por SÓCRATES*
Ao acompanhar as reações de quase todos em relação ao episódio envolvendo o atacante Adriano, diante da notícia de seu afastamento por estar insatisfeito com os rumos de sua vida, lembrei-me de quando resolvi abandonar a minha aventura italiana.
Até hoje, acreditem, muitos consideram um absurdo minha decisão de voltar para a minha terra e o meu povo, deixando por lá um caminhão de dinheiro, algo em torno de 1 milhão e meio de dólares americanos. São os mesmos que jamais conseguirão entender que morar em Florença, o berço da Renascença, tomar na hora em que quiser um dos melhores vinhos do mundo, o Chianti, comer uma suculenta bisteca à Fiorentina, quando, como e onde preferir. Ou visitar cotidianamente, se conseguir, a galeria Degli Ufizzi e ver de perto o original da escultura Davi, de Michelangelo, e mil outras obras de arte. Jantar em um restaurante chiquérrimo na Piazzale, batizada com o nome do mestre, visitar as ruínas da civilização etrusca em Fiesole. Tudo isso ou ainda qualquer outro atrativo é NADA comparado ao que chamamos de felicidade.
Felicidade não é ter, e, sim, ser. É um estado de espírito e uma série de sentimentos concomitantes em que predominam a paz interior e a alegria de se sentir vivo e sabedor do que e de para que estamos aqui. Para tanto, temos de estar onde nos sentimos bem, com quem nos faz bem, envoltos em uma bruma que nos afague e acaricie e nos complete. Felicidade está no sorriso de uma criança, bem ou malvestida, bem ou mal alimentada. Não em uma bolsa Louis Vuitton ou em um perfume igualmente francês.
Felicidade está em sentir o frescor da brisa marinha ao lado da mulher ou do homem amado, caminhando despreocupadamente pela areia banhada pela água salgada. E não nas inúmeras horas passadas no cabeleireiro, falando mal dos outros e maquiando a si próprio. Ou apenas no prazer de se deleitar na leitura de um bom livro, ouvindo uma linda música. Ou em uma gostosa gargalhada escutada a dezenas de metros.
É certo que vivemos em uma sociedade viciada em consumo e que muitos dos que dela fazem parte pouco estão se lixando com a tal da felicidade.
Encontramos, justamente por esse motivo, tanta gente infeliz, mal-amada, mascarando o seu dia a dia, para, quem sabe, nele achar alguma coisa de útil ou prazeroso. Também é por isso que o amor pelos outros parece definitivamente em extinção, pois já não vemos um cavalheiro levantar para dar lugar a uma pessoa de idade, muito menos para uma dama jovial nos metrôs da vida.
Daí, contudo, a ficarem estarrecidos com a opção de um indivíduo em busca da felicidade é uma demonstração de acomodação completa com a própria escolha, o que os torna incapazes de enxergar a grandiosidade do gesto. Além do que, ele pode estimular pelo menos uma reflexão crítica das futuras gerações para, eventualmente, estas optarem por um comportamento mais realista e mais humano.
No entanto, para um fato como esse tornar-se uma ferramenta de educação social é preciso contemplar os dois lados da questão. Que se analisem com isenção os prós e contras de atitude tão radical. Respeitando-se, claro, as decisões pessoais, pois estas são indiscutíveis. Assim como Leandro decidiu não viajar para a Copa do Mundo realizada no México, jogando pela janela tudo o que conquistara e o futuro na profissão, em solidariedade ao colega Renato Gaúcho, que com ele havia ferido o dogma da “concentração-prisão” em determinada situação.
Solidariedade é uma ação comportamental que deveria ser eternamente valorizada, para o bem das relações sociais. E apenas energúmenos podem declinar de utilizar exemplos públicos como este para difundi-la no seio da sociedade. E foi o que infelizmente aconteceu.
A maior parte da mídia e, consequentemente, das pessoas que engolem qualquer “sapo” vindo da mesma sem ao menos usufruir de uma visão crítica – eternamente escondida no fundo de algum porão de suas personalidades – difundiu o episódio como se fosse um caso de homossexualismo barato, rebaixando-o ao menor nível possível, como é praxe dos preconceituosos e racistas, para não falar de coisa pior.
Deixemos, pois, Adriano seguir o caminho escolhido. Só a ele cabe essa decisão. Não divaguemos pelo desconhecido da especulação maldosa e vil, numa tentativa de arrasar um ser humano só porque este tomou uma estrada que causa aversão a tantos, já que não lhes foi dado o prazer de conhecê-la. Somos poucos, mas ainda acreditamos que viver bem passa necessariamente pela felicidade que podemos conquistar.
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* Ex-jogador e artilheiro da seleção brasileira e colaborador semanal da Revista Carta Capital com a coluna Esporte e política na marca do PênaltiTexto publicado originalmente na Revista Carta Capital (texto de 17/04/09)