilidade na Síria. Mas o imperialismo americano enquanto sistema é obrigado a criar a instabilidade. O domínio esmagador e o poder das corporações militares e petrolíferas na economia dos EUA e os enormes lucros dos contratos militares reforçam infindavelmente o pendor para procurar soluções militares.

Todas as declarações feitas pelo governo sírio têm reconhecido a importância de fazer reformas internas importantes embora mantendo a unidade nacional num país extremamente diversificado que tem diferenças históricas na religião, nas tribos e nas regiões e contém actualmente 2 milhões de refugiados.

As diversas nacionalidades, religiões e grupos culturais na Síria têm todo o direito de fazer parte deste processo. Mas o que eles precisam sobretudo é do fim da constante e cruel intervenção dos EUA.

* Sara Flounders é co-directora do Centro de Acção Internacional de Nova York.

O original encontra-se em http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=24659
Tradução de Margarida Ferreira.

Para refletir:

Para viver, sinta, sonhe e ame.
Não deseje apenas coisas materiais.
Deseje o bem e multiplique as boas ações.
Sorria, sim. Mas ame mais.

Ame a si, aos outros, a quem está próximo e distante.
Ame quem errou e quem acertou.
Não diferencie.

O amor não julga. O amor não pune. O amor aceita.
Pense nisso e aceite a vida.

Vamos brincar com as palavras?



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