sábado, 27 de março de 2010

NUCLEMON

Por Joelma Couto

Depósito de lixo radioativo localizado na zona sul de São Paulo está em área densamente povoada e ao lado de futuro templo do padre Marcelo Rossi. Fotos: Fábia Renata.
No dia 23 de fevereiro de 1970, em plena ditadura militar, começa a história do trabalhador José Venâncio Alves. Venâncio,vbcomo é conhecido pelos amigos, a partir desse dia passa a fazer parte do quadro de funcionários da Administração de Produção de Monazita (APM), localizada em um terreno de 20 mil m² na rua Princesa Isabel, 3, no bairro do Brooklin, em São Paulo. A estatal ligada ao programa nuclear brasileiro passaria, em 1975, a chamar-se Nuclebrás Monazita (Nuclemon)
Venâncio veio de Itaverava, Minas Gerais. Foi seu cunhado, Aarão, que já estava em São Paulo, que lhe arrumou o emprego. Venâncio, assim como o cunhado, tinha pouco estudo. Era chegar e trabalhar, a empresa não exigia muito e oferecia algumas vantagens, tais como quatro latas de leite por mês para cada filho menor de 10 anos e um botijão de gás por mês. O trabalho não era fácil. Era artesanal, braçal, mas eles não tinham estudo e as dificuldades para encontrar um emprego eram grandes. O importante é que estavam trabalhando. Assim como o cunhado, Venâncio trouxe de Minas outros trabalhadores para a empresa. Muitos eram os parentes ou conhecidos. Eram uma grande família.
O que os trabalhadores da Nuclemon não sabiam é que estavam sendo expostos a substâncias altamente tóxicas e também radioativas. A principal matéria-prima utilizada na usina era a monazita, extraída da areia monazítica, abundante na costa do Rio de Janeiro e da Bahia, e rica em urânio e tório. Na Usina de Santo Amaro (USAN), a areia bruta era beneficiada por meio de dois processos: tratamento químico e tratamento físico. Segundo documento do Centro de Referencia do Trabalhador de Santo Amaro, os produtos produzidos na USAN eram vendidos para indústrias eletrônicas, de alta pressão, de cerâmica e de metalúrgica fina. A monazita é desengraxante, desengordurante e também entra no tratamento de águas de caldeira e industrial, e na formulação de detergentes.
A areia monazítica passava por um tratamento químico para obtenção de cloreto de terras raras, gerando um subproduto com alta concentração de urânio e tório conhecido como torta II. A torta II processada também dava origem ao mesotório, produto altamente radioativo.
Todo esse trabalho era feito sem proteção. Os trabalhadores não tinham noção dos riscos. Trabalhavam até mesmo de chinelo de dedos, sapatos vulcabrás comprados na lojinha da empresa, não tinham uniformes e a roupa era lavada em casa e misturada com a roupa de toda família. Venâncio se lembra do amigo José Roberto, também de Ituverava. ”O José ficou viúvo, a esposa morreu de câncer. Ele ficou deprimido, começou a ter convulsões. O chefe não ligava, não se importava com o sofrimento do Chameguinho, como era conhecido José Roberto. Ele era ajudante de manutenção, um dia caiu de uma altura de 10 m e ficou muito tempo no hospital. Quando saiu, voltou a trabalhar, mas não tinha mais condições, ficava perambulando pela usina. Tinha que ser aposentado, mas, depois de dois anos, foi mandado embora. Teve que voltar para Minas com seus quatro filhos para ser cuidado pela família, foi um crime o que fizeram com ele.”
Segundo a Dra Maria Vera Cruz de Oliveira, médica pneumologista do CRT-SA as condições em que os ex-funcionários da Nuclemon trabalhavam eram absurdas. Estavam expostos a poeira, calor intenso, radioatividade e excesso de trabalho. A falta de protetores de ouvido causou perda de audição em muitos deles. Não havia programa de prevenção de acidentes nem uso de máscaras. No setor conhecido como amassador ocorria a mistura do ácido sulfúrico com o pó da pedra de abrigonita para obtenção, por exemplo, do fosfato de lítio. A fumaça produzida nesse setor era tão forte que, quem tinha que ir por ali era obrigado a passar correndo e sem respirar. Seu Severino da Costa, 73 anos, conta que tem silicose, doença pulmonar, e que descobriu a doença quando ainda estava trabalhando, mas, mesmo assim, foi despedido sem direito a tratamento. Severino trabalhou na empresa por 27 anos.
Somente em 1987, após o acidente de Goiânia, os ex-funcionários da Nuclemon começaram a perceber com que tipo de material trabalhavam. Venâncio conta que só então a ficha caiu. Lembra-se que em uma reunião ele sugeriu que a empresa parasse de trabalhar com a monazita, ”meu chefe deu risada, disse que eu estava louco, que a monazita pagava nosso salário e que poderia até mesmo pagar a dívida externa do país”.

A matéria, na integra, está na revista.
Joelma Couto é jornalista

Para refletir:

Para viver, sinta, sonhe e ame.
Não deseje apenas coisas materiais.
Deseje o bem e multiplique as boas ações.
Sorria, sim. Mas ame mais.

Ame a si, aos outros, a quem está próximo e distante.
Ame quem errou e quem acertou.
Não diferencie.

O amor não julga. O amor não pune. O amor aceita.
Pense nisso e aceite a vida.

Vamos brincar com as palavras?



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